A pobreza cresce nos EUA |
Os laços de Trump com
o passado e a ressurreição da esquerda
por James Petras
O presidente Trump está
profundamente entranhado na estrutura do estado profundo do imperialismo (norte)americano.
Contrariando referências ocasionais à não intervenção em guerras além-mar,
Trump tem seguido as pegadas dos seus antecessores.
Enquanto neoconservadores e liberais têm levantado um alarido acerca dos laços de Trump com a Rússia, suas "heresias" sobre a OTAN e suas aberturas para a paz no Médio Oriente, na prática ele tem posto de lado seu imperialismo supostamente humanitário e tem-se envolvido nas mesmas políticas belicosas da sua rival presidencial do Partido Democrata, Hillary Clinton.
Uma vez que lhe falta a "demagogia" ardilosa do ex-presidente Obama e não recobre as suas ações com apelos baratos a políticas "de identidade", os pronunciamentos brutos e abrasivos de Trump levam jovens manifestantes às ruas em ações de massa. Estas manifestações são não tão discretamente apoiadas pelos principais oponentes de Trump entre os banqueiros da Wall Street, especuladores e magnatas dos mass media. Por outras palavras, o presidente Trump é um homem que abraça e segue os ícones e não um "revolucionário" ou mesmo um "agente de mudança".
Prosseguiremos discutindo a trajetória história que provocou o nascimento do regime Trump. Identificaremos a seguir políticas e compromissos que determinam a direção presente e futura da sua administração.
Concluiremos identificando como a reação atual pode produzir transformações futuras. Desafiaremos o atual delírio catastrofista e apocalíptico e apresentaremos razões para uma perspectiva otimista para o futuro. Em suma, este ensaio indicará como tendências negativas atuais podem tornar-se realisticamente positivas.
Sequências históricas
Ao longo das últimas duas décadas presidentes dos EUA desbarataram os recursos financeiros e militares do país em múltiplas guerras intermináveis e perdedoras, bem como em trilhões de dólares de dívidas comerciais e desequilíbrios orçamentais. Líderes dos EUA enlouqueceram, provocando grandes crises financeiras globais, levando à bancarrota os maiores bancos, destruindo pequenos possuidores de hipotecas, devastando a indústria manufatureira e criando desemprego maciço seguido por empregos precários e de baixo salário o que levou ao colapso de padrões de vida para as classes trabalhadora e extratos baixos da classe média.
Guerras imperiais, bail-outs de milhões de milhões de dólares para os bilionários e fuga sem peias de corporações multinacionais para o exterior aprofundaram amplamente as desigualdades de classe e deram origem a acordos comerciais favorecendo a China, Alemanha e México. Dentro dos EUA, os maiores beneficiários destas crises têm sido os banqueiros, bilionários da alta tecnologia, importadores comerciais e exportadores do agronegócio.
Confrontados com crises sistémicas, os dominadores do regime responderam com o aprofundamento e expansão dos poderes dos presidentes dos EUA na forma de decretos presidenciais. Para encobrir a longa série de derrocadas, denunciantes patriotas foram encarcerados e a vigilância estilo estado-policial infiltrou-se em todo sector da cidadania.
Os presidentes Bush, Clinton e Obama definiram a trajetória das guerras imperiais e da pilhagem por Wall Street. A polícia de estado, as instituições militares e financeiras estão firmemente incorporadas na matriz do poder. Centros financeiros como a Goldman Sachs, têm reiteradamente estabelecido a pauta e controlado o Departamento do Tesouro dos EUA e as agências que regulam o comércio e a banca. As "instituições permanentes" do estado permaneceram, enquanto presidentes, pouco importando de que partido, foram baralhados nos pormenores do "Gabinete Oval".
