Face a face com a China, o Reino Unido piscou




Texto de Finian Cunningham, no site Strategic Culture Foundation. Tradução por btpsilveira

Apregoada em altos brados, a resposta dura prometida pelo governo britânico contra a China por supostas violações de direitos humanos acabou por virar conversa fiada. Não há dúvidas de que um súbito choque de realidade da dependência econômica da Inglaterra em relação à China teve um efeito claro no antagonismo contra Pequim em Downing Street.
Dominic Raab, Secretário Britânico para o Exterior fez um pronunciamento muito esperado na Câmara nesta semana, anunciando que Londres estava suspendendo um tratado de extradição com a antiga colônia de Hong Kong em protesto porque Pequim implementou leis de segurança no território.

O Reino Unido segue as pegadas dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, que também extinguiram esses tratados de extradição com Hong Kong. Acusam Pequim de prejudicar liberdades políticas legadas ao território no acordo de transição feito com a Inglaterra em 1997. A China afirma que as novas leis de segurança são necessárias na repressão aos conflitos apoiados pelo ocidente na região administrativa especial que, em última análise, está sujeita à soberania chinesa.
Entretanto, no final, as medidas punitivas de Raab, tão esperadas, não foram suficientes para alguns parlamentares mais radicais do partido conservador, além de outros parlamentares que estão raivosos porque o governo não deu início a sanções contra funcionários chineses. Resumindo, foi um anticlímax.
O que ocorre de fato é que o governo parece estar tentando apagar um incêndio político com a China que teve início recentemente. A decisão tomada semana passada de excluir a empresa chinesa Huawei da rede britânica de telecomunicações, bem como relatos de que um porta aviões britânico estava sendo enviado para o Mar do Sul da china desencadeou uma reação furiosa de Pequim, que acusou Londres de hostilidade e de iniciar uma nova Guerra Fria.
Ironizando, o embaixador chinês para a Inglaterra disse à BBC que a Inglaterra estava dançando de acordo com a música imposta por Washington, prometendo ao mesmo tempo contragolpear com medidas econômicas e diplomáticas.
No mesmo dia em que o Secretário Raab apresentou sua resposta para a questão de Hong Kong, baixou o tom de seu entusiasmo precipitado logo em seguida. Em discurso na Câmara dos Comuns, Raab surpreendeu alguns observadores ao dizer que a Inglaterra queria um “relacionamento positivo” com a China.
Disse ele: “há muito a ganhar para os dois países, há muitas áreas nas quais podemos trabalhar produtiva e construtivamente para benefício mútuo”.
No mesmo dia, também o Primeiro Ministro Boris Johnson sinalizou uma reviravolta da posição inicial de arrogância com Pequim. Johnson disse que há necessidade de “equilíbrio” a ser alcançado nas relações entre o Reino Unido e Pequim. “Não serei forçado para uma posição de se tornar um sinófobo instintivo com qualquer assunto, uma pessoa que é automaticamente contra a China”, disse.
Johnson afirmou que não poderia “abandonar completamente nossa política de envolvimento” com Pequim, acrescentado: “a China é um fator gigantesco em geopolítica... você tem que ter uma resposta equilibrada e nós seremos duros em algumas coisas, mas também vamos continuar com nossos compromissos”. O que sugere que as autoridades britânicas acordaram rudemente, mas atrasadas, de suas ilusões de grandeza pós colonial no que tem a ver com suas relações com a China.
Estamos no século 21, e o Reino Unido não é páreo para a China, econômica ou militarmente. A economia chinesa – a segunda maior no mundo depois dos EUA (conforme alguns critérios já a primeira – NT) é seis vezes maior que a da Inglaterra e a China gasta cinco vezes mais em seu orçamento militar anual.
A economia britânica depende muito do investimento externo direto da China. Há muito mais investimento do capital chinês na Inglaterra que em qualquer outro lugar na Europa ou América do Norte. Depois dos obstáculos para a Huawei, a China pode atingir duramente a economia britânica se suas companhias redirecionarem capital para outras destinações ocidentais. A relocação de recursos pode ocorrer depois da perda de confiança das empresas chinesas na Inglaterra.
Por exemplo: a companhia chinesa de mídia social Tik Tok estaria repensando seus planos para fazer da Inglaterra seu quartel general no exterior por causa das atitudes de Londres contra a Huawei. Cerca de 3000 empregos britânicos estarão no limbo se a Tik Tok cancelar seus planos para o Reino Unido.
Outro fato a ilustrar que a Inglaterra precisa muito da China é a dependência das universidades inglesas de estudantes chineses para seus rendimentos. Um relato recente demonstra que muitas das suas universidades mais prestigiosas são dependentes de fundos chineses que somam cerca de um terço do total de sua renda.
Tais realidades econômicas frias parecem ter forçado o governo Johnson a uma pausa para repensar seu namorinho com posturas de Guerra Fria contra a China. É como se os ministros britânicos tivessem momentaneamente esquecido que sua nação atualmente não é nem sombra do que foi no passado de poder imperial. Juntaram-se sofregamente à política (norte)americana de reforço de hostilidade com Pequim só para entender na marra que deram um passo maior que as pernas.
Daí as tentativas visíveis de amenizar as “medidas punitivas” que Londres ameaçava tomar contra Pequim. Cancelar tratados de extradição é mais simbólico que prático, mas a súbita baixa no tom da imposição de sanções contra a China parece indicar que os ministros britânicos receberam um recadinho dos mandarins de Whitehall dizendo que ou eles baixavam o tom da retórica hostil ou então deveriam se preparar para encarar repercussões econômicas descomunais.
Parece significante que o secretário de estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, voou para Londres horas após Johnson e Raab expressarem suas reticências sobre continuar no caminho da Guerra Fria contra a China. Alega-se que Pompeo teria mantido conversações com o Primeiro Ministro e seu ministro de relações exteriores, para os estimular a manter uma linha mais dura contra a China.
Este é o dilema de Londres por ser vassalo de Washington. Está sendo empurrado para complementar o trabalho de Washington contra Pequim, mas os britânicos sabem muito bem que não se podem dar ao luxo de provocar a ira da China. Ver Johnson tentando se equilibrar nessa corda bamba é revelador de uma fraqueza embaraçosa.



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