As relações entre EUA e União Europeia estão em rumo de colisão quanto ao
Irã, a OTAN e refugiados
Por Dina ESFANDIARY, Ariane TABATABAI – trad: btpsilveira
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu “colocar os EUA
em primeiro lugar”, impedir que outros países continuem a se aproveitar do país
e abalar a mentalidade de manutenção do status que domina Washington. O
resultado foi uma política inconsistente e errática de sua administração nas
primeiras duas semanas.
A partir da afirmação que o Irã “está avisado”, passando
pela proibição da aceitação de imigrantes de sete grandes países islâmicos
chegando à colocação em risco de antigas alianças dos EUA, o presidente Donald
Trump continua a colocar em risco a segurança, interesses e cidadãos dos
Estados Membros da União Europeia. Esta precisa reagir para minimizar
implicações estratégicas ainda maiores nas drásticas mudanças de rumo da
política dos Estados Unidos e controlar o Presidente Trump.
A mudança ideológica direcionada a uma oposição ainda maior contra o Irã
foi um dos principais componentes da política do presidente Trump para o
Oriente Médio. Sua equipe vê o Irã como um regime dirigido por “mulás maus”,
liderado por uma ideologia islâmica revolucionária e determinada a se opor aos
Estados Unidos. A administração (norte)americana superestima a capacidade
iraniana fora de qualquer proporção e não é capaz de entender suas intenções.
No Iêmen, a equipe de Trump segue a linha saudita – os Houthis são um fantoche
iraniano e uma ameaça aos Estados Unidos – mas ocorre que a realidade é muito mais complicada. Quando o Irã
testou um míssil de médio alcance neste mês, a administração Trump resolveu
colocar o Irã “sob aviso” e impôs novas sanções ao país.
O medo nas capitais europeias é que
tudo isso coloque em risco o acordo nuclear de 2015 com o Irã. O forte tom
anti-iraniano que a desescalação para diminuir a crise se torna mais difícil. E
que é provável que o acordo seja desafiado por ambas as partes.
Durante sua campanha, Trump prometeu “rasgar” o acordo. Mas o Plano
Abrangente de Ação Conjunta (Joint
Comprehensive Plan of Action – NT) não se trata de um acordo bilateral que
englobe apenas o Irã e os EUA; França, o Reino Unido, Alemanha, China e Rússia
também estão envolvidos. Para a Europa, o acordo remove uma preocupação
crucial: o programa nuclear iraniano. Também abre as portas para o diálogo com
o Irã, caminho para resolver outros assuntos também preocupantes, algo que
Bruxelas já começou a fazer através de seu diálogo político conjunto de alto
nível União Europeia/Irã, no qual se discute de tudo, desde comércio até
acordos relacionados a direitos humanos. A Representante da União Europeia para
Segurança Política e Questões Externas, Federica Mogherini, aproveitou-se com
sucesso do acordo para englobar não só os moderados mas também os políticos
linha-dura de Teerã, para incluir assuntos tão complicados como os direitos
humanos. É claro que o acordo tem suas falhas, mas mesmo os céticos, entre eles
aliados dos EUA no Golfo e analistas em Washington solicitaram que Trump aceite os
termos do acordo.
O tom mais beligerante da nova administração em relação ao Irã também
afeta a batalha contra o Estado Islâmico no Iraque. Mesmo levando-se em
consideração que o papel desempenhado pelo Irã possa ser inquietante, é
inegável que os Estados Unidos, a União Europeia e o Irã têm interesses em
comum no Iraque. O Irã é com certeza parte interessada na luta contra o Estado
Islâmico, e vê o combate contra o grupo como uma prioridade tanto política como de segurança do país, para a qual tem
empenhado recursos substanciais. O Irã e os EUA já coordenaram esforços que
resultaram em missões bem sucedidas nesse sentido. O crescimento do tom
beligerante torna esse tipo de diálogo e coordenação menos provável e como
consequência, dificultando a luta contra o Estado Islâmico no Iraque.
O presidente Trump definiu o foco de sua administração: a contenção do
“terrorismo islâmico radical”. Como parte desse esforço, assinou uma ordem executiva
controversa, restringindo os imigrantes e refugiados de sete grandes países
majoritariamente islâmicos: Irã, Iraque, Síria, Líbia, Sudão, Somália e Iêmen. Ele afirma que não se trata
de uma proibição de muçulmanos em geral, mas não foi isso o que ficou
parecendo. Mesmo com a proibição sendo suspensa, o dano já foi feito: se os
muçulmanos entendem que foi uma proibição para muçulmanos em geral, isso é o
que importa.
Longe de ajudar o ocidente no combate ao Estado Islâmico e sua ideologia
– um dos principais objetivos da política externa de Trump – a ordem executiva
foi um presente para os
terroristas. Trata-se da ferramenta perfeita para recrutar mais militantes,
mesmo tendo sido suspensa. O Estado Islâmico não estava sendo capaz de compor
sua narrativa de uma luta do Islã contra o ocidente para a maioria do mundo
islâmico até agora, mas a ação de Trump lhes permite exatamente isso. A ordem
também ajuda a radicalizar os muçulmanos espoliados em seus direitos, e
enfraquece os muçulmanos moderados que combatem as ideologias extremistas.
