Aeroporto Shayrat |
O conflito iminente entre EUA e Rússia
Texto de Mike
Whitney,
com tradução de btpsilveira
O
ataque de mísseis ordenado pelo presidente Donald Trump contra o Aeroporto
Shayrat no oeste da Síria não passou de uma exibição dos músculos imperiais que
teve efeito exatamente contrário ao que se pretendia. Mesmo que o ataque com
certeza tenha levantado o moral dos jihadistas que assolam o país há seis anos,
não teve qualquer valor estratégico ou militar. O dano causado ao aeroporto foi
muito superficial e não há razão para acreditar que tenha qualquer impacto no
progresso do exército sírio no campo de luta.
No
entanto, o ataque matou quatro soldados sírios em atividade, o que significa
que as tropas dos Estados Unidos na Síria não podem mais ser consideradas como
parte de uma coalizão internacional para combater o terrorismo. Agora, os
Estados Unidos são uma força hostil que representa uma ameaça existencial para
o governo soberano do país.
A
partir da sexta feira, a Rússia interrompeu qualquer cooperação militar com os
Estados Unidos. Conforme o jornal New York
Times:
“Além de
suspender o pacto para a coordenação de operações aéreas na Síria, um acordo
que pretendia prevenir encontros acidentais entre forças aéreas das duas
potências militares, a Rússia também afirmou que pretende reforçar os sistemas
de defesa aérea da Síria e supostamente planejaria mandar uma fragata (notícia já confirmada, veja AQUI [em inglês]
– NT) para o Mar Mediterrâneo para visitar as bases logísticas do Porto de
Tartus, na Síria...”
“O porta voz do presidente russo, Dmitri S. Peskov,
afirmou que o ataque de mísseis significa um ‘golpe duro’ nos laços entre
Rússia e EUA, e que o presidente Putin considerou o ataque uma violação da Lei
Internacional, efetuado sob falsos pretextos. O exército sírio não tem armas
químicas à sua disposição’ disse Peskov”. (New
York Times)
O
ataque de mísseis colocou um fim abrupto nas conversações de “normalização” de
relações com a Rússia. Seja qual for a razão, Trump fez questão de marcar a si
mesmo e aos EUA como inimigos de Moscou e Damasco com a sua forma de conduzir a
coisa toda. Esta, claro, é a sua prerrogativa, mas ele está sendo imbecil se
pensa que não haverá consequências.
O
Ministro da Defesa da Rússia, Major General Igor Konashenkov declarou:
“São falsas todas as acusações de que Damasco teria
violado a Convenção sobre Armas Químicas de 2013 feitas pelos Estados Unidos
como razões para o ataque. O Ministério da Defesa russo tem explicado
repetidamente que as tropas sírias não fazem uso de armas químicas... Fazemos questão de enfatizar que entre 2013 e 2016 o governo
sírio tomou todas as medidas para eliminar armas químicas, seus sistemas de
uso, as instalações de produção. Todos os estoques de armas químicas foram
eliminados. Os componentes necessários para a sua produção foram transportados
da República Árabe da Síria para empresas nos Estados Unidos, Finlândia,
Inglaterra e Alemanha, onde foram destruídos”.
Este
assunto, porque é contestado duramente, precisa ser explicado melhor. A atitude
mais racional seria o envio de uma equipe da ONU especializada em armamento
químico e especialistas forenses para o lugar onde aconteceram os ataques
químicos para tentar entender o que realmente aconteceu. Trump resolveu que não
seria impedido nem se importaria com tais trivialidades como uma investigação formal.
Estava muito mais interessado em projetar uma imagem de durão e de líder
decidido ao qual cabe atirar primeiro para perguntar depois. Sua ação foi
aplaudida por vários líderes pelo mundo afora, entre as quais Angela Merkel,
François Hollande, Recep Erdogan, da Arábia Saudita, e Israel nenhum dos quais
acredita que os Estados Unidos deveria ter obtido a aprovação do Conselho de
Segurança da ONU antes de bombardear um país soberano.
Não
sei quem é o responsável pelo ataque químico em Khan Shaikhoun, mas existe uma
entrevista interessante feita no Show de Scott Horton, na quinta feira, que
sugere que as coisas podem muito bem não ser o que parecem. Em uma entrevista de
14 minutos, o antigo funcionário e diretor do Conselho para os Interesses Nacionais,
Philip Giraldi, explica o que está acontecendo nos bastidores do Oriente Médio,
onde “pessoal do exército e da inteligência, intimamente próximos”, dizem que a
narrativa de que Assad ou a Rússia tem culpa no ataque é “uma farsa”.
