Com o grande acordo Irã/China, Trump colhe a tempestade que semeou

Texto de Tom Luongo – tradução de btpsilveira

Por mais de três anos venho tentando explicar que a política externa do presidente Trump faz com que alcance exatamente o oposto do que queria.
Trump, aconselhado por pessoas como John Bolton, o secretário de estado Mike Pompeo, o primeiro ministro de Israel Benjamin Netanyahu e o príncipe saudita Mohammed bin Salman (MBS)buscou uma campanha de pressão máxima contra o Irã na esperança de que o regime ou desabasse ou buscasse a paz.

Trump foi alertado tanto pelo Premier chinês Xi Jinping quanto pelo presidente russo Vladimir Putin que os iranianos prefeririam comer terra antes de submeter-se a ele quanto a armas nucleares, apoio para o Hezbollah, ao Iraque e ao presidente sírio Bashar al-Assad.
De fato, Trump e Pompeo argumentaram com o Irã para que desistisse de sua soberania para acalmar os receios de Netanyahu em Israel, mas os iranianos simplesmente sugeriram que Bibi e Donald fossem para o inferno.
A cada seis meses mais ou menos, dependendo da situação em casa, as tensões com o Irã alcançavam um nível mais alto. Durante as duas últimas semanas uma série de explosões ocorreu em instalações militares iranianas e todos os indícios apontam na direção de Israel, que pretenderia assim atingir alvos estratégicos na República Islâmica.
Atarefado com as insurreições domésticas desfavoráveis a ele, Trump deixou sua política externa em mãos de Pompeo que começou a achar que poderia colocar o carro na frente dos bois, tentando estender o embargo de armas contra o Irã nas Nações Unidas e afirmar ao mesmo tempo que teria o direito de abandonar unilateralmente o acordo JCPOA (Plano de Ação Conjunta Global – acordo firmado entre Irã e outras nações, relacionado ao programa nuclear iraniano) sem quaisquer consequências futuras.
Resumindo: Rússia, China e Europa disseram “não”.
Agora sabemos por quê. China e Irã acabaram de assinar um acordo estratégico revolucionário para os próximos 25 anos, que cobre tudo, desde venda de petróleo, contratos de licitação e enormes atualizações para as capacidades antiaéreas do país e para a sua força aérea.
O acordo pairava no ar desde o final de semana quando o ministro iraniano de Relações Exteriores Javad Zarif informou parlamentares iranianos sobre o acordo pendente.
De Simon Watkins, no site Oilprice.com via ZeroHedge onde se alegava que o acordo na realidade estava assinado desde o ano passado:

Um dos elementos secretos do acordo assinado ano passado é que a China investirá $280 bilhões de dólares para desenvolver o Petróleo, gás natural e setor petroquímico iraniano. Essa quantia será adiantada nos primeiros cinco anos do acordo de 25 anos, e o entendimento é que futuras quantias poderão estar disponíveis em cada período subsequente de cinco anos, desde que as duas partes concordem. Outros $120 bilhões de dólares estarão disponíveis para investimentos e também poderão ser adiantados no período dos cinco primeiros anos para a modernização da infraestrutura de transporte e manufatura do país, e a quantia também poderá ser aumentada em cada período subsequente de cinco anos, dependendo de acordo das duas partes. Em troca, as companhias chinesas serão a primeira opção nas licitações de quaisquer projetos iranianos de exploração e petróleo, gás e produtos petroquímicos: novos, paralisados ou incompletos. A China também poderá comprar qualquer e todo o petróleo, gás e petchems (produtos petroquímicos – NT) com um desconto mínimo garantido de 12 por cento sobre a taxa média de seis meses de produtos similares, mais 6 a 8 por cento dessa métrica para compensação de ajuste de risco. Finalmente, a China terá a garantia de poder atrasar o pagamento por dois anos e, principalmente, poderá pagar em soft currencies (moedas com valores flutuantes, predominantemente mais baixos, por causa das incertezas econômicas de dado país – NT) que tem acumulado ao fazer negócios na África e nos países que formavam a extinta União Soviética.

Quase dá para ouvir daqui os soluços de MBS. Porque não há como a Arábia Saudita competir com isso. Trata-se de um movimento estratégico iraniano que garante que:

O Irã assegura suas exportações de petróleo apesar das sanções dos EUA;
A economia iraniana se descolará do dólar mais rapidamente;
O Irã, e por extensão o Iraque integrar-se-ão ao projeto chinês Um cinturão, Uma Estrada;
A posição de liderança entre os países árabes produtores de petróleo da Arábia Saudita será destruída e
A capacidade iraniana de resistir às sanções dos Estados Unidos aumentará dramaticamente.


