É a última vez que Cristine Lagarde sobe ao palco?
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por Valentin Katasonov
http://www.strategic-culture.org/news/2015/12/30/christine-lagarde-takes-the-stage-for-the-last-time.html
tradução: Caa Puitã

Em anos recentes, o trabalho desenvolvido pelo FMI – Fundo Monetário Internacional tornou-se um drama sem fim, sob a batuta dos Estados Unidos, também conhecido como “o maior acionista da Sociedade Anônima” intitulada FMI. Aos demais acionistas, bem como aos funcionários da organização está destinado apenas o papel de figurantes em um drama cujo dramaturgo se chama “Tio Sam”.


Entre estes papéis secundários, um dos melhores é conhecido como “Presidente da Organização”. Convida-se normalmente um ator francês para desempenhar este papel. O diretor da peça tem que se assegurar que o Presidente fique restrito às falas pré determinadas, sendo defeso o improviso. Se o Presidente não obedecer às ordens outro ator mais cordato será encontrado para desempenhar o papel de Presidente do fundo. Já o anterior é sumariamente defenestrado.


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Dominique Strauss-Kahn
Já aconteceu antes. A última vez foi em 2011, quando o Presidente, Dominique Strauss-Kahn resolveu improvisar e recitar coisas que  não constavam do roteiro que lhe foi entregue. Esta era a impressão que alguém teria ao ouvir os improvisos do francês, onde afirmava que sistema dólar estava ultrapassado e em crise, e que era necessário diversificar a cesta de moedas que servem como divisas correntes no mundo. Citou John Maynard Keynes, economista britânico que em conferência em Breton Woods propusera que se criasse um sistema monetário global baseado no bancor – uma moeda supranacional. Ainda mais fora do script estava o apoio de Strauss-Kahn às propostas do líder líbio, Maummar Kaddafi, que queria introduzir em circulação o Gold Dinar. Outro movimento imprudente do francês foi fazer lembrar aos verdadeiros mandatários do fundo que seria ideia nada má apressar a ratificação pelo Congresso dos Estados Unidos da revisão das cotas atribuídas aos demais membros do clube além de duplicar o capital do FMI.

Tudo acabou de forma terrivelmente penosa para o francês – não só perdeu o papel principal como foi expulso do teatro. Quase acaba no porto a ver navios. As acusações que foram assacadas contra ele foram mais tarde abandonadas, mas ninguém se lembra dele nem do drama. Strauss-Kahn ficou marcado indelevelmente pelo episódio e o sujeito que era o ator principal em um dos melhores teatros do mundo tem atualmente dificuldade para encontrar um bom emprego. Ele tinha planos de se tornar o presidente da França...


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Lagarde e Obama
Cristine Lagarde, também francesa, assumiu o papel principal na peça em 05 de julho de 2011. Exatamente um mês após os rapapés e congratulações, recebeu a notícia de que havia sido iniciado um processo contra ela, embora não em um tribunal americano (como acontecera com Strauss-Kahn), mas na justiça francesa. Muitos analistas e teóricos da conspiração passaram a fazer conjecturas de que o processo só tivera início por impulso do mesmo diretor da peça teatral chamada FMI, o qual agiria nos bastidores através de seus agentes na justiça francesa. O processo seria uma espécie de “vacina” para prevenir quaisquer surpresas desagradáveis da agora atriz principal do elenco. Após a sessão de vacinação o processo entrou em fase de dormência, mas as acusações não foram abandonadas. Nos últimos quatro anos a imprensa empresa fez questão de lembrar esporadicamente desse processo anêmico, mas ainda ativo nos meandros dos tribunais franceses. Consequentemente, não se permitiu à senhora Lagarde que esquecesse do processo um único dia. Ela não teve vida fácil. Para exemplificar, basta lembrar a forma pela qual Cristine Lagarde praticamente implorou a Washington que apoiasse a decisão de reformar o FMI, tendo chegado ao cúmulo de prometer pagar o favor com a apresentação de uma sessão de dança do ventre.

Em fevereiro de 2015 teve início a cavalgada da Senhora Lagarde rumo ao infortúnio, quando os Estados Unidos começou a levar o FMI como participante dos truques que estava efetuando na Ucrânia. O roteiro virou um samba do crioulo doido. O Fundo Monetário Internacional começou a parecer o teatro do absurdo.

Então, em 17 de dezembro passado, a investigação judicial que corria contra Madame Lagarde durante anos subitamente terminou. A corte francesa de Justiça da República, instância especial para o julgamento de ministros do governo, a intimou para que prestasse testemunho no que já está sendo chamado “o caso Tapie”. O desenrolar do caso tem origem na década de 1990, quando madame Lagarde ainda prestava seus serviços para uma firma de consultores, a Baker & McKenzie, e nem sonhava com o FMI.


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Bernard Tapie
Os personagens centrais desta estória são o Banco francês Crédit Lyonnais e o businessman francês Bernard Tapie. Em 1993 o banco adquiriu uma larga fatia da companhia Adidas de Tapie. Depois de certo tempo, o banco revendeu sua participação pelo dobro do preço. Bernard Tapie viu que havia sinais de que tinha sido enganado através de ações fraudulentas do banco e resolveu processar o Crédit Lyonnais no intuito de haver uma compensação por supostos danos. Tapie é um tipo interessante – não só empresário como político, já foi ministro de governo durante o período de governo de esquerda sob o presidente Miterrand, e ainda ostenta uma condenação por fraude que lhe acarretou ficar seis meses preso. Por muitos anos insistiu com seu processo para obter compensação do Crédit Lyonnais. Não tenho certeza de que Cristine Lagarde na época soubesse ou ao menos tenha ouvido falar deste processo escandaloso pois nos anos 1990s estava cuidando dos casos da Baker & MacKenzie e construindo uma carreira nos Estados Unidos. Convidada a retornar para a França quando Nicolas Sarkozy assumiu o poder no país, começou a trabalhar então em várias entidades do governo, entre elas uma permanência por algum tempo como ministra das Finanças.