O "Primeiro Negro" presidente Barack Obama prometeu paz e prosseguiu
com sete guerras. Seu sucessor, Donald Trump, foi eleito com promessas de
"não intervenção" e imediatamente adotou o "bastão de
bombardeamento" de Obama: o minúsculo Iêmen foi atacado pelas forças dos
EUA; aliados da Rússia na região do Donbass da Ucrânia foram atacados de modo
selvagem pelos aliados de Washington em Kiev e o "mais realista"
representante de Trump, Nikki Haley, adotou uma atitude belicosa na ONU no
estilo da "Madame Intervenção Humanitária" Samantha Power, zurrando
invectivas contra a Rússia.
Onde está a mudança? Trump seguiu Obama ao aumentar sanções contra a Rússia, enquanto ameaça a Coreia do Norte com aniquilação nuclear no rastro da grande acumulação militar de Obama na península coreana. Obama lançou uma guerra por procuração contra a Síria e Trump escalou a guerra aérea sobre Raqqa. Obama cercou a China com bases militares, navios e aviões de guerra e Trump marchou em frente com retórica guerreira. Obama expulsou um recorde de dois milhões de trabalhadores mexicanos ao longo de oito anos; Trump seguiu-o ao prometer deportar ainda mais.
Por outras palavras, o presidente Trump obedientemente juntou-se à marcha de acordo a trajetória dos seus antecessores, bombardeando os mesmos países alvos enquanto plagia os seus discursos maníacos nas Nações Unidas.
Obama aumentou o tributo anual (ajuda) a Tel Aviv para uns entusiásticos US$3,8 mil milhões enquanto balia umas poucas críticas pro forma acerca da expansão israelense ao sequestro de terras na Palestina; Trump propôs deslocar a Embaixada dos EUA para Jerusalém enquanto choramingava um pouco quanto às suas próprias mini críticas aos colonatos judeus ilegais em terras roubadas aos palestinos.
O que é esmagadoramente
gritante é a semelhança das políticas e estratégias de Obama e de Trump em
política externa, seus meios e aliados. O diferente é o seu estilo e retórica.
Ambos os presidentes "Agentes de mudança" imediatamente romperam as
mesmas falsas promessas pré-eleitorais e funcionam bem dentro dos limites das
instituições permanentes do estado.
Quaisquer que sejam as diferenças que tenham elas são resultado de contextos históricos contrastantes. Obama assumiu no momento do colapso do sistema financeiro e procurou regular bancos a fim de estabilizar operações. Trump assumiu após a "estabilização" de um trilhão de dólares de Obama procura eliminar regulações – nas pegadas do presidente Clinton! Assim, "demasiado barulho" acerca da "desregulação histórica" de Trump!
O "Inverno do descontentamento" na forma de protestos em massa contra
a proibição de Trump a imigrantes e visitantes de sete países predominantemente
muçulmanos segue-se diretamente às "sete guerras mortais" de Obama.
Os imigrantes e refugiados são resultados diretos das invasões e ataques de
Obama a estes países que levaram a assassinatos, mutilações, deslocamentos
forçados e miséria para milhões de "predominantemente" (mas não
exclusivamente) muçulmanos. As guerras de Obama criaram dezenas de milhares de
"rebeldes", insurgentes e terroristas. Os refugiados, que fogem pelas
suas vidas, foram amplamente excluídos dos EUA sob Obama e a maior parte tem
procurado abrigos seguros nos campos asquerosos e caóticos da UE.
Por terrível e ilegal que seja o encerramento da fronteira feito por Trump a muçulmanos e por esperançosas que pareçam os protestos públicos em massa, tudo isso é o resultado da política de quase uma década de assassinato e agressão sob o presidente Obama.
Seguindo a trajetória da política, Obama derramou o sangue e Trump, no seu estilo racista vulgar, é deixado a "limpar a confusão". Enquanto Obama foi agraciado com um "Prémio Nobel da Paz", o irado Trump é fortemente atacado por limpar o sangue!
Trump optou por pisar o caminho do opróbrio e enfrenta a ira do purgatório. Enquanto isso, Obama está a jogar golfe, a surfar ao vento e exibir o seu sorriso despreocupado aos escrevinhadores que o adoram nos mass media.
