Comércio Mundial: 2015 manda um sinal de alerta
Valentin Katasonov ●●●●● tradução
de btpsilveira
O final de fevereiro viu um dos primeiros anúncios
oficiosos do comércio mundial em 2015, preparado pelo Netherlands Bureau for
Economic Policy Analysis (Haia). A análise é chocante: em 2015 o comércio
internacional caiu pela primeira vez desde 2009. E não se trata de queda medida
em frações de percentagens, mas em 13,8 por cento (refere-se a valores medidos
em dólares dos EUA). Leve-se em consideração e em acréscimo que, de acordo com
as estimativas do FMI, o PIB global cresceu 3,1 por cento no mesmo ano de 2015.
Por quase uma década antes da crise de 2007/2009, o
comércio internacional teve taxas de crescimento que foram, em média, o dobro
da taxa de crescimento do PIB mundial. Depois da crise, as taxas de crescimento
da economia mundial e do comércio mundial começaram a convergir, e a seguir, o
comércio começou a perder terreno até ficar para trás do crescimento econômico
mundial.
Teríamos aqui um sinal de que a era de globalização
econômico estaria chegando ao fim. A combinação de crescimento moderadamente positivo
do PIB e a claramente negativa taxa de crescimento do comércio mundial que
emergiu em 2015 mostra claramente o risco de que o crescimento do PIB mundial
em 2016 possa vir a ser negativo, do que se infere que a economia global estará
em colapso.
Há várias e diferentes explicações pelas quais o
comércio mundial experimentou um declínio tão acentuado no último ano. Em
primeiro lugar, foi causado pelas fortes quedas no preço do petróleo, que é
responsável por grande parte da contabilização da comercialização de
mercadorias. Não se pode esquecer também a desvalorização das moedas nacionais
frente ao dólar, moeda na qual a soma do comércio mundial é medida. De acordo
com algumas estimativas, o crescimento do volume físico do comércio mundial
permaneceu positivo no último ano (2,5 por cento) No entanto, esse tipo de
crescimento meramente físico tem vida curta e desaparece rapidamente. Em 2015,
muitos países continuam com o fornecimento de bens que tiveram severa redução
de preços, apenas para manter suas posições no mercado, mas exportar com taxa
zero de retorno financeiro não pode continuar por muito tempo.
Em 2016, o preço do petróleo e de outras
commodities deverá permanecer baixo. Também deverá continuar o que se chama de
guerra de moedas, ou guerra cambial, quer dizer, os exportadores deverão manter
deliberadamente baixas as taxas de câmbio de suas moedas contra o dólar (norte)americano.
Tentativas de compensar uma perda de receitas nas exportações para o estrangeiro
através do crescimento físico destas exportações fará com que sejam
continuamente sangradas as economias nacionais. Penso que o comércio mundial
entrará no vermelho em 2016, não apenas em termos de valor, mas também em
termos de quantidade física.
Quando se
fala das previsões relacionadas ao crescimento da economia mundial para 2016,
creio que há um otimismo exagerado. No início deste ano, o FMI previa um
crescimento do PIB mundial para o ano em cerca de 3,6 por cento, em contraste
com a OCDE, que estimava valor levemente menor, de 3,3 por cento. Apenas
algumas semanas depois, ambas as organizações reviram suas estimativas para o
ano em curso, para baixo, respectivamente 3,4 e 3,0 por cento. Acredito que
muitas dessas previsões não resistirão à realidade dos fatos durante o ano,
sendo constantemente revistas, sempre para baixo. As tentativos de previsão do
FMI, da OCDE, do BIRD e outras organizações mundiais não passam de tentativas
de insuflar expectativas tão otimistas quanto possível.
Os Estados Unidos e a China respondem pela maior
parte do comércio mundial. A China ultrapassou os Estados Unidos em 2014, tornando-se
a primeira do mundo em termos de volume de negócios. Estimativas preliminares
sugerem que as exportações dos Estados Unidos caíram 6,3 por cento em 2015. O
valor do comércio chinês em Yuan caiu 7 por cento e em dólares
(norte)americanos, em 8 por cento.
No dia 01 de março, a agência oficial chinesa, Xinhua, divulgou a informação de que o
plano de desenvolvimento social e econômico chinês para o ano de 2015 teria
sido concluído com sucesso, pelo menos de acordo com 24 entre os 25 principais
indicadores. O único indicador chave não fornecido foi exatamente o do comércio
exterior da China. O PIB da China, como se sabe, cresceu 6,9 por cento em 2015.
