O exército dos EUA excluiu a Casa Branca das negociações internacionais sobre a Síria

por Moon of Alabama, com tradução de btpsilveira

21 de dezembro de 2016 "Information Clearing House" - "Moon Of Alabama" – o jornal New York Times lamentou hoje que as negociações internacionais em curso sobre a situação na Síria estão se dando sem a participação dos Estados Unidos: Russia, Irã e Turquia promovem encontro para conversações sobre a Síria – EUA excluídos.

Nesta terça feira houve um encontro entre Irã, Turquia e Rússia para trabalhar na criação de um acordo político que coloque um fim na guerra que grassa na Síria já há quase seis anos, deixando de lado os Estados Unidos, assim como os países que durante todo esse tempo trabalharam para insuflar o conflito pensando apenas nos próprios interesses.
Não houve convite para o Secretário de Estado dos EUA, John  Kerry nem consulta prévia para as Nações Unidas.
Com as forças governamentais conseguindo enormes progressos no terreno…


 [Nota: a última sentença foi original (e corretamente) grafada assim: “forças pro Síria...” e não “forças governamentais...” Isso foi alterado depois que percebi uma tendência “Pró Síria” no twitter].

A Rússia chutou os Estados Unidos para fora de quaisquer negociações futuras sobre o destino da Síria depois que os EUA arruinaram um acordo conseguido depois de longas negociações entre o Secretário de Estado John Kerry e o Ministro de Relações Exteriores Sergey Lavrov.

Recentemente, em uma entrevista, Kerry admitiu que foi a oposição do Pentágono, e não de Moscou ou Damasco que acabou por prejudicar o acordo com a Rússia sobre a Síria:

Há pouco tempo, ele entrou em conflito com a administração do Secretário de Defesa Ashton Carter. Kerry havia negociado um acordo com a Rússia para partilhar operações militares em conjunto, mas isso também fracassou.

 “Infelizmente, há divisões dentro de nossas próprias fileiras que fazem a implementação de qualquer acordo extremamente difícil”, disse Kerry. “Mas acredito nesses acordos, penso que podem funcionar, que funcionariam”.

Os acordos de Kerry com a Rússia não apenas “falharam”. O Pentágono sabotou os acordos de forma intencional e pérfida, ao atacar o exército sírio.

Os acordos com a Rússia foram elaborados em Junho. Visavam coordenar os ataques contra o Estado Islâmico e a Al-Qaeda na Síria, ambos designados por duas resoluções das Nações Unidas como organizações terroristas. A ONU convocou todos os países para unir esforços para erradica-los. Os Estados Unidos bloquearam o acordo por meses, pela incapacidade de separar da Al-Qaeda os seus “rebeldes moderados”, treinados e pagos pela CIA e pelo Pentágono. O acordo, modificado em setembro, estava finalmente pronto para ser implementado.

O Pentágono ainda não concordava, mas foi deixado de lado pela Casa Branca:

O acordo com a Rússia anunciado pelo Secretário de Estado John Kerry para reduzir as mortes na Síria aprofundou e aumentou enormemente a divisão pública entre Kerry e o Secretário da Defesa Ashton B. Carter, que tinha grandes reservas quanto ao plano de juntar forças com os russos para lutar contra os grupos terroristas.

Carter estava entre os altos funcionários da administração que lutaram contra o acordo em uma teleconferência convocada pela Casa Branca na última semana, enquanto John Kerry, que aos demais argumentos juntou a segurança que o acordo traria para as conversações de Gênova, ficava cada vez mais frustrado. Embora o presidente Obama aprovasse completamente o esforço de paz depois de horas de debate, os funcionários do Pentágono não estavam convencidos.
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“Não estou dizendo sim nem não”, disse o Tenente General Jefrrey L. Harrigian, mandatário do Comando Central dos Forças Aéreas dos Estados Unidos aos repórteres depois da teleconferência. “Acho prematuro afirmar se vamos ou não vamos nos juntar a isso”.

O general do CentCom ameaçou não obedecer a decisão de seu Comandante Chefe. Para fazer isso, ele deveria pensar que estava apoiado integralmente pelo Secretário de Defesa Ash Carter.

Três dias depois os aviões de Guerra do CentCom dos EUA, em conjunto com seus aliados dinamarqueses atacaram posições do exército sírio nas imediações da cidade de Deir Azor, cercada pelas forças do Estados Islâmico. Durante 37 ataques aéreos dentro de uma hora entre 62 e 100 soldados do exército sírio foram mortos e muitos outros feridos. Eles tinham tomado posições defensivas nas colinas que dominam o aeroporto de Deir Azor. Logo depois dos ataques dos Estados Unidos as forças do Estado Islâmico lançaram um ataque contras as colinas e as dominam desde então. O fornecimento de suprimento para mais de 100.000 civis e soldados ficou muito perigoso, quando não impossível. O CentCom possibilitou ao Estado Islâmico a eventualmente conquistar Deir Azor e estabelecer o “Principado Salafista” que idealizaram leste da Síria.

