“O rio é vida” – No Brasil, uma fotógrafa entre os Awaretês

Alice Kohler compartilha fotos e reflexões de sua estadia na bacia do Rio Xingu na Amazônia Brasileira.
An Araweté man living in the Xingu river basin in Para, Brazil.

Um índio Awaretê que vive na bacia do rio Xingu, no Estado do Pará, Brasil. Fotógrafa: Alice Kohler.


30 de março de 2017 - Texto de David Hill, tradução de btpsilveira

Alice Kohler é uma fotógrafa brasileira que já visitou mais de 20 países durante sua carreira. No Brasil, em particular, ela tem viajado para as partes mais remotas da bacia do Amazonas e passou muito tempo entre muitos povos indígenas do país, entre eles os Awaretês, Asurinis, Guaranis, Kamayurás, Carajás, Caiapós, Cuicuros, Parakanãs, Parecis, Xavantes e Yavalapitis.

No Peru, país vizinho do Brasil, houve na cidade de Cusco uma exibição das fotos de Kohler, tiradas entre os Awaretês, dentro de uma recém aberta galeria temática sobre a Amazônia dirigida pela companhia boliviana Xapiri. Kohler e a Xapiri resolveram fazer a exposição motivados pelas preocupações quanto ao impacto que o projeto do Complexo de Belo Monte – talvez o projeto de desenvolvimento de hidroelétricas mais conhecido do mundo, justamente por causa da oposição que provocou – poderia ter sobre os Awaretês e muitas outras tribos, bem como pelas preocupações com os planos de uma empresa canadense, Belo Sun Mining, que quer desenvolver na região a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil.

Alice Kohler first visited the Araweté in 2009.
A primeira visita de Kohler aos Awaretê aconteceu em 2009 – Fotógrafa: Alice Kohler

Vivendo na bacia do rio Xingu, no Estado do Pará, os Awaretês estabeleceram um “contato” permanente desde o final dos anos 70, depois que seu território foi aberto pela Estrada denominada “Rodovia Trans Amazônica” – parte da BR 230 – financiada parcialmente pelo Banco Mundial e pelo Banco de Desenvolvimento Inter Americano. Isso levou instantaneamente ao que o antropologista brasileiro Eduardo Viveiros chamou, em uma etnografia publicada em 1986, de “catástrofe demográfica”, tendo causado a morte de um terço dos Awaretês. Hoje, a população excede aquela anterior aos “contatos”, mas Kohler – e outros – questionam que contra os Awaretês o que acontece atualmente é um “etnocídio”
Aqui, o compartilhamento de 10 fotos feitas por Kohler:
Children playing in the Ipixuna river at an Araweté village called Juruanty.

Crianças brincando no Rio Ipixuna em uma aldeia Awaretê chamada Juruanty. Foto Alice Kohler

1 “Quando chegávamos na aldeia, a primeira coisa que sempre víamos eram as crianças brincando no rio”, conta Kohler. “Enquanto os adultos pescam [eles brincam todo dia], vão caçar, lavam roupas e utensílios, tomam banho e visitam outras aldeias, em um total de seis... Quase tudo [acontece] no rio... O rio é vida! É a sua estrada! Isso é maravilhoso: calor, águas claras, especialmente [aqui em Juruanty] onde há uma curva no rio Ipixuna, o que significa que ele é bem mais calmo que o Xingu.
An Araweté man carrying a rucksack filled with corn.

Um Awaretê carregando uma mochila rústica cheia de milho. Foto: Alice Kohler

2 Este Awaretê está carregando milho para a sua aldeia como preparação para uma festa. Calções e camisetas são populares, afirma Kohler, por causa das picadas de mosquitos

 “O caminho liga a aldeia a uma plantação comum e a um lugar especial onde eles estocam o milho”, diz ela. “O lugar de estocagem é algo que tenho visto apenas entre os Awaretês. É fantástico! Eles sempre se dirigem à plantação em grupo, às vezes apenas mulheres, outras em duplas, ou com a família inteira. Neste caso, acontece quando toda a família participa das preparações para a festa. As mochilas são comuns. Fazem-nas fácil e rapidamente – normalmente as mulheres. É uma coisa bonita de se ver”.
Three Araweté women and child.

 Três mulheres da aldeia com uma criança. Foto: Alice Kohler

3 Kohler afirma que os Awaretês fazem suas próprias roupas, usando algodão que eles mesmos cultivam e tecem, colorindo-o com urucum. Ela firma que urucum tem vários usos – não só nas roupas, mas como cosmético.