No entanto, este é o índice mais modesto nos últimos 25 anos. Conclui-se que
existe então a mesma assimetria na China, que se observa no resto do mundo em
termos de economia global: um relativamente modesto aumento do PIB, acompanhado
de um crescimento negativo no comércio exterior. Trata-se de sinal da mais alta
gravidade para os líderes do Império do Meio, os quais, por várias décadas
aplicaram uma política de adaptação de sua economia aos mercados externos.
Mesmo levando em conta a queda nos volumes do
comércio internacional no último ano, este ainda desempenha papel de destaque
na economia chinesa. Embora dentro de um declínio geral nos valores comerciais
a China ainda foi capaz de conquistar um comércio recorde de 3,69 trilhões de
Yuans (560 bilhões de dólares [norte]americanos). No entanto, é improvável que
os parceiros comerciais do país mantenham a tolerância com uma taxa assim tão
desigual no comércio, em favor da China. Temos a certeza de que veremos um uso
mais intensivo de legislações antidumping contra os bens comercializados pelos
chineses no mercado europeu (o que é permitido pelas regras da OMC em relação
aos países que ainda não tem status de “economia de mercado”, ainda não
concedido à China). Também podemos esperar um endurecimento na guerra cambial
contra o Yuan, estabelecimento de barreiras comerciais não tarifárias, etc. Por
sua vez, a China não é capaz de usar ferramentas comerciais tão agressivamente
quanto outros países. Apesar de ter manobrado com sucesso para incluir o Yuan
em uma cesta de moedas de reserva, estas não devem ser envolvidas em guerras cambiais.
Em fevereiro deste ano, nas vésperas do encontro do G20 em Xangai, o presidente
do Banco do Povo da China declarou solenemente que o Banco Central Chinês tem
fundos o bastante para manter estável a taxa de câmbio do Yuan.
Entretanto, outros países não estão particularmente
sobrecarregados com esse tipo de compromissos. No ano passado, o Brasil reduziu
a taxa de câmbio frente ao dólar em 40% e aumentou suas exportações de forma
significativa (em termos físicos) para a Ásia. A China está preocupada com o
fato de que o balanço comercial entre Brasil e China deverá se inclinar
consideravelmente a favor daquele. No entanto, interessantemente, apesar do
forte aumento das exportações Brasileiras para a China, o comércio entre os
dois países também caiu em 2015. Curiosamente, o comércio entre a China e
outros países do grupo BRICS também caiu. Em particular, o comércio entre China
e Rússia desabou quase 30 por cento, de acordo com estimativas preliminares.
Vários especialistas acreditam que é justamente a
China o elo mais fraco da corrente do comércio mundial. Dados levados ao
conhecimento sobre o comércio exterior chinês em janeiro de 2016, foram bem
piores que o previsto pelos analistas. As exportações chinesas caem
continuamente há sete meses e as importações há 15.
A redução do comércio mundial não é só um indicador
das mudanças desfavoráveis que vemos na economia, como também, é um sintoma da
piora da situação internacional. O mundo experimentou o início da globalização
econômica entre o final do século 19 e início do século 20. O desenvolvimento
exacerbado do capitalismo internacional chegou a um impasse e os monopólios
viram a necessidade de reestruturar a economia mundial, usando basicamente o
poderio militar. Foi este modo o encontrado para a reestruturação que velou à
Primeira Guerra Mundial. Posteriormente, na década de 1920, houve um boom no
comércio internacional, o qual, por sua vez, acabou desaguando no colapso da
Bolsa de Valores de Nova Iorque em outubro de 1929. Por toda uma década o mundo
capitalista mergulhou em uma crise econômica, origem da estagnação no comércio
mundial da época, que se reduziu fortemente. O poder real que dominava o
ocidente resolveu superar essa recessão prolongada na internacionalização do
capitalismo preparando o posteriormente deflagrando a Segunda Guerra Mundial. Hoje, testemunhamos cenário muito parecido.
Os conflitos por todo o Oriente Médio,
especialmente na Síria, a escalada das tensões promovidas pela OTAN ao longo
das fronteiras russas, a engenharia das disputas territoriais entre a China e
seus vizinhos, tudo já parece fazer parte da dolorosa resposta ocidental para o
fim da globalização econômica e a redução no comércio mundial, já em andamento.
Publicado originalmente em: http://www.strategic-culture.org/news/2016/03/04/world-trade-the-warning-signs-of-2015.html
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