Quando Trump pisa com força o caminho preparado por Obama, centenas de milhares de manifestantes enchem as ruas para protestar conta o "fascista", com grande número das principais redes de mass media, dúzias de plutocratas e "intelectuais" de todos os géneros, raças e credos a retorcerem-se em ultraje moral! Fica-se confuso com o silêncio ensurdecedor destes mesmos ativistas e forças quando as guerras agressivas os ataques de Obama levaram às mortes e deslocamentos de milhões de civis, principalmente muçulmanos e principalmente mulheres – quando seus lares, festas de casamento, mercados, escolas e funerais foram bombardeados.
Chega de confusão (norte)americana! Dever-se-ia tentar entender as possibilidades que se levantam de um sector maciço finalmente a romper seu silêncio quando o belicismo do loquaz Obama foi transformado na marcha bruta de Trump para o juízo final.
Perspectivas otimistas
Há muitos que desesperam, mas há mais que se tornaram conscientes. Identificaremos as perspectivas otimistas e as esperanças realistas enraizadas na realidade e tendências atuais. Realismo significa discutir desenvolvimentos contraditórios e polarizadores e portanto não aceitamos quaisquer resultados "inevitáveis". Isto significa que resultados são "terreno contestado" onde fatores subjetivos desempenham um papel importante. A interface de forças em conflito pode resultar numa espiral ascendente ou descendente – rumo a maior igualdade, soberania e libertação ou maior concentração de riqueza, poder e privilégio.
A mais retrógrada concentração de poder e riqueza encontra-se na oligárquica União Europeia de dominação alemã – uma configuração que está sob assédio por forças populares. Os eleitores do Reino Unidos optaram por sair da UE (Brexit). Em consequência, a Grã-Bretanha enfrenta uma ruptura com a Escócia e Gales e uma ainda maior separação da Irlanda. O Brexit levará a uma nova polarização quando banqueiros com base em Londres partirem para a UE e líderes do mercado livre confrontarem trabalhadores, protecionistas e a massa crescente dos pobres. O Brexit fortalece forças nacionalistas/populistas e de esquerda na França, Polônia, Hungria e Sérvia e estilhaça a hegemonia neoliberal na Itália, Espanha, Grécia, Portugal e alhures. O desafio aos oligarcas da UE é que a insurgência popular intensificará a polarização social e pode trazer à tona movimentos de classe progressistas ou partidos e movimentos autoritários/nacionalistas.
A ascensão de Trump ao poder e seus decretos executivos levou a polarizar muitos os eleitorados, aumentou a politização e a ação direta. O despertar da América aprofunda fissuras internas entre democratas com "d" minúsculo, mulheres progressistas, sindicalistas, estudantes e outros contra os oportunistas do Partido Democrata com "D" maiúsculo, especuladores, antigos belicistas, burgueses negros do Partido "D" (os líderes extraviados) e um pequeno exército de ONGs financiadas por corporações.
O abraço de Trump à ordem do dia militar Obama-Clinton e Wall Street levará a uma bolha financeira, gastos militares inchados e guerras mais custosas. Isto dividirá o regime dos seus apoiantes sindicais e da classe trabalhadora agora que o gabinete de Trump é composto inteiramente de bilionários, ideólogos, sionistas raivosos e militaristas (em oposição à sua promessa de nomear homens de negócios e realistas duros para negociar). Isto poderia criar uma oportunidade rica para a ascensão de movimentos que rejeitariam a cara realmente feia do regime reacionário de Trump.
A animosidade de Trump à NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e
a defesa do protecionismo e da exploração financeira e de recursos minará os
regimes corruptos, assassinos e narcoliberais que têm dominado o México durante
os últimos 30 anos desde os dias de Salinas. A política anti-imigração de Trump
levará mexicanos a escolherem "combater ou fugir" ao confrontar o
caos social criado pelas gangs narco e da polícia. Isto forçará o
desenvolvimento de mercados internos e indústrias do México. O consumo de massa
interno e a propriedade abarcarão movimentos nacionais/populares. O cartel da
droga e seus patrocinadores políticos perderão os mercados (norte)americanos e
enfrentarão oposição interna.
