Graças a você, Mr. Trump, um mundo em alvoroço!
Irã, o importuno


 
Texto de Philip Giraldi, traduzido por btpsilveira

O Donald Trump verdadeiro está exposto. O homem que prometeu uma política sensível de não intervenção no Oriente Médio e uma política de reaproximação com a Rússia acabou de renegar suas promessas. Sua embaixadora para a ONU, a cretina Nikki Haley, agora pretende que a Rússia e a Síria estão diretamente destinadas a serem punidas pelo Onipotente Líder do Mundo Livre, para que não reste a menor dúvida em ninguém.


O ataque inconsciente contra a Síria, com base nas habituais alegações sem consistência, mudou o jogo dramaticamente, com o “novo xerife da cidade” aparentemente querendo provar que é machão e que pode ser mais durão que qualquer um que o desafie. Semana passada a Síria foi esculhambada por Deus e todo o mundo no Establishment (norte)Americano por um suposto ataque químico que teria acontecido apenas dois dias depois que a Casa Branca voltou atrás na política da administração Obama que queria porque queria remover o presidente Assad. Será que a Síria seria idiota o suficiente para usar armas químicas em uma guerra que estava vencendo e na altura em que a hostilidade aberta dos EUA estava decrescendo? Ou seria uma encenação dos autodenominados “rebeldes”?

Afinal, quem se beneficia com o enfraquecimento de Assad? Ora, a Al Qaeda e o Estado Islâmico. Agora que Trump tomou o freio nos dentes e desembestou, e que os seus índices de aprovação abissais podem subir feito um foguete se alguém começar uma guerra, pode esperar porque vem mais do mesmo. Minhas fontes informam que no Pentágono já se discute ativamente a instalação e uma zona de exclusão aérea. Uma zona de exclusão aérea que pode ser instalada frente à frente com os russos, para ver quem vai piscar primeiro.

Enquanto isso, um porta aviões e toda a sua frota de apoio está se dirigindo para o confronto contra a Coreia do Norte (CN) com as velhas e boas assertivas de que “todas as opções estão sobre a mesa”, retórica que certamente produz um resultado esquizofrênico de certo tipo. Menino, se eu residisse em Seul com certeza estaria me movendo para longe da cidade o mais rápido que pudesse, pois todos sabem que a cidade está ao alcance das baterias de artilharia pesada massiva ao longo da Área Desmilitarizada (DMZ, sigla em inglês).

Visto por muita gente, eu mesmo entre eles, como um sensível “candidato da paz”, Trump parece estar se preparando para desencadear guerras pelo mundo afora em diversos fronts. As coisas estão particularmente feias no Oriente Médio e no Sul da Ásia. Mais tropas dos Estados Unidos estão sendo enviadas para o Iraque e também para a Síria, neste último caso sem qualquer convite de Damasco ou justificativa legal, nem mesmo uma mandato de procuração da ONU, e milhares de outros soldados estão se dirigindo para o Afeganistão, para “estabilizar” a situação. Enquanto isso, no Iêmen, o povo continua a sofrer nas mãos da Arábia Saudita, apoiada pelos EUA.

Não adianta buscar ajuda junto ao quarto poder, que se comporta mais como líder de torcida e foi completamente cooptado pelo ponto de vista do Establishment. A narrativa sobre o que acontece na Síria, aos olhos da imprensa corporativa, é toda centrada na maldade de seu governo, que Washington quer remover. Enquanto isso a Rússia, sem qualquer evidência, é acusada de tentar derrubar nosso sistema democrático. O recente ataque terrorista em São Petersburgo deveria ter sido mais acuradamente relatado, mas salientou-se em vez disso o fato de que os descendentes dos soviéticos provavelmente mereciam ser atacados. Ninguém para a se perguntar porque os Estados Unidos acredita que tem o poder de intervir em qualquer lugar, a menos que fosse real, direta e seriamente ameaçado por alguma outra nação.

Assim, tudo vira uma enorme confusão, criada principalmente por nós mesmos, devido à nossa tendência de se envolver em lugares com os quais nada temos a ver e com os quais na realidade não deveríamos nos preocupar. Acrescente-se a todos estes fatos a nossa inclinação a acreditar no mito nacional de nosso excepcionalismo, como se fôssemos uma genuína força para espalhar o bem, e você tem a perfeita poção venenosa de bruxa que tem alimentado o ódio contra os Estados Unidos no mundo inteiro, levando à morte centenas de milhares de pessoas, secando ao mesmo tempo o nosso tesouro. O embaixador Chas Freeman descreveu adequadamente que para os Estados Unidos “as relações exteriores equivalem a uma sociopatia – um país indiferente às regras, às consequências que isso causa aos outros e à confiabilidade de sua palavra”.