 “Eles gostam muito e usam o tempo todo. É um bom repelente de mosquitos, mas eles os usam também nas vestimentas. No período de festas e rituais, uma quantidade enorme de urucum é usada como enfeite. Eles são abundantes em todas as aldeias.”
A young Araweté man carrying plantains.

Um jovem Awaretê com um cacho de bananas. Foto: Alice Kohler

4 Kohler visitou muitas plantações dos Awaretês, onde eles cultivam mandioca, milho, algodão, batata doce, urucum, bananas e abacaxi, entre outras coisas, enquanto da floresta virgem coletam açaí, outras tipos de frutas e mel. De acordo com o antropologista Viveiros de Castro, os Awaretês podem distinguir entre 45 tipos diferentes de mel.

 “A comida principal é farinha de mandioca com porco ou outras carnes de caça”, diz Kohler. “Particularmente, eles gostam muito de Jabuti – espécie de tartaruga – e comem também grandes quantidades de peixe. Eles fazem uma espécie de cerveja de milho fermentado, bebida comumente chamada de cauim entre eles – ela é fermentada pelas mulheres que mascam o milho cuspindo-o em seguida em potes!”
Araweté women walking to a sweet potato garden.

Mulheres Awaretê indo para a plantação de batata doce. Foto: Alice Kohler

5 Parte da cultura Awaretê pode ser descrita assim: quando alguém começa determinado projeto na aldeia, ele será para a comunidade [como um todo], assim todos seguem e ajudam. Outro dia as mulheres decidiram ir todas juntas para uma plantação colher batatas doces e me convidaram. Naquele instante, meu irmãos estava comigo e não foi convidado. Só Mulheres”! Contou Kohler.
An Araweté family grilling fish in Juruanty village one evening.


Uma família Awaretê assando peixe no final da tarde na aldeia Juruanty. Foto: Alice Kohler

6 A primeira visita de Kohler aos Awaretês aconteceu em 2009 quando ela encontrou um grupo de homens quatro anos antes em Altamira, durante os Jogos das Nações Indígenas. Na ocasião ela trabalhava para o governo.

 “Depois do evento fui contatada pelo professor de uma aldeia, perguntando se eu poderia ajudar em um pequeno projeto, como organizar doações para projetos de higiene como a compra de dentifrício”, contou ela. “Daí, comecei a fazer pequenos projetos com eles, e finalmente os visitei em 2009.”
Araweté eating in a ribeirinho’s house.

Crianças e mulheres Awaretês comendo na casa de um ribeirinho. Foto: Alice Kohler

7 “Estava com um médico – Aldo Lo Curto – na época desta foto,” disse Kohler. “Este grupo Awaretê tinha acabado de se mudar para um lugar onde os pescadores – ribeirinhos – costumavam usar para viver. Era um sábado e os Awaretê resolveram jogar futebol na terra dos brancos ao lado. Os ribeirinhos, como vizinhos, queriam ser hospitaleiros. Foi uma ocasião surreal. Os Awaretê apenas entraram em suas casas, sentaram à mesa e pediram comida. Para eles, tudo era novidade.”
Araweté women and children suffering from flu.


Crianças e mulheres Awaretê com gripe. Foto: Alice Kohler

8 Kohler informa que o governo, através da FUNAI – Fundação Nacional do Índio, costuma fornecer remédios naturais para patologias e doenças, mas agora, a  SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena, parte integrante do Ministério da Saúde, proibiu o uso destes remédios e introduziu os “medicamentos dos grandes laboratórios”.

 “Na época desta foto eles estavam realmente muito gripados e as mulheres estavam tratando suas crianças com xarope natural de cumaru”, disse Kohler. “Eles ainda tem os seus xamãs tradicionais, mas neste momento acreditam que os novos “remédios do povo branco” são superiores, mesmo quando ainda têm suas plantas medicinais naturais. Essa mudança está diluindo seu conhecimento tradicional, que está sendo perdido em um curto espaço de tempo.”
An Araweté man from Ipixuna village.

Um Awaretê de uma aldeia do Ipixuna. Foto: Alice Kohler

9 Segundo Kohlert, o complexo da Barragem de Belo Monte, embora esteja a 200 quilômetros rio abaixo, está destruindo o modo de vida dos Awaretês, e neste momento eles estão em processo de etnocídio. Como parte do denominado “Plano de Emergência” da companhia brasileiro que toca o projeto, Norte Energia, lhes deu botes e gasolina, providenciando também um salário mensal. De acordo com Kohler, esse dinheiro acabou por causar conflitos e forçou a divisão das aldeias, levando os Awaretês a consumir cada vez menos seus alimentos originais, introduzindo uma nova dieta – que inclui açúcar, refrigerantes e biscoitos baratos – que estão causando diabetes. Os novos botes permitem que cheguem bem mais rápido a Altamira, mas também faz com que contraiam doenças mais facilmente.

