Porque
os EUA jamais vencerão no Afeganistão.
Trump quer uma nova escalada afegã. Isso é uma
ideia terrível – alguém precisa esclarecer ao presidente que ele nunca vencerá
no Afeganistão.
Texto de Douglas
Wissing, tradução de btpsilveira
O Comboio de MRAPs (veículos
especialmente construídos para resistir a minas terrestres caseiras – NT)
se arrasta através da paisagem lunar da província de Helmand no centro do
Afeganistão, epicentro da guerra inútil que os EUA travam há meio século para reconstruir
o Afeganistão à sua própria imagem. Gerações de pensadores e soldados
norteamericanos pretendiam transformar essa terra austera em um celeiro e
bastião para os valores democráticos. Em vez disso, criaram a maior plantação
de papoulas para colheita de ópio do mundo e o coração da insurreição Talibã,
cada vez mais próspera.
A partir de 2009, 20.000 tropas dos Estados Unidos travaram uma luta
sangrenta de batalhas inconclusivas em Helmand até a retirada em 2014. Durante
essa retirada, eu e uma equipe de soldados saímos amontoados dentro de um MRAP,
sacolejando através de trilhas esburacadas, enquanto nas margens os homens
Pashtuns olhavam carrancudos. Eles claramente estavam desprezando os esforços
dos norteamericanos. O motorista subitamente apontou – “IEDs!” (IED – minas terrestres caseiras, altamente
letais – NT) desviando violentamente para a direita, enquanto conseguia
usar “porra!” como verbo, advérbio, adjetivo e nome, tudo ao mesmo tempo e na
mesma frase. Os homens da tribo, ainda contidos, estavam só esperando a sua
vez.
A insurgência Talibã cresce a uma taxa anual de dois dígitos desde 2005.
O Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR – sigla em inglês – NT) que os
incidentes de segurança continuaram a acontecer durante o ano de 2016 seguiram
crescendo no primeiro quarto do ano de 2017 e alcançaram seu nível mais alto
desde 2007. Hoje, os insurgentes controlam cerca de metade do país. Governos
Talibãs encobertos operam virtualmente em todas as províncias e controlam
várias delas, inclusive Helmand. Os insurgentes pressionam centros
governamentais através do país, até mesmo cercando Cabul, onde um homem bomba
explodiu ao lado de um comboio militar norteamericano praticamente às portas da
embaixada dos Estados Unidos nesta semana.
O Afeganistão atual continua sendo o maior esforço de Guerra dos EUA. De
um ápice de cerca de 100.000 tropas no terreno durante a era de escalada de
Obama, atualmente ainda permanecem no país cerca de 10.000 tropas dos Estados
Unidos no Afeganistão, além de mais 26.000 contratados regiamente pagos do
Departamento de Defesa e outras agências. Cada soldado dos EUA naquele país
representa uma despesa de um milhão de dólares por ano. Economistas calculam
que a guerra afegã já custou aos contribuintes norteamericanos cerca de um
trilhão de dólares. Apenas em 2017 serão gastos 50 bilhões de dólares nas
operações do exército e Departamento de Estado no país, custo de quase um
bilhão de dólares por semana (como referência, mencione-se que o orçamento
inicial anual dos EUA para as operações contra o Estado Islâmico na Síria é de
“apenas” 5 bilhões de dólares).
Agora, o exército dos Estados Unidos quer nova escalada no Afeganistão.
Os Marines estão de volta a Helmand. Em abril, o Pentágono pediu “mais alguns
milhares” de tropas, até agora, 5.000. As apostas estão também se tornando
maiores. Em 15 de abril, as forças norteamericanas despejaram uma bomba de
11.000 quilos denominada MOAB, a maior bomba não nuclear do arsenal
norteamericano supostamente contra lutadores do Estado Islâmico no leste do
Afeganistão. É a Escalada 2.0.
Enquanto o Pentágono exige mais tropas e despeja mais e maiores bombas,
é importante que se pare e faça uma avaliação dos perigos de uma nova escalada.
E que se considere se outra escalada pode causar uma reviravolta em uma guerra
impossível de vencer. A escalada 2.0 é consequente, relevante, sustentável? Ou
será apenas mais um capítulo inútil em uma guerra que não será vencida?