No ano de 2007, examinando o caso da disputa entre o Crédit Lyonnais e Bernard Tapie, Cristine insistiu na resolução do caso através de um tribunal de arbitragem. Dado que o estado francês detinha uma faixa no capital do banco, tratava-se na realidade de uma disputa entre um investidor privado e o governo francês. No ano de 2008 o tribunal deu ganho de causa ao empresário, num total de 400 milhões de euros que incluíam 100 milhões de euros de juros e ainda 45 milhões de euros como compensação por dor e sofrimento causados pela questão. O pagamento veio dos cofres estatais – pois na época o banco nem existia mais. Houve suspeitas de que a madame Lagarde teria pressionado o tribunal de arbitragem para obter uma decisão favorável a Tapie. A iniciativa poderia ser explicada como ordens de seu patrão – Sarkozy – que teria intercedido em favor de Tapie, pois aquele empresário, durante a campanha presidencial, forneceu substancial assistência financeira ao presidente da república da França.

Especialistas que examinaram o Caso Tapie e entendem os procedimentos técnicos/legais vigentes na República Francesa observam que o caso poderia se arrastar por muito tempo, por muito mais tempo que a permanência de Cristine Lagarde na Presidência do Fundo Monetário Internacional, por exemplo. A atividade dramaticamente frenética do tribunal aconteceu em 2015 quando o processo chegou ao seu final e se deve não ao tribunal, mas ao comportamento da dirigente francesa no decorrer do ano – quando, apesar de toda a sua lealdade em relação ao maior acionista do fundo – começou a irritar o Tio Sam.

Em primeiro lugar, ela irritou profundamente aos Estados Unidos com sua insistência em lembrar a necessidade de ratificar a reforma do Fundo Monetário Internacional, já pendente há cinco anos. Um simples ator não tem direito de ficar lembrando ao dono do teatro que, além disso ainda é o diretor de palco, que um diálogo já estabelecido tem que ser mudado.

Em segundo lugar, Washington estava profundamente incomodada com a obstinação de Madame Lagarde quando da reunião de cúpula do G20 na Turquia. Como se sabe, ela teve uma
reunião com o presidente russo Vladimir Putin onde “intercedeu” a favor da Ucrânia, solicitando uma adiamento do reembolso de $3 bilhões de dólares da dívida de Kiev com a Rússia. A Senhora Lagarde acabou por colocar os Estados Unidos numa posição desconfortável, porque Washington foi obrigada a admitir que não poderia garantir a capacidade da Ucrânia em honrar suas dívidas com a Rússia.

Em terceiro lugar, não é fácil encontrar em Washington alguém que tenha ficado contente com a decisão do FMI de incluir em 30 de novembro de 2015 o Yuan na cesta de moedas de reserva. Lógico que a Presidenta do FMI recebeu toda a culpa pelo “erro”.
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Finalmente, Tio Sam picou furioso quando o FMI reconheceu oficialmente o cumprimento por parte da Rússia dos critérios que a estabelecem como credora oficial em relação ao malfadado empréstimo de $3 bilhões de dólares para a Ucrânia. Isso coloca a Ucrânia oficialmente em default soberano desde o vencimento da dívida.

Tio Sam está preocupado com a possibilidade de ocorrer mais um erro. Depois de 20 de dezembro, ao obedecer à ordem de Washington de não pagar seu débito com a Rússia a Ucrânia entrou efetivamente em default soberano. Agora, Washington insiste, exigindo que o FMI continue a emprestar dinheiro para a Ucrânia mesmo após o default. É por esta razão q         eu os Estados Unidos forçaram, obrigaram o FMI a tomar a decisão de mudar as regras do jogo, que vigoraram durante décadas. Pelas novas regras, torna-se possível que o FMI ofereça empréstimos a um país, mesmo que este país esteja em estado de falência em relação às suas dívidas com credores oficiais. Reescreveram-se as regras, exclusivamente par serem aplicadas em relação às dívidas da Ucrânia com a Rússia. Acontece que nem mesmo as novas regras determinam que se continue a emprestar dinheiro indefinidamente para países em bancarrota. O Fundo Monetário Internacional deverá “julgar baseado nas circunstâncias específicas de cada caso”. O Tio Sam não admite mais nenhuma surpresa. Ao fazer com que a Senhora Cristine seja intimada para prestar depoimentos, mandou um recado muito claro do que se espera que ela faça. Caso ela faça de conta que não entendeu, no início de 2016 poderemos assistir a mais um drama fascinante, em que se misturarão tanto a ficção quanto a dura realidade da vida, chamado: “O bota fora da última Presidenta do FMI”.

Há céticos que afirmam que minha análise desprezou um dado crucial: a senhora Lagarde não foi intimada a comparecer em um tribunal (norte)americano, mas a um francês, milhares de quilômetros longe de Washington. É verdade. E daí? Tão longe quanto isso está a residência oficial do presidente francês da Casa Branca em Washington, e no entanto duvido que tenhamos exemplo de tempo igual a este, no sentido de obediência canina prestada por Hollande às ordens da Casa Branca.  Se o presidente da orgulhosa República Francesa se comporta deste modo por que esperaríamos comportamento diferente de um mero Tribunal Francês? Claro, o sucesso de determinada peça não depende apenas da peça em si, mas dos atores e diretores em geral, assim como os que garantem a continuidade do espetáculo nos bastidores do teatro. Tudo isso se aplica completamente ao funcionamento do teatro burlesco chamado FMI.


Valentin Katasonov

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