Durante o ataque dos Estados Unidos, o centro operacional sírio/russo imediatamente tentou entrar em contato com o oficial coordenador do Comando Central dos Estados Unidos para parar o ataque. Mas o oficial não foi encontrado e os do CentCom simplesmente não atenderam as chamadas russas:

Quando o oficial russo encontrou seu contraparte (norte)americano – que estava mandriando longe de sua mesa – e explicou que a coalizão estava na realidade atacando uma unidade do exército sírio, “um grande número de bombardeios” já tinham sido efetuados, disse o Coronel John  Thomas, do Comando Central dos EUA a repórteres no Pentágono, na terça feira.

Até o ataque, o lado da Rússia e da Síria estava em acordo com Kerry, segurando um cessar fogo para permitir a separação dos “infiltrados” da CIA nas forças da Al-Qaeda. Depois do ataque aéreo do CentCom o acordo Kerry-Lavrov foi cancelado:

Nos bastidores de uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU convocada para discutir o assunto, os nervos estavam à flor da pele. O representante permanente da Rússia para a ONU, Vitaly Churkin questionou o timming dos bombardeios, dois dias antes da coordenação Rússia/EUA na luta contra os grupos terroristas na Síria começarem.

 “Eu nunca tinha visto uma exibição tão extraordinária da crueldade (norte)americana, disse ele, antes de deixar subitamente a reunião.
O Pentágono lançou mais uma de suas investigações inúteis e um resumo do relatório redigido relatório (pdf) foi revelado em novembro, escrito de forma dura.

Alguns trechos utilizáveis do relatório foram encontrados por Gareth Porter:

O relatório, divulgado pelo Comando Central dos Estados Unidos em 29 de novembro mostra que o oficial sênior da Força Aérea dos Estados Unidos do CAOC (Combined Air Operations Center) na base Aérea de Udeid, no Qatar, e que foi responsável pela decisão de lançar os bombardeios de setembro contra Deir Azor:

- enganou os russos quanto à intenção (norte)americana de atacar, tornando impossível aos russos avisar que o ataque visava as tropas sírias
- ignorou informações e análise de inteligência que alertavam que as posições a serem atacadas eram do governo sírio e não do Estado Islâmico
- mudou subitamente os parâmetros de focalização do alvo para um bombardeio imediato, violando os procedimentos normais da Força Aérea.

A investigação foi liderada por um General de Brigada. Ele estava muito abaixo na hierarquia para investigar ou desafiar o responsável pelo CentCom, Tenente General Harrington. O nome de um investigador acessório fez parte do relatório, onde se informa que seria “informação fornecida por governo estrangeiro”. Provavelmente se trata de oficial da Dinamarca.

Quatro dias depois que o relatório da investigação foi divulgado, o governo dinamarquês, sem dar qualquer razão pública, afastou seu contingente aéreo de quaisquer operações futuras sob comando dos Estados Unidos no Iraque e na Síria.
O Pentágono conseguiu, com o ataque em Deir Azor:

- capacitar o Estado Islâmico para vencer o cerco em Deir Azor, onde 100.000 civis e soldados estão agora sob ameaça de serem brutalmente assassinados
- pavimentou o caminho para o estabelecimento de um “principado salafista” no leste da Síria
- trapaceou um aliado europeu da OTAN e perdeu a sua cooperação ativa na Síria e no Iraque
- arruinou o acordo de Kerry com a Rússia para a luta coordenada contra os grupos denominados como terroristas pela ONU
- chutou os EUA para fora de qualquer negociação futura sobre a Síria

É muito claro que o oficial responsável pelo ataque e por suas consequências não é senão p Tenente General Jeffrey L. Harringian, que antes já havia publicamente falado contra o acordo com o qual o seu Comandante em Chefe havia concordado. Provavelmente ele estava acobertado pelo Secretário de Defesa Ash Carter.

Mesmo assim a Casa Branca não reagiu a essa insubordinação militar pública que prejudicou a sua diplomacia.

Emptywheel observa que, através de um assunto totalmente diferente, a CIA também está em insurreição aberta contra as decisões do Presidente:

(É) alarmante que alguém simplesmente decida que é uma boa ideia revelar publicamente criticismos sobre o intercâmbio através do Telefone Vermelho (Red Phone presidencial – também chamada de “linha quente”, é uma forma de comunicação direta entre o presidente dos Estados Unidos e o líder da Rússia [quando foi criada, em 1963, tratava-se da União Soviética]. Embora o nome, não se usa um telefone. Atualmente o contato se dá diretamente por um link de computador onde os dois líderes podem se enviar emails - NT). Parece ser bom ter um instrumento, que depende de confiança mútua, para que dois líderes de potências nucleares conversem de forma franca e direta, não importa quão ruins estejam as coisas.


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