***
A aposta em mais guerra encara uma realidade terrível. Depois de mais de
15 nos de guerra e “construção da nação”, o paradoxal Governo de Unidade
Nacional afegão é um caso de disfunção que merece ser estudado. Asfixiado por
uma enorme indústria ilegal de ópio, o governo afegão está entre os mais
corruptos do mundo; 9º no índice de fragilidade estatal, que estabelece quais
estados são mais vulneráveis a conflitos ou colapso. O índice de Estado de Direito
do Projeto Mundial para a Justiça classificou o Afeganistão como o 111º pior
entre 113 países pesquisados. As forças de segurança do Afeganistão, mal
comandadas e profundamente infiltradas, estão perdendo a guerra.
Mesmo tendo os Estados Unidos inundado o país com mais de 117 bilhões de
dólares para o desenvolvimento desde 2002, os afegãos permanecem nos últimos lugares
em todos os índices de desenvolvimento humano da ONU: mortalidade infantil,
expectativa de vida, ingestão de calorias, receita per capita, alfabetização,
uso de eletricidade, etc. Cada vez mais alienados, os afegãos sabem que estão
sendo vítimas de uma espécie de “ajuda fantasma” que é desperdiçada tanto entre
os doadores quanto entre os que a recebem. Um cartaz de propaganda da USAID em
Cabul proclamando os direitos das mulheres em inglês e dari, inadvertidamente
ilustra o fracasso: depois de mais de uma década e de bilhões de dólares gasto
em programas de ajuda mal administrados, apenas cerca de 10% das mulheres
afegãs conseguem ler o cartaz.
Um diretor de museu afegão me disse: “acredito em nosso governo, mas não
em nossos líderes. São uma máfia, todos eles. E sinto muito, mas muito mesmo em
dizer, mas foi o seu país que fez isso. Máfia”.
Este é o custo humano de expandir ainda mais a Guerra no Afeganistão.
Dezenas de milhares de combatentes afegãos perderam a vida em 2016. Apanhados entre
o fogo cruzado e nos bombardeios, os civis afegãos estão morrendo em número
cada vez maior. As Nações Unidas relatam que em 2016 houve 12.000 mortes de
civis causadas pela guerra, entre eles 923 crianças mortas e 2.589 feridas. Em
2016, 600.000 afegãos foram expulsos de suas localidades pelo conflito,
engrossando a crise dos refugiados. Muitos afegãos culpam a presença de tropas
estrangeiras pela situação, reforçando o apoio popular para os insurgentes.
As guerras intermináveis dos Estados Unidos estão devastando nossos
irmãos e filhos militares, muitos dos quais convocados múltiplas vezes. O setor
administrativo para os veteranos está sobrecarregado com os veteranos feridos e
incapacitados do pós 11/09: mais de 1.600 amputados pelas guerras; 327.000
veteranos apresentam doenças mentais traumáticas; 700.000 veteranos estão
incapacitados em taxas de 30% ou mais. O estresse pós traumático está em ascensão.
Mulheres veteranas têm uma taxa de suicídio entre duas e vinco vezes mais alta
que as mulheres civis.
Os soldados dos EUA no Afeganistão estão cada vez mais frustrados com
uma missão miserável em um país ignorante com feudos tribais e guerras por
ópio. Em Desesperançado mas Otimista, meu
segundo livro sobre o conflito afegão, conto caso após caso de soldados
norteamericanos perdidos em missões sem uma estratégia abrangente; sem um final
à vista; apenas uma guerra interminável que ceifa vidas aos montes. Um sargento
grisalho me disse: “se você perguntar a qualquer desses soldados da infantaria,
eles com certeza vão responder que querem mesmo é sair daqui. Este é um lugar
terrível. Que diabos estamos fazendo aqui?”
Resta ainda a questão das prioridades fiscais de uma administração cujo
slogan pretende ser “Estados Unidos primeiro”. Mais tropas requerem mais
gastos. Perder mais sangue e dinheiro norteamericano no Afeganistão drena
recursos de outros assuntos vitais para os EUA, entre eles a Coreia do Norte,
Estado Islâmico na Síria e ameaças cibernéticas.
Os soldados com quem entrei em contato no Afeganistão estão consternados
com os bilhões de dólares sendo desperdiçados| em projetos inúteis, enquanto
suas famílias sofrem nos EUA. Encontrei muitos oficiais desesperados para
conciliar seu senso de dever com a observação da ajuda extravagante dos Estados
Unidos para o governo afegão predatório. Ouvi histórias de oficiais deixando o
serviço e procurando ajuda psicológica para resolver essa dissonância
cognitiva.
