A Rússia rompe o monopólio de Wall Street para os preços do petróleo

F. William Engdahl – New Eastern Outlook
tradução por btpsilveira

A Rússia acaba de dar passos importantes no sentido de quebrar o atual monopólio dos preços do petróleo por Wall Street, pelo menos em grande parte do mercado mundial de petróleo. O movimento faz parte de estratégia de longo prazo para separar a economia da Rússia, especialmente suas grandes exportações de petróleo, do Dólar (norte)Americano, que representa hoje o calcanhar de Aquiles da Rússia.


No final de novembro o Ministro da Energia russo anunciou que começariam os testes comerciais de um novo parâmetro (referencial) relacionado ao petróleo russo. A medida pode soar como coisa de menor importância para muitos, porém é séria. Se bem sucedida, e não há razão para que não seja, o referencial para os futuros contratos de petróleo crude comercializados pela Rússia serão denominados em Rublos e não mais em Dólares (norte)Americanos. A medida faz parte da desdolarização iniciada em surdina, promovida pela Rússia, China e um número crescente de países.

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O touro de Wall Street
O estabelecimento de um parâmetro (referencial) para o preço do petróleo é o coração do método usado pelos maiores bancos de Wall Street para controlar os preços mundiais do petróleo. Colocando-se em termos de movimentação de dólares, o petróleo hoje é simplesmente a maior commodity mundial. Atualmente, a referência de preço para o petróleo Crude russo é o preço do petróleo tipo Brent. O problema é que os campos de Brent, bem como outros grandes campos do Mar do Norte estão em grande declínio, o que significa na prática que Wall Street está usando uma referência que quase não existe mais para aumentar seu controle sobre grande parte da produção mundial de petróleo. Outro problema reside no fato de que os contratos de Brent são controlados essencialmente por Wall Street com as inevitáveis manipulações de bancos como Goldman Sachs, Morgan Stanley, J P Morgan Chase e Citibank.

A extinção do “Petrodólar”

A venda do petróleo com denominação em dólar é essencial para que o dólar (norte)americano não entre em colapso total. Por sua vez, a manutenção da demanda por dólares pelos bancos centrais mundo afora como moeda de reserva para comércio com o estrangeiro de países como a China, Japão ou Alemanha, é primordial para que o dólar dos Estados Unidos se mantenha na liderança das moedas usadas como reserva no mundo inteiro. Essa condição de liderança do dólar como moeda de reserva é um dos pilares da hegemonia (norte)americana desde o final da Segunda Guerra Mundial. O segundo pilar é a supremacia militar.

As guerras dos Estados Unidos são financiadas com os dólares dos outros

Como as outras nações precisa adquirir dólares para pagar suas importações de petróleo e outras commodities, países como a Rússia ou a China tipicamente investem o excesso de dólares ganhos por suas companhias formando reservas em bônus do governo dos Estados Unidos ou outros títulos (norte)americanos. O outro único candidato suficientemente grande para isso, o Euro, desde a  crise grega de 2010 é visto com certa desconfiança.

Resultado de imagem para padrão ouroO papel de líder como moeda de reserva do dólar dos Estados Unidos, desde agosto de 1971, quando o dólar saiu do padrão ouro, na realidade é o que permite que os governos dos Estados Unidos caminhem aparentemente despreocupados através de déficits sem fim, sem ter que se preocupar com taxas de juros crescentes ou não. É como se você tivesse uma conta no banco e crédito ilimitado, permanentemente.

Com efeito, isso permitiu a Washington criar um déficit federal recorde de 18,6 trilhões de dólares (US$ 18.600.000.000.000) sem maiores preocupações. Hoje, a proporção da dívida dos Estados Unidos em relação ao seu PIB é de 111%. Em 2001, quando George W. Bush assumiu o poder e antes de serem gastos trilhões de dólares na “Guerra ao Terror” no Afeganistão e no Iraque, o débito dos Estados Unidos era proporcionalmente a metade: 55% do PIB. A expressão mais ouvida em Washington é a seguinte: “O débito não importa”, uma vez que a percepção é que países através do mundo – Rússia, China, Japão, Índia, Alemanha – irão comprar o déficit (norte)americano com o excedente de dólares de suas relações comerciais. A capacidade de Washington de continuar desempenhando o papel de reserva monetária mundial através de sua moeda é estratégia prioritária para Washington e Wall Street e é umbilicalmente ligada à forma pela qual se determinam os preços do petróleo no planeta.