Tudo isso se encaixa no fato de que a China passou a evitar o petróleo saudita preferindo o petróleo russo dos Urais. Ao mesmo tempo, a China está trabalhando para montar um grupo forte de compradores para no futuro marginalizar a política saudita de fixar o preço do petróleo numa base mensal.
Acrescente-se que a China quer que Shangai domine os contratos futuros de petróleo no mercado global. Esse tipo de contrato é peça chave para aprofundar a liquidez do Yuan chinês.
Mudar o comércio de petróleo para onde ele possa ser negociado em tempo real seria uma bênção para o mercado. A maioria dos Estados Árabes estabelecem seus preços no início do mês e não admitem mudança.
Vamos ligar isso ao que acontece em Hong Kong, onde o presidente Trump está ameaçando o Dólar de Hong Kong, amarrado ao dólar (norte)americano, para tentar causar prejuízo para a economia chinesa.
Acontece que isso é justamente o que a China quer. É claro que o país não quer que Hong Kong continue sendo a fonte da liquidez internacional da China, porque retarda a internacionalização do Yuan como moeda de liquidação (no mercado de câmbio internacional, as moedas são negociadas aos pares. A primeira é chamada moeda de transação e a segunda, moeda de liquidação, também conhecida como moeda de pagamento. No exemplo: BRL.USD – o dólar será a moeda de liquidação ou pagamento –NT).
Mantenho-me firma na crença de que a China está pronta par deixar Hong Kong acabar como centro financeiro. Prepara-se par mover seu centro financeiro para Shangai, onde comercia seus contratos futuros de petróleo e ouro, conversíveis em ouro.
A ironia de todas essas idas e vindas é que Trump nunca quis uma guerra contra o Irã, como provaram os acontecimentos dramáticos do último ano. Ele só queria forçar todo mundo a sentar-se à mesa de negociações e renegociar os termos do acordo JCPOA em termos favoráveis a Israel.
Só que escolheu os modos e a forma pelos quais fez isso foi ao mesmo tempo profundamente insultuoso e humilhante.
Povos orgulhosos como são os iranianos não respondem a esse tipo de provocação barata tipo gangsterismo, e Trump rapidamente descobriu que tratar políticas internacionais como se fossem a negociação de ativos imobiliários não funciona.
Sempre haverá alguém observando para depois tirar vantagem da situação. Aconteceu exatamente isso com o acordo entre Irã e China, a qual estava sempre nos bastidores esperando uma chance.
Israel forçou Trump a abandonar o tratado JCPOA para tirar vantagem do agravamento da situação. Netanyahu aproveitou como justificação para mandar sua força aérea bombardear alvos não só na Síria, mas também no Iraque e Irã, aumentando a probabilidade de fazer Rússia e China intensificarem sua presença para defender a região e seus aliados.
Cada argumento que me apresentaram nos últimos quatro anos sobre a situação regional apontava para a ideia de que a Rússia e a China não sairiam em ajuda ao Irã.
No entanto, foi exatamente o que aconteceu.
Tudo o que Trump fez foi ajudar a China a conquistar termos melhores no seu acordo com o Irã do que teria se ele não se comportasse como um elefante em uma loja de louças.
Agora que o mundo tomou conhecimento do acordo descobrimos porque Mike Pompeo estava desesperado para reinstituir os embargos de armas contra o Irã através das previsões snap-back (gatilho que dispara sanção automática contra o violador de termos de determinado acordo ou tratado – NT) do JCPOA.
Ocorre que parte do acordo assinado prevê que a China e a Rússia venderão ao Irã meios de melhorar expressivamente tanto suas defesas antiaéreas (principalmente através da entrega do sistema russo S-400) quanto sua força aérea.
Citando mais uma vez Watkins, do Oilprice:
O Oilprice.com tomou conhecimento através de fontes iranianas que os bombardeios a serem entregues serão os Tu-22M3s russos de longo alcance modificados e melhorados pela China, com uma especificação de alcance de 6.800 quilômetros (2.410 quilômetros carregado com seu armamento típico), e os aviões de combate serão Sukhoi Su-34, bombardeio de ataque de médio alcance para todos os climas, mais os aviões “stealth” de ataque Sukhoi-57. É bom prestar atenção ao fato de que em agosto de 2016, a Rússia usou a base aérea de Hamedan para lançar ataques contra alvos na Síria usando tanto os Tu-22M3s quanto os Su-34. Ao mesmo tempo, os navios militares russos e chineses poderão usar os récem criados portos de uso duplo em Chabahar, Bandar-e-Bushehr e Bandar Abbas, construídos por companhias chinesas.