A proibição prejudicará ainda mais profundamente ao acordo nuclear com o
Irã, que é um dos países atingidos pela ordem executiva. Esta, em conjunto com
a mudança no programa de isenção de vistos do ano passado mandam mensagens
conflitantes para investidores e homens de negócios esperançosos de entrar no
mercado iraniano após o acordo nuclear. Caso o Irã seja capaz de colher os
benefícios do acordo, sentir-se-á cada vez menos interessado de cumprir o combinado
até o fim.
Porém, talvez ainda mais significativo para Bruxelas e líderes europeus
seja o flagrante desrespeito do Presidente Trump ao lidar e se relacionar com
seus aliados. A retórica brusca com aliados tradicionais como o México,
Austrália e mesmo com países do Golfo Pérsico, bem como com a OTAN, realça o
desprezo do presidente com qualquer um que critique a direção que os EUA estão
tomando. Em contraste, o presidente Trump está sendo bem mais amigável com a
Rússia de Vladimir Putin, cujas ações têm ameaçado a segurança europeia.
As drásticas mudanças – tanto nas políticas domésticas quanto nas
exteriores – e seu aparente desprezo pelo funcionamento tradicional das
relações internacionais colocam a União Europeia e seus membros ante um dilema:
enfrentar Trump e suas políticas ao risco de dispensar um aliado importante, ou
agir de modo mais passivo, permitindo que Trump adote um tom agressivo que pode
dificultar potencialmente os interesses europeus.
A resposta tem que ser clara e simples: a União Europeia tem que
defender a si mesma e seus interesses.
Quanto ao acordo com o Irã, a União Europeia deve assegurar que seja
implementado. Isso quer dizer que Teerã tem que fazer sua parte, mas também que
os EUA e a União Europeia cumprirão a sua. A UE precisa blindar o acordo como o
fez o presidente Obama, e assegurar-se que pequenas crises não sairão de
controle. Nestes tempos sensíveis como os próximos meses, isso é
particularmente importante, dado que os radicais iranianos provavelmente
tentarão brincar com a sorte e testar o acordo nuclear com testes de mísseis
balísticos e atividades cibernéticas, enquanto a administração Trump parece
ansiosa para escalar contra o Irã.
Uma maneira de fazer isso seria preencher a lacuna deixada pela partida
do Secretário John Kerry. A UE deveria se aproveitar das boas relações
construídas por Mogherini com o Irã para torna-lo parceiro de diálogo,
especialmente nestes tempos de crise. Deveria continuar a envolver o Irã em
outros fronts, entre eles seu apoio a grupos terroristas, atuação regional mais
ampla e direitos humanos. Bruxelas deveria ainda assegurar que o Irã possa
colher benefícios pelo acordo, através de negócios econômicos e comerciais.
Mesmo ante a crescente dificuldade, trabalhar com parceiros asiáticos, por
exemplo, pode ajudar a dissipar o atual ambiente de incerteza.
Os líderes da União Europeia devem continuar a condenar a ordem executiva
de Trump. Caso a proibição seja reestabelecida, devem também tentar auxiliar
aqueles que forem apanhados de surpresa e ficarem numa espécie de limbo, sem
possibilidade de retorno para trabalhar ou estudar. A França, só para dar um
exemplo, afirmou que dobraria o número de vistos para iranianos. Bruxelas deve
agir rapidamente e disponibilizar medidas de reassentamento para aqueles
refugiados já vetados pelo governo dos EUA, impedidos assim de adentrar o país.
Funcionários da União Europeia e dos Estados Membros devem tentar acionar
quaisquer níveis de interação com a administração Trump.
Já ficou demonstrado que a firmeza é a melhor maneira de tratar com o
presidente Trump. A União Europeia deve tornar claro que não é apenas um recipiente
dos favores dos Estados Unidos, mas parte integral e importante da arquitetura
da segurança dos EUA e da ordem mundial liderada por eles e um parceiro
crucial. Assim sendo, os funcionários da União Europeia devem ser tratados como
iguais. A UE deve pressionar seja como for a administração Trump para que
mantenha constância no trato com a OTAN e a Rússia. A falta de consistência
dificulta a segurança da União Europeia e seus membros, mesmo que a retórica
agressiva de Trump não seja seguida por ações reais. Além disso, devem pressionar
para que uma linha mais dura contra a Rússia seja adotada. A EU e seus membros
que já dispenderam sangue e recursos
para estabilizar o Afeganistão, deve ainda exigir uma estratégia viável para o
país. O presidente Trump quase nada disse ainda sobre o Afeganistão, e não está
claro se ele continuará os esforços empreendidos pelo seu antecessor ou não.
Além do interesse, a União Europeia tem a responsabilidade moral de
enfrentar com decisão as políticas e a retórica imprudentemente agressiva da
Administração Trump. Tanto a ordem executiva quanto a posição beligerante
contra o Irã ameaçam a segurança europeia, porque enfraquecem a luta contra o
terrorismo muçulmano, bem como colocam em perigo a implantação de um acordo
multilateral que é crucial neste momento. Caso a UE e outros grandes aliados
dos EUA não adotem uma posição firme na defesa de seus valores e interesses, o
presidente Trump provavelmente se sentirá tentado a forçar a barra ainda mais.
Isso fará a União Europeia parecer fraca e prejudicará os interesses, valores e
esforços estratégicos primordiais do ocidente.
http://www.strategic-culture.org/news/2017/02/23/trump-vs-european-union-coming-storm.html
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