No período até o final dos anos 1980s, os preços mundiais de petróleo eram determinados em grande parte pelo suprimento diário real em confronto com a demanda. Quem determinava eram os vendedores e compradores de petróleo. Então, o banco Goldman Sachs resolveu adquirir a pequena corretora de commodities de Wall Street, J. Aron, nos anos 80s. O que objetivavam era mudar a forma pela qual o petróleo era comercializado nos mercados mundiais.

Foi o advento do “petróleo de papel”, petróleo comercializado no mercado de futuros, com contratos independentes da entrega do petróleo físico, ficando fácil para os bancos a manipulação e preços com base em rumores e malversação do mercado de derivativos, pois um punhado de bancos de Wall Street dominavam o comércio de petróleo futuro e sabia quem negociou com quem e em que proporção, com conhecimento interno que raramente é mencionado sem um xingamento. A comercialização do petróleo começou a ser transformada em um cassino onde Goldman Sachs, Morgan Stanley, J P Morgan Chase e outros bancos gigantes de Wall Street trabalhavam para lucrar com a sujeira.

Resultado de imagem para opep logoNa sequência do aumento de cerca de 400% no preço do petróleo pela OPEP em apenas alguns meses após a Guerra do Yom Kippur em outubro de 1973, o Tesouro dos Estados Unidos enviou um emissário de alto nível para a capital da Arábia Saudita, Riad. Em 1975, o Secretário Assistente do Tesouro dos Estados Unidos, Jack F. Bennett, foi mandado para a Arábia Saudita para assegurar um acordo com a monarquia no qual todo o petróleo comercializado pela OPEP seria denominado em dólares, não em Yenes japoneses, nem em Marcos alemães e qualquer outra moeda. Depois disso, Bennett acabou assumindo um emprego muito bem remunerado na Exxon. Os sauditas receberam equipamentos de ponta e garantias militares em troca e desde essa data, apesar de todos os esforços de países importadores de petróleo, o petróleo é vendido nos mercados mundiais apenas em dólares e o preço é determinado por Wall Street, através do controle de derivativos ou de bolsas de futuros, tais como a International ExChange ou “ICE” em Londres, a bolsa de commodities NYMEX em Nova Iorque ou a Dubai Mercantile ExChange, em Dubai, os quais adotam como referência o preço do petróleo Crude árabe. Todos são propriedade de um pequeno grupo muito unido de bancos de Wall Street – Goldman Sachs, J P Morgan Chase, Citigroup e outros. Já na época o Secretário de Estado Henry Kissinger teria afirmado que “se você controla o petróleo, controlará nações inteiras.” O petróleo tem sido o coração do sistema dólar desde 1945.

A importância do referencial russo

Hoje, os preços das exportações russas de petróleo são estabelecidos de acordo com o preço do Brent comercializado em Londres ou Nova Iorque. Com o lançamento do comércio com referencial russo isso deverá mudar, provavelmente de forma dramática. Os novos contratos para o Crude russo serão denominado em Rublos e não Dólares, a ser comercializado na bolsa St. Petersburg International Mercantile ExChange  (SPIMEX).

Resultado de imagem para North sea oilO parâmetro Brent para os contratos usados no presente para determinar o preço do petróleo não oi faz apenas em relação ao petróleo russo, mas de cerca de dois terços do petróleo comercializado no mundo. O problema é que a produção do Mar do Norte do Brent está declinando dia a dia, a ponto de chegar ao absurdo de apenas um milhão de barris da produção do Brent determinar o preço de 67% da comercialização mundial de petróleo. O contrato referenciado em Rublos russos, caso haja aceitação, pode causar um grave dano na demanda por petrodólares.

