Beirute, arena de guerra: colônia ocidental ou retorno ao oriente?
Beirute, Arena de Guerra: colônia ocidental
ou retorno ao oriente?
“Paralelamente, uma poderosa comunidade brasileira,
os Cristãos Maronitas, estão mandando dinheiro para os manifestantes da
revolução colorida. O ex-presidente Michel Temer e o magnata da indústria Paulo
Skaf estão voando para Beirute.”
Texto de Pepe Escobar – republicado pelo site The Saker a partir do jornal Asia Times – tradução: btpsilveira
Assim como os 0,001% instrumentalizaram a Covid-19 para engendrar o Grande Recomeço (Great Reset), os suspeitos de sempre já estão instrumentalizando a tragédia de Beirute para manter o Líbano escravizado.
O atual governo libanês liderado pelo
Primeiro Ministro Diab já renunciou, ao encarar os protestos, tão oportunos,
típicos de tantas revoluções coloridas. Mesmo antes da tragédia no porto
acontecer, Beirute havia solicitado uma linha de crédito de $10 bilhões de
dólares ao FMI – negado, já que as “reformas”, marca registrada do consenso
neoliberal de Washington, não foram implementadas: cortes radicais à custa da
população, desemprego em massa, privatização generalizada.
Depois da tragédia, o presidente
Emmanuel Macron – que sequer foi capaz de estabelecer um diálogo com os camisas
amarelas/gilets jaunes na França, surgiu sassaricando em modo neocolonial para
posar de “salvador” do Líbano, desde que as tais “reformas” fossem impostas,
claro.
Sábado, a França e a ONU organizaram
uma videoconferência para coordenar uma rodada de doações – junto com a
Comissão Europeia (CE), o FMI e o Banco Mundial. O resultado não foi lá tão
brilhante – míseros 252 milhões de euros foram oferecidos – e novamente
condicionados às “reformas institucionais”.
A França ofereceu 30 milhões de
euros, o Qatar 50 e a Comissão Europeia 68 milhões. De maneira crucial, nem a Rússia nem o Irã estavam entre os doadores. Os EUA – que impuseram sanções
duras contra o Líbano – e seus aliados do Conselho de Cooperação do Golfo,
Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos não doaram. A China esteve presente
apenas pro forma.
Paralelamente, uma poderosa
comunidade brasileira, os Cristãos Maronitas, estão mandando dinheiro para os manifestantes
da revolução colorida. O ex-presidente Michel Temer e o magnata da indústria
Paulo Skaf estão voando para Beirute. O antigo presidente do Líbano, Amin
Gemayel (1982-1988), tem inúmeros negócios no Brasil a partir de fundos que
desviou quando no poder. Tudo indica que o neoliberalismo, quando se trata de
manter o poder no Líbano, não faz prisioneiros.
O modelo Hariri
A explosão no porto agravou a já profunda
crise do Líbano, mas nada tem a ver com a Covid-19 ou com a guerra por
procuração dos EUA na Síria – que despejou um milhão de refugiados no país.
Trata-se da proverbial tática neoliberal de shock and awe (choque e
pavor – nt), conduzida em tempo integral pelo clã Hariri: o antigo primeiro
ministro Rafiq, assassinado em 2011 e Saad, expulso do poder em janeiro.
O modelo Hariri privilegiava a
especulação imobiliária e a financeirização. O grupo Solidere, controlado por
investidores árabes junto com alguns libaneses, entre eles Hariri, destruiu o
centro histórico de Beirute, substituindo-o por imóveis luxuosos. É o modelo
rentista neoliberal clássico que beneficia sempre uma pequena elite.
Ao mesmo tempo, o Banco do Líbano
estava atraindo fundos da pequena diáspora libanesa e investidores árabes
variados ao praticar taxas de juros bem interessantes. De repente, o Líbano
tinha uma moeda artificialmente forte.
Uma espécie de pequena classe média
floresceu durante os anos 2000, compreendendo comerciantes de importação e
exportação, o setor de turismo e operadores do mercado financeiro. Mas ainda
assim, a desigualdade era o nome do jogo. De acordo com os dados da organização
World Inequality Database, metade da população Libanesa possuía menos
riqueza que os 0,1% no topo.
Finalmente, a bolha estourou em
setembro de 2019, quando por acaso eu estava em Beirute. Sem dólares
circulando, a libra Libanesa começou a desabar no mercado negro. O Banco do
Líbano enlouqueceu. Quando a bagunça administrativa tocada por Hariri impôs a
“taxa whatsapp” sobre as chamadas em outubro, desencadeou protestos massivos. O
capital fugiu em voo livre e a moeda colapsou de vez.
Quem mergulhou o Líbano em uma crise
sistêmica foi em princípio a lógica neoliberal e não há qualquer evidência de
que o FMI, o Banco Mundial e “doadores” ocidentais/árabes variados irão liberar
o Líbano, agora devastado.
Uma solução possível seria fugir da
financeirização e focar em investimentos produtivos, voltados para as
necessidades urgentes da população atingida pela austeridade e totalmente
empobrecida.
Ocorre que Macron, o FMI e seus
“parceiros” só estão interessados em manter a estabilidade monetária; atrair
capital especulativo estrangeiro; assegurar que a oligarquia libanesa rapace
conectada ao ocidente escape viva e acima de tudo comprar nacos dos ativos
libaneses por ninharias.
