Porque o conflito entre Índia e China deve aumentar

Moon of Alabama em 19 de junho de 2020

Tradução de btpsilveira ( @btpsilveira )

Uma luta entre soldados indianos e chineses na segunda feira à noite teve como custo dezenas de vidas (https://bit.ly/3hVnrIb [em inglês]).

Vinte componentes do exército indiano, entre eles um oficial comandante, morreram em uma luta dura com tropas chinesas no Vale de Galwan no Ladakh (região do Himalaia – NT) oriental na segunda feira à noite, o maior confronto militar em cinco décadas e que deve piorar de forma significativa a situação de impasse na já volátil fronteira da região.
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Fontes governamentais afirmaram que os chineses sofreram perdas “proporcionais”, mas não houve confirmação até agora quanto ao número de mortes. Uma fonte da ANI (Asian News International – agência indiana de notícias – NT) especula que ao menos 43 soldados chineses teriam sido seriamente feridos ou mortos no conflito.
Os dois lados concordaram em não usar armas ao longo da Linha de Controle Real (LCR – LAC na sigla em inglês – NT) entre os dois países. Os soldados usaram porretes e pedras para lutar durante a noite em uma montanha com 4.000 metros de altitude acima das paredes íngremes do cânion de um rio extremamente frio. Aparentemente, muitos morreram na queda fatal das encostas para dentro do rio onde faleceram por hipotermia.


A fronteira em disputa, historicamente mal definida, foi origem de outros conflitos menores desde abril. A razão imediata parece ser um novo acesso militar por terra que a Índia construiu nas imediações da LCR e patrulhas mais agressivas de ambos os lados. Mas as razões estratégicas por trás dos conflitos são muito maiores.

Primeiro, vamos lembrar um pouco da história da área:

Quando da retirada britânica da Índia, Maharaja Hari Singh, governador do Estado, preferiu tornar-se independente e permanecer neutro ante os domínios de Paquistão e Índia na região. No entanto, uma revolta nos distritos ocidentais do estado, seguidos por um ataque de invasores que vieram da vizinha Província da Fronteira Noroeste, apoiados pelo Paquistão, colocou um fim em seus planos de independência. Em 26 de outubro de 1947, o Maharaja assinou um Instrumento de Adesão, juntando-se ao Domínio da Índia, em troca de ajuda militar. Os distritos ocidentais e setentrionais, atualmente conhecidos como Azad Kashmir e Gilgit Baltistão passaram para o controle do Paquistão, enquanto o território remanescente formou o estado indiano de Jammu & Kashmir.

A adesão limitou-se a questão determinadas e Jammu & Kashmir tronou-se um estado autônomo.

Durante a partição Índia/Paquistão que aconteceu em 1947, o Paquistão ficou com a parte norte da área, conhecida como Gilgit Baltistão, enquanto a China ficou com Aksai Chin, parte histórica do Tibete. Além de questões históricas, há razões religiosas e culturais as quais, somadas, fazem com que tanto China quanto Paquistão pretendam assumir outras porções da área indiana atual.


Kashmir é majoritariamente muçulmana e o Paquistão a vê como parte do país. A região oriental de Ladakh já pertenceu ao Tibete. É pouco povoada e sua população é budista, falando um dialeto similar ao tibetano, como a população de Aksai Chin, no lado chinês.

Em agosto de 2019, o governo indiano Hindu/fascista de Narendra Modi revogou unilateralmente partes da constituição do país que garantia o status autônomo da região de Jammu & Kashmir. Também assegurou controle direto do Ladakh, ao longo da fronteira com a China. Antecipamos (https://bit.ly/3enylnI - em inglês) que isso levaria a novos conflitos com o Paquistão:

J&k tem maioria muçulmana. Tem grande importância estratégica, desde que as nascentes do Rio Indo, que abastece o Paquistão estão situadas na região de Jammu & Kashmir. Os nacionalistas paquistaneses acreditam que essas nascentes devem fazer parte do país.  
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O status especial de J&K protegia seus habitantes de migração desenfreada de hindus a partir da Índia. Agora, Modi deverá incentivar seus seguidores para mover-se para o estado. Seu objetivo final é criar uma maioria hindu no estado que atualmente é majoritariamente muçulmano.

Quando o movimento estava sendo discutido no governo indiano e no parlamento, um ministro do governo reivindicou áreas que atualmente pertencem à China e ao Paquistão:

Amit Shah, ministro do interior da Índia, afirmou na terça feira na Lok Sabha (Câmara Baixa da Índia) que a região de Kashmir ocupada pelo Paquistão e Aksai Chin (China) fazem parte de Jammu & Kashmir e que o Vale de Kashmir é também parte integral da Índia.