Transcrevi
um segmento de cinco minutos da entrevista – não porque contenha evidência conclusivas de uma maneira ou de outra –
mas porque os leitores mais curiosos podem achar a coisa intrigante (quaisquer
erros de transcrição ficam por minha conta).
Philip Giraldi – Tenho ouvido de fontes
no terreno, no Oriente Médio, de pessoas que são intimamente familiares com a
inteligência à disposição, e que dizem que a narrativa principal que estão
ouvindo é a de que a acusação de uso de armas químicas pelo governo sírio ou
pelos russos não passa de uma farsa. A inteligência praticamente confirma a
versão que os russos estão fornecendo desde a última noite de que o bombardeio
de um armazém onde a Al Qaeda estocava armas químicas de sua propriedade causou
a explosão que resultou nas mortes por armas químicas. Parece que os serviços
de inteligência quanto ao assunto são claros, e pessoas tanto da inteligência
quanto entre os militares que têm conhecimento do assunto estão espantados,
porque Trump deturpou completamente o que realmente teria acontecido – mas talvez
não, na realidade – e eles estão temerosos de que esse movimento da
administração Trump possa facilmente detonar um conflito armado.
Scott Horton – Você pode me dizer tudo o que for
possível sobre o assunto e que você soube através de suas fontes?
Philip Giraldi – Está bem. Na essência são fontes
que estão bem inseridas nos assuntos relacionados ao Oriente Médio. São pessoas
que estão no Oriente Médio junto com os militares e com as agências de
inteligência e que sabem o que as agências informaram e, como eu disse, eles
estão fornecendo as informações para seus contatos aqui nos Estados Unidos. Em
princípio, estão boquiabertos com a forma com que a administração e a mídia
estão usando essas informações e chegam a considerar se não deveriam, em alguns
casos, vir a público tentar parar tudo isso. Estão preocupados com o rumo dos
acontecimentos, com tudo o que está acontecendo.
Scott Horton – Quer dizer que há funcionários da
CIA que pensam em vir a público com essas informações?
Philip
Giraldi – Há, porque estão preocupados com onde isso vai parar. São ativos do
exército e da inteligência que foram destacados para o Oriente Médio, estão em
atividade e sabem quais informações foram fornecidas para o governo dos Estados
Unidos sobre o que aconteceu na Síria. Ora, essas informações indicam que o
governo sírio não usou armas químicas... que realmente houve um ataque, mas
este foi feito com armas convencionais – uma bomba – e que a bomba teria
disparado as armas químicas que já estavam no local e que foram colocadas ali
pelos grupos terroristas afiliadas à Al Qaeda.
Philip
Giraldi – E está mesmo. Aparentemente, a preocupação entre as pessoas que estão
em serviço no Oriente Médio é que a Casa Branca está se precipitando ao tomar atitudes
contra o governo sírio. O que isso significa na realidade ninguém sabe. Mas
Trump lançou um sinal bem claro ontem, bem como a embaixadora dos EUA para a
ONU. Sobre a atrocidade destes atos. Trump falou sobre a ultrapassagem de
várias “linhas vermelhas” e o pessoal em princípio está temeroso de que a coisa
toda vai sair do controle. Agora, pense sobre o seguinte: Assad não tinha
motivo nenhum para usar armas químicas. Aliás, muito pelo contrário. Trump
havia acabado de afirmar que não havia motivo para apeá-lo do poder, o que para
Assad foi uma grande vitória. Deixar isso pra lá e usar armas químicas 48 horas
depois não é um cenário racional, mesmo que se tenha ouvido coisas como essas,
que beiram o ridículo. (the Scott Horton Show – áudio em inglês – NT)
As
observações de Giraldi são convincentes, mas não conclusivas. Está mais que
provado que é necessária uma investigação (o show foi gravado antes do ataque
de mísseis, o que prova que Giraldi estava correto ao afirmar “quão rápido” as
coisas estão acontecendo).
Os
analistas da mídia parecem surpresos de que a Rússia não tenha respondido
militarmente ao ataque de quinta feira. Alguns chegam a ver isto como um sinal
de fraqueza. Mas as atitudes de Moscou contra a impulsividade de Washington têm
sido bem consistentes pela última década ou mais. Com o menor estardalhaço
possível, Moscou vai adiante com seus negócios e trabalha discretamente para
proteger seus interesses. Ao contrário de Trump, Putin não é um homem que goste
de atrair muita atenção. Opera referencialmente fora do radar. Mesmo assim, a
Rússia mantém uma política coerente na Síria (lutando contra o terrorismo e
preservando a soberania do governo) e não vais e desviar dessa política por
nada. Os (norte)americanos parecem incapazes de entender isso. A Rússia não cederá,
e é por isso que cortou a cooperação com Washington, reforçou seus mísseis
defensivos na Síria e moveu uma fragata para o Mediterrâneo. Moscou não quer um
conflito mais amplo, mas estará preparada se ele acontecer.
