por Pepe Escobar ●●●●● tradução por btpsilveira
Março de 2016 – "Information
Clearing House" - "RT" – Deixem-me começar examinando um pouco do exercício da política
clássica russa. O Ministro da Economia Anton Siluanov está elaborando a
estratégia econômica russa para 2016, incluindo-se o orçamento federal.
Siluanov, ele mesmo um liberal na essência, portanto favorável ao investimento
estrangeiro – deverá apresentar suas propostas ao Kremlin lá pelo final deste
mês.
Até aqui, nada de extraordinário. Mas
em seguida, dias após, o jornal Kommersant
deixou vazar que o Conselho de Segurança da Rússia pediu ao assessor
presidencial Sergei Glaziev para que apresentasse plano econômico estratégico
em separado, para ser apresentado ao Conselho esta semana. Não que isso seja
assim novidade tão grande, já que o Conselho de Segurança da Rússia no passado
já pedira pareceres de grupos de análise para avaliação econômica.
O Conselho de Segurança é liderado por
Nikolai Patrushev, antigo presidente do Serviço Federal de Segurança. Ele e
Siluanov não pensam exatamente no mesmo comprimento de onda.
Sergei Glaziev |
É aqui que a porca torce o rabo. Glaziev,
um russo nacionalista, é um economista brilhante – aprovado pessoalmente até
nos Estados Unidos.
Glaziev provavelmente será duro e
direto. Ele trabalha para que a companhias russas sejam impedidas de usar moeda
estrangeira (o que faz todo o senso); taxar a conversão de rublos em moeda
estrangeira (da mesma forma); proibir empréstimos estrangeiros para companhias
russas (a não ser que o empréstimo não seja em dólar ou euro); e finalmente, o
trunfo definitivo – a exigência de que as companhias russas que tenham débitos
em moeda estrangeiras sejam declaradas em mora.
Previsivelmente, alguns setores da “tinketankelândia” dos Estados Unidos
entrou em surto psicótico, declarando estridentemente que com certeza “o setor russo de energia não mais será
capaz de encontrar financiamento sem conexões com o ocidente”. Besteira. As
empresas russas podem facilmente encontrar financiamento a partir de fontes da
China, Japão ou Coréia do Sul.
Seja qual
for a atenção que Glaziev receba do Kremlin, o episódio significa que Moscou já
não tem ilusões no futuro próximo em relação aos excepcionalistas (para isso,
basta olhar os candidatos presidenciais dos Estados Unidos, de “El
Trumpissimo” a “The Hillarator”); como colocou recentemente o vice
Ministro de Relações Exteriores Sergei Ryabkov, “[nós] devemos esperar um
endurecimento da pressão das sanções”.
Uma coisa no entanto parece ser
absolutamente certa: Moscou não se humilhará para “pacificar” Washington.
Vai um neo-czarismo aí?
Pode-se ser tentado a imaginar que
Glaziev esteja preparando planos para fazer o país retornar a alguma espécie de
czarismo autossuficiente, cortando os laços com o ocidente. Supondo que alguma
versão disso pudesse ser aceita pelo Kremlin, certamente seria um duro golpe do
qual talvez a Europa não conseguisse se recuperar.
Já pensou? E se a Rússia declarar o
calote em todos os seus débitos estrangeiros – mais de $700 bilhões de dólares
– sobre os quais as sanções ocidentais acrescentaram custos adicionais, tornando
sua recuperação punitiva?
O calote viria como retaliação à
manipulação dupla do ocidente, ao preço do petróleo e ataque ao rublo. A
manipulação envolveu a produção extra de cinco milhões de barris de petróleo
por dia de excesso de produção de reserva, detidos pelos suspeitos de sempre,
acrescentada da manipulação do NYMEX (New
York Mercantile Exchange – maior mercado mundial de commodities – NT),
derrubando o preço.
Então, a manipulação do rublo no mercado
de derivativos derrubou a moeda. Quase todas as importações russas foram
virtualmente bloqueadas – embora as exportações de gás natural e de petróleo
tenham permanecido constantes. No longo prazo, portanto, isso pode criar um
significativo excedente comercial para a Rússia, fator extremamente positivo
para o crescimento a longo prazo da indústria doméstica do país.