O protecionismo de Trump limitará o fluxo ilegal de capital a partir do México, o qual montou a US$48,3 bilhões em 2016, ou 55% da dívida do México. A transição do México da dependência e do neocolonialismo polarizará profundamente o estado e a sociedade; o resultado será determinado pelas forças de classe.
As ameaças econômicas e militares de Trump contra o Irã fortalecerão forças nacionalistas, populistas e coletivistas em relação a políticos neoliberais "reformistas" e pró ocidentais. A aliança anti-imperialista do Irã com o Iêmen, Síria e Líbano solidificar-se-á contra o quarteto conduzido pelos EUA da Arábia Saudita, Israel, Grã-Bretanha e EUA.
O apoio de Trump ao apresamento maciço de terra palestina por Israel e sua proibição "só judeus" contra muçulmanos e cristãos levará ao sacudir dos quislings multi milionários da Autoridade Palestina e a ascensão de muitos mais levantamentos e intifadas.
A derrota do ISIS fortalecerá forças governamentais independentes no Iraque, Síria e Líbano, enfraquecendo a alavancagem imperial dos EUA e abrindo a porta a lutas populares democráticas e laicas.
A campanha anticorrupção em grande escala e a longo prazo do presidente da China, Xi Jinping, levou à prisão e remoção de mais de um quarto de milhão de responsáveis e homens de negócios, incluindo bilionários líderes de topo do Partido. As prisões, processos e encarceramentos reduziram o abuso do privilégio, mas, mais importante, melhoraram as perspectivas para um movimento de desafio às vastas desigualdades sociais. Aquilo que começou "de cima" provocou movimentos "de baixo". O ressuscitar de um movimento rumo a valores socialistas pode ter um grande impacto sobre estados vassalos dos EUA na Ásia.
O apoio da Rússia a direitos democráticos no Leste da Ucrânia e a reincorporação da Crimeia através de referendo pode limitar regimes fantoches dos EUA no flanco sul da Rússia e reduzir a intervenção (norte)americana. A Rússia pode desenvolver laços pacíficos com estados europeus independentes com a ruptura da UE e a vitória eleitoral de Trump sobre a ameaça de guerra nuclear do regime Obama-Clinton.
O movimento à escala mundial contra o imperialismo global isola a direita apoiada pelos EUA que tomou poder na América do Sul. A procura do Brasil, Argentina e Chile de pactos comerciais neoliberais está na defensiva. Suas economias, especialmente na Argentina e Brasil, assistiram a um triplicar do desemprego, quadruplicar da dívida externa, estagnação até crescimento negativo e agora enfrentam greves gerais com apoio de massa. A adulação do neoliberalismo está a provocar luta de classe. Isto pode derrubar a ordem pós Obama na América Latina.
Conclusão
Por todo o mundo e no interior dos países mais importantes, a ordem ultra neoliberal do último quarto de século está em desintegração. Há uma ascensão maciça de movimentos a partir de cima e de baixo, de democratas de esquerda a nacionalistas, de populistas independente a reacionários da direita "velha guarda". Um universo polarizado e fragmentado emergiu. O começo do fim da atual ordem imperialista global está a criar oportunidades para uma nova ordem dinâmica democrática coletiva. Os oligarcas e as elites da "segurança" não cederão facilmente a exigências populares nem se afastarão. Facas serão afiadas, decretos executivos avançarão e golpes eleitorais serão encenados para tentar tomar poder. Os movimentos democrático-populares emergentes precisam ultrapassar a fragmentação da identidade e estabelecer líderes unificados e igualitários que possam atuar decisivamente e independentemente afastando-se dos líderes políticos existentes que fazem gestos dramáticos, mas falsos, enquanto procuram um retorno ao fedor e imundície do passado recente.
Publicado originalmente em http://petras.lahaine.org/?p=2127
e a tradução em http://resistir.info/petras/petras_09fev17.html
fizemos algumas pequenas alterações de adequação ao português do Brasil.
Comentários
Postar um comentário