Por pior que pareça até agora, se eu tivesse que escolher um lugar onde nossa incapacidade distinguir entre o correto e errado pode levar a um conflito armado de grandes proporções, quer dizer, uma guerra real em curto prazo, esse lugar é o Irã. O aumento de tensão observado recentemente entre Washington e Teerã, combinado com a total falta de diálogo diplomático significa que um disparo inicial que deslanche a guerra pode ser desde uma “falsa bandeira”, um mero relatório de inteligência tendencioso ou um encontro naval acidental. Uma vez que a luta tenha início, ninguém será capaz de dizer “Pare!”, uma vez que a administração Trump, o Partido Democrata, o Partido Republicano e a imprensa em geral odeiam indiscriminadamente o Irã.

Percebi há longo tempo que esse ódio contra o Irã por parte de muitos (norte)americanos é um subproduto da Revolução Iraniana e da ocupação da embaixada dos Estados Unidos. O Irã revolucionário tornou-se da noite para o dia o perigosíssimo “outro”, fonte inesgotável de pesadelos para o Establishment em Washington. Durante o período em que estive no governo, quando a lembrança da ocupação da embaixada e tomada de reféns ainda estava fresca na memória de todos, odiar os iranianos era quase um requisito fundamental na comunidade de segurança nacional. Mais recentemente, Israel e seus apoiadores usam o Irã como alavanca para manter o mito de que o Estado Judeu tem sua existência ameaçada por Teerã e seus lacaios na região. Dizer que está sendo ameaçado se tornou o meio que Israel encontrou para manter abertas as torneiras do tesouro (norte)americano, e também serve como justificativa para todas as transgressões cometidas por Israel, que se apresenta como uma nação sob cerco, uma eterna vítima. Mais recentemente, a Arábia Saudita se juntou ao grupo dos acusadores do Irã, culpando o país persa por todos os problemas regionais, e fazendo disso uma justificativa para o massacre que promove no Iêmen.

Na medida em que as coisas estavam acontecendo em tempo real, tudo isso era compreensível, mas a geração de funcionários governamentais que atuava na época da crise dos reféns da embaixada iraniana, agora está aposentada, enquanto na atualidade os pedidos de Israel e Arábia Saudita são recebidos tampando o nariz, se por alguém que tenha ao menos uma compreensão básica do que está acontecendo no Oriente Médio. Esse comportamento exige uma certa habilidade e o que é mais perturbador é que algumas pessoas na hierarquia governamental que deveriam ter mais conhecimento aparentemente tem o mesmo comportamento errático dos juniores que saem direto da mesa de rascunho das universidades para as fileiras do jornal Washington Post.

Durante sua campanha para as eleições presidenciais, Trump denunciou repetidamente o Acordo Nuclear com o Irã, no meu entender uma das duas únicas conquistas da então administração Obama. Trump afirmou que deve rasgar o acordo e exige que Teerã apresente alguma coisa melhor, senão... Desde então ele já recuou no tema de rasgar o acordo, mas infelizmente indicou para os altos escalões de seu governo funcionários militares que engoliram a isca “Irã é uma ameaça” junto com a linha, o anzol e a chumbada.

Existem similaridades entre o que está acontecendo com o Irã e o que está em curso com a Rússia. Esta é acusada de ter sido responsável por centenas de intrusões militares que requereriam uma resposta da OTAN nos países Bálticos. Acontece que as fronteiras russas com os bálticos fazem parte de suas águas territoriais, de forma que o que realmente está ocorrendo é que Moscou está fazendo suas operações nas áreas de suas próprias zonas costeiras e a isso a OTAN responde como se fosse uma ameaça. Da mesma forma com o Irã, que está a cavaleiro do Estreito de Ormuz e é acusado de ter comportamento agressivo quando patrulha suas águas costeiras com pequenas embarcações. É a Sexta Frota (norte)Americana que está sendo intrusa na região. Tanto o Irã quanto a Rússia estão assim sujeitas à crença de Washington de que seu mandato vale para o mundo inteiro e que seu direito de hegemonia pode ser exercido onde quer que pretenda fincar uma bandeira.

Meu primeiro encontro com a turma “Irã é uma ameaça” aconteceu em dezembro de 2015 quando ouvi, boquiaberto, um discurso raivoso pronunciado em Moscou pelo General reformado Michael Flyyn. Colocando olimpicamente de lado o fato de que o Irã na realidade jamais poderia ameaçar os Estados Unidos ou seus interesses vitais genuínos, Flyyn explicou seus conceitos de uma estratégia geopolítica/econômica para o século 21. Na ocasião eu pouco sabia sobre Flyyn e seus pontos de vista, mas fiquei particularmente surpreso com a sua metralhadora giratória disparada contra o Irã, declarando muito claramente que os iranianos seriam responsáveis por “alimentar quatro guerras por procuração no Oriente Médio”. Provavelmente ele se referia ao Iraque, Síria, Afeganistão e Iêmen. A audiência, que incluía certo número de jornalistas internacionais e especialistas reais em política externa, começou a se agitar e a murmurar. Dois minutos depois, Flyyn retornou ao tema, mencionando desta vez o “terrível acordo nuclear com o Irã”.