A Rússia é o maior produtor de petróleo do mundo, então a criação de um referencial russo para o petróleo, independente do dólar, é significante, para dizer o mínimo. Em 2013, a Rússia produziu 10,5 milhões de barris por dia (bpd), um pouco mais que a Arábia Saudita. Como a principal fonte de energia consumida na Rússia é o gás natural, 75% do total de seu petróleo pode ser exportado. A Europa é de longe o maior consumidor do petróleo russo, comprando 3,5 milhões de barris por dia. O Blend Ural, uma mistura das variedades de petróleo russo é o principal tipo de petróleo exportado pela Rússia. Os principais consumidores do petróleo russo são a Alemanha, a Holanda e a Polônia. Para colocar o referencial russo em perspectiva, os outros principais fornecedores de petróleo para a Europa – Arábia Saudita (890.000 bpd), Nigéria (810.000 bpd), Kazaquistão (580.000 bpd) – estão muito atrás dos números russos. Para completar, a produção de petróleo pela Europa está em rápido declínio. A produção europeia caiu abaixo de 3 mb/d (milhões de barris por dia) em 2013, como consequência do constante declínio da produção no Mar do Norte, que por sinal, é o referencial Brent adotado para a base de preços do petróleo.

O fim da hegemonia do dólar será benéfica para os Estados Unidos

O movimento russo na direção de comercializar seu petróleo com preços em Rublos em suas grandes exportações para os mercados mundiais, especialmente Europa e atualmente (em rápido crescimento) para a China e Ásia, através do gasoduto ESPO e outras rotas, usando o referencial russo para o petróleo em São Petersburgo não é a única movimentação para diminuir a dependência dos países em relação à compra de petróleo apenas em dólares. Em algum momento no início do próximo ano, a China, segundo maior importador de petróleo no mundo, planeja lançar o referencial chinês para os contratos petrolíferos. Da mesma forma que a Rússia, o referencial da China será denominado não em dólares, mas em Yuans chineses. Deverão ser comercializados pela Shangai International Energy ExChange.

Um passo depois do outro, a Rússia e a China, além de outros países de economias emergentes estão tomando suas medidas para diminuir a dependência do dólar (norte)americano. Querem “desdolarizar”.  O petróleo é a maior e mais valiosa commodity comercializada e hoje é inteiramente cotada em dólares. No final, se tudo der certo, a capacidade do complexo industrial militar dos Estados Unidos de promover guerras sem fim poderá se ver em sérios problemas.

Quem sabe isso possa abrir algumas portas, ventilar ideias mais pacíficas, como por exemplo gastar o dinheiro pago pelo contribuinte (norte)americano para reconstruir a péssima infraestrutura econômica dos Estados Unidos. A Sociedade (norte)Americana de Engenheiros Civis (ASCE na sigla em inglês – NT) estimou no ano de 2013 que é necessária a quantia de 3,6 trilhões de dólares em investimento em infraestrutura básica nos próximos cinco anos. Eles relatam que sofrem de deficiências estruturais uma em cada nova pontes das rodovias (norte)americanas, em um total de mais de 70.000 pontes através do país que apresentam tais deficiências. Mais de um terço das rodovias estão em condições lamentáveis. Como a capacidade do Canal de Panamá será em breve expandida, apenas 2 dos 14 maiores portos da Costa Leste serão capazes de receber os navios superdimensionados que em breve poderão atravessar o canal. No mundo inteiro já existem mais de 22.400 quilômetros de trens de alta velocidade em operação. Nenhum deles se encontra os Estados Unidos.

Tais gastos com infraestrutura, além de necessários seriam muito mais benéficos como fonte real para a criação de empregos e receita tributária para os Estados Unidos que as guerras sem fim de John McCain. As obras com infraestrutura, como já se observou antes em vários artigos, criam um efeito multiplicador para a efetivação de novos mercados. A eficiência econômica e as receitas fiscais originadas com obras de infraestrutura rende aproximadamente a proporção de 11 para 1 em cada dólar investido bem como torna a economia muito mais eficiente.

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rodovia nos EUA
Um declínio dramático no papel do dólar como moeda de reserva mundial, se integrado a uma redefinição ao estilo russo em que os (norte)americanos estivessem dispostos a reconstruir a economia dos Estados Unidos em vez de tentar terceirizar tudo (até as próprias guerras – NT) poderia ajudar de maneira decisiva o equilíbrio de um mundo atualmente enlouquecidos com guerras que nunca terminam. Como em um paradoxo, deixar de fornecer a Washington a capacidade de financiar suas guerras intermináveis no futuro através dos investimentos da China, Rússia e outros países que compram a dívida do Tesouro dos Estados Unidos poderia se tornar uma contribuição inestimável para uma verdadeira paz mundial. Não seria bem vinda uma mudança assim?


F. William Engdahl

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