Um comandante me disse: “o exército dos Estados Unidos, o Departamento
de Estado e o USDA (Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos – NT) além de outras agências com certeza
deram a este país a possibilidade de formarem um governo, um exército, um
departamento de polícia e providenciar algum tipo de governança para a
população”. Ele concluiu que já era o suficiente: “Agora é com eles. Afinal, é
o país deles e eles é que têm que decidir como querem governá-lo.”
***
Há um truísmo de que os generais sempre lutam a última guerra. Acontece
que no Afeganistão a última guerra é sempre a mesma. Parece que a escalação dos
generais tem o mesmo padrão comprovadamente fracassado do caminho da guerra
eterna do século 21, com seus perversos incentivos governamentais e
corporativos para continuar a lutar para sempre. Exército, inteligência e o
desenvolvimento das corporações precisam de contratos. Funcionários estatais
eleitos precisam das contribuições de campanha dos lobistas dessas corporações.
Além disso, há desafios ainda maiores para continuar a guerra. Quando os
porta vozes do Pentágono pedem mais tropas, deixam de explicar como mais alguns
milhares de soldados poderiam vencer uma guerra que 100.000 não conseguiram –
especialmente com o crescimento exponencial dos ataques verde azulados (menção aos ataques feitos por tropas ou do próprio
exército afegão ou de elementos disfarçados com uniformes comprados no mercado
negro, visto que verde/azul são as cores dos uniformes do exército do país –
NT) feitos pelas desmoralizadas e infiltradas forças de segurança afegãs. Para
resolver esses problemas táticos de curto prazo, coisas como a MOAB e outros
bombardeios cada vez mais frequentes se revelam inúteis. Na realidade, o
crescimento dos bombardeios podem ter o efeito não desejado de distanciar o
mundo muçulmano cada vez mais dos EUA, bem como inflamar ainda mais a insurgência.
Mesmo coisas básicas como o suprimento logístico são perigosas.
Encaixada entre uma vizinhança realmente terrível, o Afeganistão é o pesadelo
de qualquer intendente. Suprimentos, entre eles um galão de combustível a $600
dólares e jantares com frutos do mar que as tropas desejam, tem que passar pelo
Paquistão, enfrentando a relação esquisita de amizade/ódio do país com os EUA,
ou através de rotas mais ao norte, controladas por regimes que exigem
recompensas extorsivas.
A administração Trump ainda está para formular uma estratégia para o
Afeganistão. Depois do fracasso bem documentado da “construção da nação” no
Afeganistão (e Iraque), a contra insurgência agora é uma doutrina
desacreditada. O “contra terrorismo light” como as atuais operações são às
vezes chamadas são menos uma estratégia que um amontoado de táticas de
resultados desconhecidos.
Depois de 15 anos de uma Guerra com parceiros duvidosos e estratégias
cada vez mais ilusórias, mais do mesmo Não levará a resultado diferente. A insurgência
continua a crescer em força e domínio de território; através de anos de pressão
do exército dos EUA; através de anos da estratégia de ataque contínuo da era
Obama, quando da escalada 1.0 com 100.000 soldados e bilhões de dólares de
ajuda para a “construção da nação”; e em anos recentes, com a poderosa campanha
de contra terrorismo inundada com bilhões de dólares de equipamentos, suprimentos
e treinamento das forças de segurança afegãs.
Nada funcionou. Lutar contra a insurgência afegã que tem apoio da
população parece enxugamento de gelo. Como afirmou o General Stanley
McChrystal, “você pode matar Talibãs para sempre, porque eles não se contam por
números finitos”. Para os insurgentes, é uma guerra barata, lutada por soldados
que custam alguns dólares por dia, usam velhas armas soviéticas e bombas caseiras
feitas com fertilizante, lutando em casa, em montanhas íngremes e desertos escaldantes.
Além disso, os insurgentes são muito pacientes. Como dizem há longo
tempo os comandantes insurgentes a seus combatentes: “os norteamericanos os são
donos do relógio, mas nós somos donos do tempo”.
Mesmo que não exista alguém dentro dos círculos do poder em Washington
que esteja disposto a admitir, não há nada que os EUA possam fazer para evitar
o curso inexorável dos acontecimentos. Trata-se de colocar dinheiro bom em cima
de uma causa ruim; depois da devastação que já aconteceu, mais vidas serão
roubadas. Está passando da hora de aceitar o óbvio: não é possível vencer a
guerra no Afeganistão. Está na hora dos Estados Unidos retirarem suas tropas, e
deixar que os afegãos cuidem de seus próprios problemas.
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