Os
russos estão preocupados com a súbita escalação de Trump, mas não surpresos. Eles
perceberam um padrão nas guerras promovidas pelos EUA e são capazes de comentar
tranquilamente sobre o assunto, apesar de suas terríveis implicações. Olhe as declarações
do Ministro da Defesa da Rússia:
“As administrações dos EUA mudam, mas seus métodos
para desencadear guerras continuam os mesmos desde os bombardeios na
Iugoslávia, Iraque e Líbia. Alegações, falsificações, declarações altissonantes
com exibição de fotos e tubos de ensaio com supostos resultados de dadas organizações
internacionais se tornam a razão para iniciar agressões, em vez de uma
investigação efetiva”.
Mentira,
bombardeio, matança – repete tudo. Konashenkov não está surpreso de forma
alguma, é ou não é? É um padrão, um padrão aterrador e mortal. As únicas coisas
que mudam são os nomes das vítimas.
Mais
uma coisa que os leitores podem achar interessante: os russos têm uma
compreensão impressionante da estratégia global de Washington. Na realidade, a
sua análise é superior a qualquer outra que você possa encontrar nos jornais
ocidentais e na mídia corporativa. Vou exibir uma pequena amostra, tirada de um
discurso recente do Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov:
“O conceito de caos controlado parece
ser de longa data um método para reforçar a influência dos Estados Unidos. Sua
premissa básica é que o caos manejado pode ser desencadeado pelos EUA em
regiões que são cruciais para a economia global e desenvolvimento financeiro. O
Oriente Médio tem estado desde sempre no foco de políticos e desenvolvedores da
política externa em Washington. A prática tem demonstrado que esse conceito é perigoso
e destrutivo, como se vê em países nos quais o experimento foi lançado: Líbia, Iraque,
Síria, Iêmen e Afeganistão... No Iraque, Síria e Líbia, o caos foi criado
intencionalmente.
…
Políticos responsáveis começam a ver que a teoria do caos controlado está
destruindo a vida em muitas regiões. Alguns poucos podem se beneficiar no curto
prazo por causa das flutuações dos preços da matéria prima em mercados,
provocadas pelas revoluções levadas a efeito por forças externas, mas na
realidade esses acontecimentos acabam se voltando contra seus executores e desenvolvedores,
na forma de fluxo maciço de refugiados, usados pelos terroristas para se
infiltrar nestes países. Podemos ver isso na Europa. Os ataques terroristas
estão acontecendo até mesmo nos Estados Unidos. O Oceano Atlântico não o
protege mais da ameaça terrorista. É o efeito bumerangue”. (Lavrov)
Brilhante.
“Caos controlado”. É toda a política externa dos EUA dentro de uma casca de
noz. É por isso que não se faz nenhum esforço para criar governos fortes,
estáveis e seculares que possam dar segurança para seu povo nos países que os
EUA destruíram nos últimos 16 anos, porque a longa cadeia de estados falidos
que agora se espalham desde o Norte da África através do Oriente Médio até a Ásia
Central (o “arco de instabilidade”), fornece uma justificação permanente para
as intervenções militares dos Estados Unidos, bem como acesso estratégico a
recursos vitais. Assim, por que gastar dinheiro e tempo na construção de uma
nação quando nações em construção vão contra os objetivos estratégicos de
Washington? Em vez disso, dizime qualquer nação onde quer que você vá, deixe o
povo arrasado vivendo suas vidas agora miseráveis enquanto tenta resistir à
violência inaudita e à perseguição de dirigentes tribais e senhores de guerra
locais.
São.
E a liderança russa entende as implicações dessa política a longo prazo. Eles
sabem que as ambições de Washington podem resultar em uma guerra entre dois
adversários que são potências nucleares. Entendem perfeitamente.
Ainda
assim, não recuarão. Não permitirão que a Síria se transforme em um novo
Iraque. Não deixarão que isso aconteça.
Dessa
forma, tudo se encaminha para uma resolução. A força imparável está se
aproximando rapidamente no objeto inamovível. Estamos a um passo de uma
colisão.
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