Iraque e Síria pós-ISIS
O
futuro pós-ISIS do Iraque e da Síria tem sido tópico de discussão
calorosa nos think-tanks norte-americanos, sob o pressuposto
de que os EUA estariam montando um retorno militar ao Iraque e já bem
adiantados no processo de estabelecer presença de longo prazo na Síria. A
verdade é que os ventos políticos já estão soprando na direção oposta.
A 'visita de trabalho' que o vice-presidente do Iraque Nouri Maliki fez a Moscou essa semana sinaliza o renascimento do papel histórico da Rússia como parceiro chave do Iraque. As palavras de Maliki em Moscou são muito reveladoras:
· "É
bem sabido que a Rússia tem fortes relações históricas com o Iraque. Portanto,
gostaríamos que a Rússia tenha substancial presença em nosso país, seja
politicamente seja militarmente. Desse modo, estabelece-se um equilíbrio que
muito beneficiará a região, seus povos e países."
· Bagdá
acredita "no papel da Rússia para a solução de muitas das questões internacionais
chaves e para promover a estabilidade e o equilíbrio em nossa região e em todo
o mundo."
· Uma
presença russa no Iraque traria o necessário equilíbrio que não pode ser
"minado em sentido político, em favor de qualquer interesse externo."
· "Hoje
precisamos de maior envolvimento da Rússia nos assuntos iraquianos,
especialmente no campo da energia. Agora que nos livramos do Estado Islâmico, o
Iraque precisa de investimentos em energia e comércio."
· Moscou
e Bagdá "devem aprofundar a cooperação em contraterrorismo na região.
Cremos que nossos dois países são alvos de terroristas e dos que apoiam
terroristas."
As observações de Maliki encontraram ressonância positiva no lado russo. Ao receber Maliki, o presidente Vladimir Putin enfatizou a cooperação técnico-militar e um papel "proativo" nessa área. Putin situa o relacionamento russo-iraquiano no quadro mais amplo da "situação na região em geral." As palavras de Putin levam em consideração o eixo regional Iraque-Síria-Irã como baluarte contra o terrorismo.
Para a Rússia, a unidade de Iraque e Síria é questão central. Maliki disse a Putin que a política fraturada do Iraque, onde o poder político "continua dividido em torno do princípio religioso ou étnico entre sunitas, xiitas, árabes, curdos, cristãos e muçulmanos", torna-se campo fértil para o terrorismo. Portanto, Bagdá preparou um "projeto especial" para tratar dessa deficiência sistêmica. No resumo das conversações distribuído pelo Kremlin lê-se a seguinte frase de Maliki:
· "A
ideia é restaurar a democracia real, com o poder baseado na vitória de uma
maioria política, mais do que na atribuição de quotas a vários
movimentos."
Em resumo, Bagdá espera converter o Iraque num sistema político baseado no princípio da regra da representação de 'um-homem, um-voto', como na Síria ou Irã. Claramente, o objetivo é bloquear qualquer potência estrangeira que vise a manipular as minorias contra a comunidade xiita majoritária. Sem dúvida será grande reforma, não só em termos político-econômicos, mas também da perspectiva geopolítica. Principalmente, Bagdá se posiciona para resistir contra a tentativa de EUA-Israel de criar um Curdistão independente.
A 'visita de trabalho' de Maliki à Rússia coincide com a assinatura de um acordo de defesa entre Iraque e Irã. Maliki assinou um acordo de compra de armas com a Rússia em 2012, de valor estimado em torno de $4,2 bilhões (que não pôde ser implementado por pressões do governo Obama). Em resumo, estamos assistindo a um esforço em que Irã e Rússia protegem cada país a retaguarda do outro, para forçar os EUA a recuarem.
Fundamentalmente, o Iraque está refazendo seu cálculo de poder. As dezenas de milhares de milicianos xiitas iraquianos treinados e equipados pelo Irã, que tiveram papel decisivo na guerra que derrotou o ISIS, serão provavelmente integrados às forças de segurança do Iraque. Esses milicianos com vasta experiência de combate, conhecidos como Forças de Mobilização Popular (ar. Hashed al-Shaabi) moveram-se para os desertos ocupados pelo ISIS a oeste de Mosul, concentraram-se em torno da cidade de Tal Afar e tomaram um posto de passagem na fronteira entre Iraque e Síria.
Estão controlando autoestradas que cortam o interior (sunita) no oeste do Iraque, que são usadas como linhas vitais de suprimento que conectam Irã e Síria. Segundo números oficiais iraquianos, as Forças de Mobilização Popular chegam agora a 122 mil combatentes.
Claramente, o equilíbrio militar na região está pendendo dramaticamente contra os EUA (e Israel). O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah alertou recentemente que centenas de milhares de combatentes xiitas na região resistirão em conjunto contra qualquer futura possível invasão por Israel.
Em termos geopolíticos, Rússia e Irã têm interesses comuns de que se preservem a unidade e a estabilidade de Iraque e Síria pós-ISIS. Não surpreendentemente, a China também está bem perto de Rússia e Irã nessa questão.
Aliás, o Enviado Especial da China à Síria Xie Xiaoyan está atualmente num tour regional. Em Teerã na 3ª-feira, ele destacou que a posição da China quanto aos movimentos finais da guerra na Síria é similar à de Rússia e Irã. Xie anunciou que a China está "pronta para agir sob sua própria responsabilidade para reconstruir a Síria e estamos preparados para isso" (aqui e aqui).
Além disso, na 3ª-feira o Exim Bank da China assinou um acordo em Teerã de um pacote financeiro de US$1,5 bilhão para reformar a ferrovia que liga Teerã e Mashaad (perto da fronteira com o Turcomenistão). Sem dúvida, a visita de Xie a Teerã é sinal claro de que a China tem os olhos postos no Irã como portal que leva ao Iraque e à Síria.
Desde março de 2016, um "trem da Rota da Seda" China-Irã viaja uma vez por mês de Yiwu na província ocidental de Zhejiang na China, para Teerã. A frequência das viagens deve aumentar, ao ritmo em que o comércio ganhe maior fôlego. O "trem da Rota da Seda" reduz o tempo de viagem, de 45 dias por mar, para menos de 14 dias. Claramente, a China posiciona-se para desempenhar papel importante na reconstrução de Iraque e Síria, e posicionada bem perto de Rússia e Irã.
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