Além disso, o exército iraniano integrará os protocolos estruturais dos sistemas de guerra eletrônica (EW) russos. Não se esqueçam que a Rússia considera a EW como parte integrante e vital de suas capacidades militares. Não se trata de apenas um complemento para grandes operações militares.
A Guerra Eletrônica está integrada no exército russo até o nível de esquadrão (pequena unidade militar – NT).
Resumindo: o acordo cimenta o eixo Rússia/China/Irã como algo inquebrantável. Por quase quatro anos a administração Trump o empurrou para tentar quebrar a aliança, mas as táticas escolhidas causaram o efeito oposto de juntar ainda mais os países.
Décadas de política do porrete sem cenoura não tiveram capacidade de produzir qualquer acordo, nem foi capaz de criar uma barreira entre esses países.
Assim, estamos na seguinte situação, muito perigosa: A posição dos EUA no Iraque atualmente é precária, e da mesma forma na Síria. Agora, com o fluxo de dinheiro chinês o Irã não só poderá reconstruir suas estruturas comerciais para a exportação de petróleo e gás como também poderá apoiar de maneira muito mais efetiva seus aliados no Líbano, Síria e Iêmen.
Os mesmos que colocaram Trump à beira da guerra continuam sussurrando maus conselhos em seus ouvidos. Eles estão pressionando por uma política de terra arrasada de privação econômica efetivando conflitos sociais e políticos.
Pois tudo isso conseguiu criar para a China e oportunidade de sair de trás das cortinas para as luzes do palco.
A agora, pelo imperdoável pecado de não fazer a guerra contra o Irã, ele está sendo assado em fogo baixo pelos conservadores em Washington, que uniram forças abertamente com os Democratas para fazer campanha contra ele.
Se quiser permanecer no poder terá que apaziguá-los mais uma vez na medida em que sua estratégia contra a China e contra a União Europeia chegará a um clímax em outubro, quando o embargo de armas contra o Irã expira.
Artigo após artigo expliquei pacientemente como e porque Trump e os Estados Unidos não tem nenhuma influência verdadeira sobre o Irã a não ser bombardear o país de volta à idade da pedra. Isso nunca acontecerá sob os olhos de Trump, porque o Irã jamais lhe dará o motivo para uma resposta desse nível.
Mesmo o ataque contra as bases dos Estados Unidos no Iraque em janeiro, em resposta ao mal calculado assassinato do General Qassem Soleimani foi cuidadosamente medido, preciso e, oficialmente, sem mortes entre (norte)americanos. Se em qualquer ocasião houve um momento no qual os iranianos poderiam ter cometido um erro estratégico que disparasse a fúria de Trump, o momento foi aquele.
Uma vez que aquele blefe foi chamado, decretou o fim do Domínio da Energia pelos EUA e de toda a estratégia de isolamento do Irã.
Ao mesmo tempo, aqueles bombardeios demonstraram capacidade de ataque iraniana bem além de qualquer coisa da qual Trump possa ter sido informado por seus conselheiros.
As consequências poderiam ter sido desastrosas, especialmente para não apenas a Arábia Saudita, que teve um pequeno exemplo do que lhe poderia acontecer, mas também para Israel.
Naquela ocasião, nos preocupamos com o que poderia acontecer caso o Irã atacasse navios tanques no Golfo Pérsico, mandando o preço de petróleo para estratosféricos $200 dólares o barril. O colapso dos derivativos e subsequente disrupção da cadeia de suprimentos poderia ser existencial.
Hoje estamos vivendo um momento exatamente oposto, e o petróleo caiu para $18 dólares o barril, graças a Vladimir Putin finalmente ter dito à OPEP e aos Estados Unidos: “NÃO”.
O resultado é o quase o mesmo, com o desabamento dos mercados financeiros ocidentais ao ponto da autodestruição, que pouco a pouco mergulha os Estados Unidos e a Europa no caos político.
Neste vácuo, a China e a Rússia podem se mover abertamente na Ásia Central e impor suas vontades quanto ao futuro da região sem ter que lutar, a não ser em pequenas escaramuças quase inofensivas.
A China assegura suas necessidades futuras de energia e linhas de suprimento comercial através do continente. Estabelece-se como o novo poder moderador na região ao lado da Rússia, a qual fornece o poderio militar, enquanto os Estados Unidos, abatido e maltratado, só pode tentar abafar problemas na retaguarda, enquanto seus aliados caem na irrelevância.




Comentários

Postagens mais visitadas