Ataque turco na Síria:
quem perde e quem ganha?
Part II – Por Elijah J. Magnier – tradução: btpsilveira
Só depois de coordenar com os
Estados Unidos a definição da linha
vermelha da invasão, as forças turcas
entraram no nordeste da Síria. Além
disso, Rússia e Estados Unidos bloquearam em conjunto uma resolução elaborada pela ONU para que a Turquia interrompesse
o avanço de suas tropas. A Turquia se opôs a que os Estados Unidos armassem,
treinassem e dessem um Estado independente para os curdos sírios e ao mesmo
tempo continuassem a ter a Turquia como aliada. O presidente Donald Trump ficou
sem opções, a não ser aceitar a posição imposta pela Turquia em relação aos
separatistas curdos. Quanto a Rússia, esta considerou que seria mais fácil
lidar com os turcos no nordeste da Síria que com as forças (norte)americanas e
que valia a pena apoiar a operação do presidente turco, provocando assim a
desilusão dos curdos com seus mentores dos EUA. Assim, quais os vencedores e
quais os perdedores entre tais atores?
Desde o início da desastrosa guerra da Síria, Ancara tem
desempenhado um papel mais que desastroso, permitindo que jihadistas vindos do
mundo inteiro afluíssem para dentro da Síria. A posição turca estava então em
harmonia com as diretrizes dos EUA/UE, que apontavam para uma mudança forçada de regime ou para um Estado
falido que assim permitisse a cada ator morder um pedaço do país, deixando o
resto em caos total. Por outro lado, a Turquia apoiou os jihadistas no ataque e
conquista da cidade de Idlib a partir das fronteiras turcas. O mesmo foi feito
quando os jihadistas atacaram Kesab e a conquistaram, ameaçando dessa forma
toda a província de Latakia.
No entanto, o presidente Erdogan retirou seus apaniguados de
Aleppo, permitindo que o exército sírio libertasse a cidade no norte do país
com poucas perdas. Também teve papel efetivo na queda de Al-Ghouta, no subúrbio
de Damasco, beneficiando o exército da Síria.
O presidente
Erdogan também direcionou suas forças militares para Jarablus no NES e, dois
anos depois, ocupou Afrin, prejudicando de morte os sonhos curdos de um Estado
que se chamaria “Rojava”. Sua invasão do NES provocou o fim do Curdistão Norte
e, de forma indireta, forçou as forças (norte)americanas para fora da região,
com a exceção de um pequeno “posto de observação” em al-Tanaf (Al Tanf).
Hoje, o
presidente turco é parte essencial do processo de paz de Astana, devido ao controle que
exerce sobre cerca de 10% do território da Síria, somado à influência sobre
militantes jihadistas no país. Também conseguiu jogar bem suas cartas para
criar um equilíbrio entre Rússia e Estados Unidos, comprando armas das duas
potências, apesar da desaprovação da administração (norte)americana.
Mesmo não conseguindo entregar sua promessa de paralisar e
desmantelar os grupos jihadistas em Idlib, permitiu uma expedição militar
contra eles quando os jihadistas se recusaram a parar de disparar drones
armados contra a base militar russa em Hmeimim.
Atualmente, o presidente Erdogan está negociando um novo quadro
constitucional em Astana, retém Idlib e visa (espera) controlar quase 14.000
km² (440x32) do NES. Seu país hospeda 3,6 milhões de refugiados e espera poder
recolocar alguns milhões na Síria. Precisa também deixar seus apaniguados
sírios satisfeitos, já que eles o acusarão de traição caso ele não consiga
entregar ao menos o mínimo de seus objetivos: reintegração ao sistema sírio sem
perseguição posterior por seus atos e que uma mudança constitucional seja
aprovada.
Embora o
presidente Erdogan estivesse profundamente integrado no campo EUA/OTAN no
início da guerra síria, chegando mesmo a derrubar um jato russo em novembro de
2015, acabou conseguindo chegar a bom termo de equilíbrio com Moscou. Está se
tornando um parceiro estratégico da Rússia, não só pela compra do sistema
defensivo S-400 como também ao fazer parte do gasoduto Turkish Stream,
patrocinado pela empresa russa Gazprom, o qual se espera que venha a suprir a
Europa com gás russo. Finalmente, está ameaçando deixar a OTAN – para alegria
da Rússia – se os Estados Unidos impuserem sanções contra a Turquia ou
personalidades do país.
A guerra
da Síria ainda não acabou. O papel do presidente Erdogan ainda está para
ocorrer, em sua última fase. Será que a presença turca no nordeste da Síria
será tão longa quanto a ocupação do nordeste cipriota? Caso seja, haverá inevitavelmente
um confronto militar com Damasco no longo prazo, acumulado com a desaprovação
de seus aliados russos e iranianos.
As tribos curdas e as tribos árabes leais a Damasco não vão
ficar sentados esperando a banda passar ante uma longa ocupação turca. Sem
dúvida acontecerão distúrbios no relacionamento entre os aliados, que
necessitam desenvolver relações comerciais e de negócios, em um momento em que
os Estados Unidos estão lutando por sua hegemonia e impondo sanções a torto e a
direito contra muitos países. Tudo vai depender da movimentação turca no
Levante. A Turquia terá que escolher o que acontecerá a seguir: com quem
desenvolverá parcerias ou inimizades?
Nota do tradutor. Este artigo é o segundo de uma série de
três. A seguir, assim que possível, publicaremos a terceira parte.
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