 “É o que o ‘progresso’ está fazendo com eles”, afirma ela. “O dinheiro de Monte Belo está matando os Awaretês aos poucos.”

Mas o que Kohler quer dizer com ‘etnocídio’? – “Que eles estão perdendo sua cultura – sua comida, sua linguagem, suas tradições. Claro, todos os povos mudam, mas algumas vezes sentimos que a mudança está ocorrendo tão rápido que os próprios povos indígenas não têm tempo de entender o que está acontecendo e, por causa disso, não podem controlar seu próprio futuro. Eles precisam ser aqueles que decidem se querem ou não manter sua cultura!”

A opinião de Kohler é compartilhada por muitas pessoas, entre eles a procuradora Thais Santi, de Altamira, que afirma que Belo monte está causando um etnocídio entre muitas populações indígenas na região e que o “Plano de Emergência” foi uma estratégia deliberada da Norte Energia para silenciar a oposição à construção de represa. O gabinete da procuradora federal está acusando a companhia e mais duas instituições estatais brasileiras, entre as quais a FUNAI, de “ações etnocidas” contra nove povos indígenas, entre eles os Awaretês.

 “Esta [etnocídio] é a tese que a procuradora, Thais, levantou” declarou ao Guardian Carolina Reius, da ONG brasileira Instituto Socioambieltal (ISA). “Faz todo o sentido”.

Chamada a responder às acusações de etnocídio, a Norte Energia declarou que a acusação é totalmente “irracional e inapropriada”, baseada claramente em uma “posição ideológica”. A companhia disse ao Guardian que “uma de suas principais prioridades é tornar certo que as aldeias [indígenas] preservem suas tradições”, através de um “Projeto Ambiental Básico – Componente Indígena” no qual já teria gasto mais de 390 milhões de dólares em 34 aldeias, que está construindo casas, que está erguendo escolas e “unidades de saúde” e que a principal razão para a ação dos procuradores federais foi o “Plano de Emergência” que seria de “total responsabilidade da FUNAI”.

 “Ao contrário do que propagam [os procuradores federais], as aldeias estão recebendo serviços e trabalhos em várias frentes para assegurar sua segurança territorial, ambiental, alimentar e cultural, centrados em nove raças de 11 territórios indígenas”, afirmou a Companhia.
An Araweté woman along the Ipixuna river.

Uma mulher Awaretê nas margens do Rio Ipixuna. Foto: Alice Kohler

10 “as borboletas são abundantes nesta área e vêm para aproveitar o sal nas areias da margem”, diz Kohler. “Esta jovem estava brincando com as borboletas... ela estava muito feliz,como a maioria dos Awaretês, quando estão em equilíbrio com seu meio ambiente”.

Kohler neste momento está muito preocupada com as operações projetadas pela mineradora Belo Sun  Mining. O projeto Volta grande, como é chamado, está localizado rio abaixo dos Awaretês e deverá afetar outros povos indígenas diretamente, mas ela acredita que acabará por prejudicar também aos Awaretês.

Kohler disse que organizações como a ISA e Xingu Vivo estão apoiando os Awaretês em relação a Belo Sun e que ela “falou com eles por muitas vezes e por vários anos sobre o assunto, mas eles não conseguem entender o quão perigoso é tudo isso para o seu futuro. Para eles, é muito difícil compreender as possíveis implicações porque vivem uma vida diferente e em ritmo diferente. Tenho um convite para visitá-los novamente em maio e vou ver se conseguirei vê-los novamente então”.

A FUNAI não respondeu aos pedidos para que comentasse o assunto.



https://www.theguardian.com/environment/andes-to-the-amazon/2017/mar/31/the-river-is-life-a-photographer-among-the-arawete-in-brazil 



Comentários

  1. 'embora esteja a 200 quilômetros rio abaixo, está destruindo o modo de vida dos Awaretês, e neste momento eles estão em processo de etnocídio.'

    Lavagem cerebral! Leia o que escreve estúpido!

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  2. 'embora esteja a 200 quilômetros rio abaixo, está destruindo o modo de vida dos Awaretês, e neste momento eles estão em processo de etnocídio.'

    Lavagem cerebral! Leia o que escreve estúpido!

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