Vladimir Yakunin, antigo presidente das
ferrovias russas, tendo saído da companhia devido à reorganização promovida,
disse recentemente à AP de forma clara, que o objetivo das sanções patrocinadas
pelos Estados Unidos à cortar os laços econômicos que unem a Rússia e a Europa.
As sanções, acrescentadas da
especulação contra o petróleo e o rublo russo, lançaram a economia russa em
recessão em 2015. Yakunin, como muitos economistas da elite econômica e de
negócios, acha que os problemas econômicos da Rússia se estenderão pelo menos
até 2017.
Na atualidade, os únicos produtos
russos dos quais o ocidente necessita são o petróleo e o gás natural. Um
possível calote russo sobre seus débitos não terá efeito na demanda por esses
produtos no curto prazo; e muito provavelmente também no longo prazo, a menos
que possa contribuir para uma nova crise financeira no ocidente, semelhante aos
acontecimentos de 1998.
Todos nós nos lembramos de agosto de
1998, quando um abalo russo atingiu diretamente o núcleo do sistema financeiro.
Levando em consideração que um colapso russo está sendo objeto de sérias
preocupações pelos maiores poderes em vigor – e que incluem, claro, o FSB, SVR,
GRU – então o fantasma da Mãe de Todas as Crises Financeiras no
Ocidente está de volta. Para a Europa seria simplesmente fatal.
É por sua culpa que não podemos te explorar
É aí que entra o Irã. O levantamento das
sanções contra o Irã – provavelmente ainda para o início de 2016 – na realidade
nada tem a ver com o “dossiê nuclear”. Trata-se do “Grande jogo de xadrez do
Oleogasodustão”, que tem tudo a ver com petróleo e gás natural.
O sonho molhado dos Estados Unidos – e da
União Europeia – permanece sendo a substituição da Rússia pelo Irã em termos de
importação de petróleo e gás natural para a União Europeia. Acontece que como
sabe qualquer analista sério, isso levará pelo menos uma década para se
concretizar, e demandará investimentos da ordem de $200 bilhões de dólares; sem
mencionar que a Gazprom lutará contra com todas as suas forças e formidáveis
armas – comerciais – em seu arsenal.
Ao mesmo tempo, as potências
financeiras no eixo Londres-Nova Iorque não conseguiram prever que Moscou não se
dobraria às suas exigências arrogantes, tentando forçar Putin a entregar de mão
beijada a Ucrânia – para que pudessem colocar suas garras na maior parte das
férteis terras agricultáveis da Ucrânia – o que demonstra que não aprendem com
a história; anteriormente Putin já se recusara a recuar quando o ocidente
pretendia continuar saqueando a Rússia.
A praça Maidan durante o golpe |
Já dá para perceber, portanto, que
todos os episódios lamentáveis em Kiev, bem como a expansão infindável da OTAN,
não passam de uma tentativa de barrar Putin nas suas tentativas de impedir que o
ocidente saqueie a Ucrânia. O que resultará disso é uma verdadeira
mudança geopolítica de tamanho tectônico; a reconfiguração de todo o equilíbrio
de poder na medida em que Rússia de China aprofundam sua parceria estratégica –
baseada na ameaça externa mútua que sofrem, dos Estados Unidos e,
acessoriamente, da União Europeia. A inteligência russa já sabe perfeitamente
que a parceria entre Rússia e China torna ambos os países invulneráveis, mas separados,
podem cair facilmente vítimas da velha e eficiente estratégia de dividir para
reinar.
Da perspectiva de contra ataque para a
ameaça representada pela OTAN, a Rússia teve tempo de sobra para se remilitarizar, com foco em
mísseis ofensivos e defensivos; essas armas são a chave para uma possível
guerra em grande escala, não os porta aviões obsoletos dos EUA. Os mísseis
defensivos da Rússia, tais como o míssil estado-de-arte S-500 e o míssil
ofensivo Topol-M – cada um portando 10 MIRVs – podem facilmente neutralizar
seja lá o que for que os Estados Unidos tenham em estoque.
Depois da Rússia, os “Mestres do
Universo” do mercado financeiro ocidental foram atrás da China, por causa de
sua aliança com a Rússia. Os suspeitos de sempre usaram o setor financeiro para
manipular o mercado de ações chinês, tentando estancar a economia do país
asiático, usando seus títeres em Wall Street a fim de promover a manipulação
dos mecanismos de liquidação financeira que, pela primeira vez, fez subir os
preços das ações “A” da China, criando artificialmente uma bolha gigante. Em
seguida, reverteram as plataformas de liquidação em “cash” para derrubar o
mercado.