Ou Iniciativa Cinturão e Estrada ou
decadência.
Em flagrante contraste com a
perpetuação exploradora do modelo neoliberal ocidental, a China está oferecendo
ao Líbano a chance de partir para o Leste, para ser parte da Nova Rota da Seda.
Em 2017, o Líbano assinou compromisso
de se juntar à Iniciativa Cintura e Estrada (BRI, na sigla em inglês – nt).
A seguir, em 2018, o Líbano tornou-se
o 87º membro do Banco de Investimento em Infraestrutura da Ásia (AIIB).
Ao oferecer contas bancárias em Yuan
e fazer crescer o comércio bilateral na moeda chinesa, o Líbano, nos últimos
anos, passou a fazer parte da internacionalização do Yuan.
Pequim já discute a modernização da
infraestrutura libanesa – incluindo a expansão do aeroporto de Beirute.
Isso significa que no momento, Pequim
está em posição de oferecer um acordo conjunto de segurança/reconstrução
totalmente novo para o porto de Beirute – na hora em que estava quase fechando
um acordo de proporção menor com o governo de Diab, ligado apenas à expansão e
renovação.
Resumindo, a China tem um plano “A”
real para tirar resgatar o Líbano do atual beco sem saída financeiro.
É exatamente isso o que era, e continua
sendo, total anátema para os interesses dos Estados Unidos, OTAN e Israel.
A administração Trump não respeitou
barreiras para impedir que Israel tivesse o porto de Haifa desenvolvido pela
China.
As mesmas táticas “uma oferta que
você não pode recusar” serão aplicadas com força total sobre quem quer que seja
que ocupe o novo governo no Líbano.
Beirute é centro absolutamente
crucial na conectividade geopolítica/geoeconômica na Inciativa Cinturão e
Estrada do Mediterrâneo Oriental. Como Haifa temporariamente está fora de
alcance, Beirute cresceu em importância como um portal de entrada para a União
Europeia, complementando o papel do Pireu e dos portos italianos no Mar
Adriático.
É importante tomar nota que o porto
em si não foi destruído. A enorme cratera no local representa apenas uma seção
do cais. Os edifícios destruídos podem ser reconstruídos em tempo recorde. A
reconstrução do porto foi estimada em $15 bilhões de dólares – dinheiro de
trocado para uma companhia experiente como a China Harbour.
Por enquanto, o tráfico naval está
sendo redirecionado para o porto de Trípoli, a 80 quilômetros ao norte de
Beirute e apenas 30 quilômetros de distância da fronteira entre Síria e Líbano.
Seu diretor, Ahmed Tamer, confirma que “o porto testemunhou nos últimos anos o
trabalho de expansão das companhias chinesas, e recebeu navios de grande porte
da China, levando containers em grande número”.
Acrescente-se que o porto de Trípoli
também será essencial para a reconstrução da Síria – à qual a China está
totalmente comprometida.
A rede de conectividade da Iniciativa
Cinturão e Estrada do Sudoeste Asiático é um labirinto que inclui Irã, Iraque,
Síria e Líbano.
A China já planeja investir em
rodovias e ferrovias, as últimas desenvolver-se-ão depois em ferrovias de alta
velocidade. Será a conexão do corredor central China/Irã da Iniciativa Cinturão
e Estrada – que logo receberá o reforço dos $400 bilhões de dólares da parceria
estratégica de 25 anos que será em breve assinado pelos dois países – com o
Mediterrâneo oriental.
Há que se acrescentar o papel
representado pelo porto de Tartus na Síria – com presença naval russa muito
forte. Inevitavelmente, Pequim investirá na expansão de Tartus – crucialmente
ligado ao Líbano por auto estrada. A parceria estratégica China/Rússia será
amparada pela rede protetora de Tartus com os sistemas de mísseis S-300 e
S-400.
Em termos históricos, o que se
desenvolveu lentamente nesta parte Eurásia, uma faixa larga que ia de
Samarqanda a Córdoba, com centros importantes como Bagdá e Damasco, foi uma
civilização sincrética superposta sobre contexto regional, rural e nômade. A
coesão interna do mundo muçulmano forjou-se a partir do século 7º até o século
11: foram estes os fatores principais que delinearam uma Eurásia coerente.
Um dos fatores essenciais de
unificação, abstraindo-se o Islã – foi o árabe, a língua da religião,
administração, comércio e cultura. Esse mundo muçulmano em evolução foi
configurado como um enorme domínio econômico e cultural, cujas raízes conectaram
o pensamento Grego, Semítico, Persa, Indiano e Árabe. Síntese maravilhosa que
formou uma civilização única a partir de elementos de origem diferente – Persa,
Mesopotâmica e Bizantina.
Dessa síntese, evidentemente faziam
parte o Oriente Médio e o Mediterrâneo oriental, francamente abertos para o
Oceano Índico, as rotas do Cáspio, Ásia Central e China.
Neste momento, séculos depois, o Líbano só terá a ganhar se abandonar a
mitologia da “Paris do Oriente” e olhar verdadeiramente para Leste – mais uma vez,
posicionando-se do lado certo da história.
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