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“Kashmir é parte integral da índia, não há dúvidas a respeito disso. Quando falo sobre Jammu & Kashmir, a parte de Kashmir ocupada pelo Paquistão e Aksai Chin estão incluídos” disse.

A afirmação disparou sinos de alarme em Islamabad e Pequim.

A única fronteira comum entre China e Paquistão está localizada na região de Kashmir controlada pelo Paquistão. Caso a Índia eventualmente consiga restabelecer sua soberania sobre a área, Paquistão e China estarão separados um do outro. O Corredor Econômico China/Paquistão, projeto de conexões de 50 bilhões de dólares que prevê estradas, ferrovias e oleogasodutos a partir do Paquistão para a China pode ser interrompido abruptamente.


A China está financiando o Corredor como uma alternativa estratégica para rota comercial, evitando rotas marítimas através do Mar do Sul da China e Estreito de Málaca, controladas pelos Estados Unidos.


A China necessita da conexão paquistanesa para manter uma linha de comunicação com os campos petrolíferos do Oriente Médio no caso de eventual conflito no Pacífico.

Os interesses primordiais da China exigem que a Índia seja firmemente dissuadida de considerar a recuperação do Gilgit-Baltistão, para alcançar seu objetivo de muito tempo de unificar Kashmir, cumprindo assim uma resolução parlamentar unânime passada em 1994. A China também defende sua posição de reter Aksai Chin – Ligação essencial entre o Tibete e Xinjiang.

A remoção da autonomia de J&K ano passado não foi o único assunto a alarmar a China. Sob Modi, a Índia abdicou de sua tradicional neutralidade e juntou-se ao projeto “Indo/Pacífico”, um pacto contra a China. Já por algum tempo a Índia está reforçando sua infraestrutura militar na região:

Os chineses também não se sentem confortáveis com o desenvolvimento da infraestrutura ao longo da Linha de Controle Real com a Índia, especialmente devido à pressão que isso exerce sobre Aksai Chin.

Em 2008, a Índia tinha reativado os aeroportos de Daulet Beg Oldie (DBO) e Fukche, o que reduz a dependência de Leh, como o principal nódulo de apoio aéreo de Ladakh. Depois de mais um ano, o aeroporto de Nyoma também foi reativado. “A DBO está na antiga rota de comércio da Leh-Tarim, que passa através da passagem de Karakorum e dista meros nove quilômetros de Aksai Chin, a noroeste. Sua importância também reside no fato de que a principal ligação física da Índia com a província chinesa de Xinjiang (não com o Tibete) está localizada na DBO”, afirma um ex-diplomata que não quer ser identificado.

A reativação da infraestrutura de aviação aumentou a capacidade da Índia de transportar tropas e suprimentos militares com rapidez para a região ao longo da Linha de Controle Real. “DBO, Fukche e Nyoma suplementam a capacidade de Leh, levando a um forte aumento da capacidade de movimento de equipamento e de forças indianas ao longo da Linha de Controle Real”, disse o vice marechal (reformado) Amit Aneja ao jornal O Hindu.

As atividades de construção de estradas, com a estrada de 255 km Darbuk/Shayok/Daulat Beg Oldie, representam a espinha dorsal que reforça a conectividade indiana ao longo da Linha de Controle Real, aumentando a pressão sobre Aksai Chin.

Fotos de satélite revelam que a China posicionou mais tropas por trás da Linha de Controle Real e está pronta caso a situação de momento evolua para uma escalação. Da mesmo forma, a Índia mandou reforços para toda a área.

Os Estados Unidos e a Austrália apoiam verbalmente a Índia durante os conflitos. Mas nenhum dos dois parece inclinado a deixar-se envolver no conflito real.

A Guerra China/Índia de 1962 começou por causa de conflitos similares nas mesmas fronteiras e também com um quadro de fundo de estratégia mais ampla. No correr de poucos dias a China tomou várias áreas da Índia, mas depois de um mês retirou-se do território indiano. Aparentemente a ideia era dar uma lição à Índia, objetivo totalmente alcançado.

Caso o conflito realmente se torne sério, espero algo similar e também curto, como um lembrete para Modi de que um alinhamento não neutro e reclamações de territórios pertencentes a outros países carregam certos custos inevitáveis.


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