Não é de se admirar que Pequim, consciente
do que estava acontecendo, fez uma intervenção maciça; agora, está estudando de
perto as grandes movimentações em dinheiro e ainda mais cuidadosamente, está
revendo e analisando os registros dos maiores operadores de ações na China.
Travar os bancos centrais suspeitos
Já passou da hora da Rússia fazer
alguma coisa em relação ao seu Banco Central.
O Banco Central russo mantém altas as
taxas de juros, o que obriga os setores russos de petróleo e gás natural a buscar
financiamento operacional de fontes ocidentais, e dessa forma, mantendo a
economia russa presa em uma armadilha de dívida constante.
O objetivo desses empréstimos à Rússia
pelo eixo Londres-Nova Iorque é uma espécie de mecanismo de controle. Caso
Moscou resolva “desobedecer as ordens do ocidente, este simplesmente primeiro
faz cair o rublo, depois cobra os empréstimos, tornados dessa maneira quase
impossíveis de pagar, exatamente o que foi feito com o Irã.
É com estes mecanismos que o ocidente,
através de suas instituições – FMI, Banco Mundial, BIS, a gang inteira –
governa. Pequim está lutando para substituir ou ao menos complementar essas
instituições com outras instituições internacionais mais democráticas.
Caso o Banco Central da Rússia
estivesse operando sob princípios mais sólidos, teria buscado empréstimos
ocidentais a juro baixo e usado o dinheiro em investimentos produtivos – essa seria
uma forma totalmente diferente da usada nos Estados Unidos, onde grande parte
do crédito fornecido pelo Banco Central vai diretamente para o setor financeiro
e bancário, através de golpes especulativos.
Entre outros, Michael Hudson já
demonstrou à saciedade como o FED (norte)americano só serve aos interesses de
seus mandatários financeiros e está pouco se lixando para o setor de infraestrutura
industrial dos EUA, que aos poucos está sendo transferida para colônias e/ou
vassalos, bem como para a China.
Então, os “Mestres do Universo”
pensaram que colocar pressão cada vez maior contra Rússia e China iria
funcionar. Não funcionou. No entanto, há motivos para alarme: eles continuarão
a subir a aposta, cada vez mais.
Tornou-se evidente o seguinte cenário:
a Rússia se move cada vez mais para leste enquanto tenta ao mesmo tempo
livrar-se de grande parte da arquitetura institucional ocidental.
O surgimento da Nova Rota da Seda
chinesa, também conhecida como “Um Cinturão, Uma Estrada” e da União Econômica
da Eurásia, liderada pela Rússia, são irreversíveis. É do interesse dos dois
países o investimento e desenvolvimento de um mercado pan-eurasiano.
A maioria da produção de gás natural do
Irã poderia ser absorvido na área asiática da Eurásia, e não pela União
Europeia; a economia chinesa deve pelo menos triplicar nos próximos quinze anos
enquanto os Estados Unidos continuam a se desindustrializar.
Seja lá o que for discutido entre Obama
e Putin no encontro que terão no final do mês em Nova Iorque, os “excepcionalistas”
não diminuirão a pressão contra o urso russo. Assim, vale a pena para o urso
manter uma arma financeira letal em seu arsenal.
Pepe Escobar é um analista geopolítico independente. Escreve para a RT, Sputnik e
TomDispach, contribuindo frequentemente com websites, rádio e shows de TV desde
os Estados Unidos até o Leste Asiático. Ele é correspondente para o jornal Asia Times
Online. Nascido no Brasil, escreve exclusivamente em inglês e tem sido
correspondente estrangeiro desde 1985. Vive em Londres, Paris, São Paulo,
Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok e Hong Kong. Desde antes dos
acontecimentos de 9/11, ele se especializou na cobertura de um arco que vai
desde o Oriente Médio até a Ásia Central e do Leste, com ênfase em Geopolítica
e guerras pela energia. É autor de “Globalistan” (2007), “Red Zones Blues”
(2007), “Obama does Globalistan” (2209) 3 Empire of Chaos” (2014), todos
publicados pela editora Nimble Books.
Como já se disse um império é mais perigoso na decadência que quando nó topo.Observamos isso na minha querida América Latina.
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