Mais tarde, em dezembro, Flyyn, então assessor para a segurança nacional de Trump colocou “oficialmente” o Irã “de sobreaviso”, enquanto declarava que “a administração Trump não tolerará mais provocações iranianas que ameacem nossos interesses. Os dias de fechar os olhos para um Irã hostil e suas ações beligerantes com relação aos Estados Unidos e à comunidade mundial acabaram”. Ele não explicitou no que consistiriam as tais “ações”.

O atual Chefe do Pentágono nomeado por Trump, General James Mattis e seu novo assessor para a segurança nacional, Tenente General H. R. McMaster, também resolveram atacar verbalmente o Irã, tornando claro suas próprias avaliações de que Teerã constitui uma grande ameaça tanto regionalmente quanto para os Estados Unidos. Mas a mais recente diatribe contra o Irã por um general (norte)americano talvez seja a acusação mais estranha contra o país. Veio de uma entrevista coletiva do general de exército Joseph Votel, comandante do Comando Central do Exército dos Estados Unidos. Votel estava testemunhando ante o Comitê das Forças Armadas da Câmara quanto às questões relacionadas ao Oriente Médio expandido. Votel disse aos congressistas, que estavam deliciados ao ouvir coisas más sobre os Mulás, que o Irã é “uma das maiores ameaças aos Estados Unidos atualmente” e que seu “papel desestabilizador” cresceu muito em toda a região.

Como poderia o Irã, com seu minúsculo orçamento de defesa e sua total incapacidade de projetar poder, ameaçar tanto os Estados Unidos permaneceu um mistério, embora Votel tenha elaborado alguma “explicação.” Disse que o Irã opera em uma “grande zona cinzenta… perto de um conflito aberto”. Para o General, o Irã “viabiliza ajuda letal”, usa “forças de aluguel” e promove ataques cibernéticos. Ele também cita as pequenas embarcações iranianas como promovendo incidentes que envolvem navios de guerra dos EUA, com comportamentos que podem ser considerados “amadores” e “inseguros”. Juntando tudo, o Irã seria “a maior ameaça à estabilidade no longo prazo” para o Oriente Médio inteiro. A partir daí, Votel advoga a destruição do Irã “através de meios militares ou quaisquer outros”.

Alguém deveria perguntar aos congressistas e ao próprio Votel se eles estão todos dementes. Fiquei meio confuso com a expressão “pentagonesa” “facilitação de ajuda letal”, mas deve significar que o Irã estaria fornecendo armas para a Síria e outros aliados iranianos. Algum congressista que não tivesse o cérebro fatiado deveria ter perguntado a Votel se suas acusações contra o Irã não poderiam ser aplicadas aos Estados Unidos como uma luva, apenas em ponto bem maior. Os Estados Unidos armaram toda a região e também providenciam armas letais para os autodenominados “rebeldes” na Síria. E aqueles “rebeldes” que trabalham como “forças de aluguel” para os Estados Unidos são o que? Quanto aos ataques cibernéticos, ninguém usa tanto esse recurso quanto os EUA e seu coleguinha Israel. O Stuxnet não acordou ninguém? Além disso e para começar, o que a Sexta Frota está fazendo no Golfo Pérsico, só por curiosidade? Mande esses navios para casa e com certeza não haverá mais “incidentes” envolvendo as lanchas de patrulha iranianas.

Há boas razões para que o governo iraniano não agrade a todos, mas o próprio país só é o “inimigo” porque nós mesmos o colocamos nesse patamar, depois de permitir que esse governo fosse colocado no poder, ao derrubar Saddam Hussein. A visão que o Irã tem de si mesmo foge completamente daquela dos críticos (norte)americanos. É um país cercado de inimigos, constantemente ameaçado, e que vê as suas relações com seus poucos amigos na Síria e no Líbano como medidas puramente defensivas. Estou acostumado a ver e ouvir cousas muito ruins sobre os Mulás, mas essas críticas ácidas partem principalmente de Israel e dos sauditas, que insistem em descrever falsamente os iranianos como uma ameaça mundial. Fazem isso no próprio interesse, e muitos políticos sem espinha dorsal dos EUA e os papagaios da mídia assumem o refrão a tal ponto que um ataque dos Estados Unidos contra o Irã provavelmente seria apoiado largamente no Congresso e aplaudido na imprensa. O perigo é que esse pensamento de grupo sobre o Irã e sobre a guerra pode subitamente disparar um conflito, se alguém fizer ou disser algo realmente estúpido. Votel parece ser estúpido o suficiente para fazer justamente isso.


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