A Rússia em uma
Guerra Invisível.
Enquanto
o ocidente não estava olhando, subitamente a Rússia ressurgiu como uma potência
mundial.
por
Rostislav Ischenko
tradução para o inglês por SEVA
tradução para o português por BTPSILVEIRA
tradução para o português por BTPSILVEIRA
12 de dezembro de
2015 "Information
Clearing House" Como a Rússia conseguiu, em apenas 20 anos sem guerras
e outras perturbações, sair de uma situação de quase colônia e crescer para uma
liderança mundialmente reconhecida, em pé de igualdade com outros líderes
mundiais?
Estrategistas de
botequim, que acreditam sinceramente que um bombardeio nuclear massivo é uma
espécie de panaceia universal para qualquer problema internacional (mesmo os
piores, já à beira de uma confrontação militar) não são capazes de entender a
posição ponderada das lideranças russas na crise com a Turquia. No entanto,
consideram insuficiente mesmo a participação da Rússia no conflito da Síria.
Além disso, também se mostram insatisfeitos com as atividades de Moscou no
front ucraniano.
Apesar disso, ninguém trata de responder a uma questão simples.
Como pode então ter acontecido de que a Rússia repentinamente começou a fazer
frente à potência hegemônica mundial, e está vencendo em todas as frentes?
Porque
agora.
Lá pelo final dos
anos 1990s, a Rússia era um Estado de terceiro mundo, se considerássemos o
nível econômico e financeiro do país. Uma rebelião anti oligarcas estava em
gestação. A Rússia lutava uma guerra interminável e desesperançosa contra
Chechenos que ameaçava se espalhar para o Daguestão. A segurança nacional se
apoiava apenas no armamento nuclear, já que se fosse necessário realizar
qualquer operação séria dentro de suas próprias fronteiras o exército não tinha
nem pessoal treinado nem armamento moderno, as frotas não podiam navegar e a
força aérea não tinha a capacidade de voar.
Quase com certeza
ninguém pode afirmar de que maneira a indústria, incluindo-se a militar foi
gradualmente revivida, como o crescimento de padrões de vida estabilizaram a
situação interna, como o exército foi modernizado.
Mas a questão
primordial não é quem conseguiu reerguer o exército russo: Shoygu, Serduykov ou
o Estado Maior. A questão chave não é saber quem é o melhor economista, se
Glaziev ou Kudrin, e se teria sido possível alocar mais recursos para gastos no
bem estar social.
Shoygu e Serduykov |
O fator desconhecido e primordial para a realização essa tarefa
é tempo. Como pode a Russia ter tempo, por que os Estado Unidos deram à Rússia
tempo para crescer e se fortalecer, econômica e militarmente, para aniquilar o
Departamento de Estado fundado e financiado pelo Lobby (norte)Americano tanto
entre políticos quanto na mídia?
Por que não
aconteceu então uma confrontação aberta, como essa que enfrentamos agora contra
Washington, com sanções que se tivessem começado 10 ou 15 anos atrás, não
seríamos capazes de resistir? Na verdade, nos anos 1990s e 2000s, os Estados
Unidos começaram a instalar regimes fantoches no espaço pós soviéticos,
incluindo em Moscou, então considerada apenas mais uma capital da Rússia
desmembrada.
O saudável conservadorismo dos diplomatas.
As condições para
o atual sucesso militar e diplomático foram sendo lentamente construídos por décadas
de uma guerra em uma frente (diplomática) invisível.
É preciso dizer
que entre os ministérios russos, o Ministério da Relações Exteriores foi o
primeiro a se recobrar das perdas administrativas causadas pelo colapso no
início dos anos 1990s. Já em 1996, foi Evgeny Primakov, tornado Ministro de
Relações Exteriores da Rússia que primeiro resolveu dar uma virada na política
atlanticista russa depois de saber sobre a agressão dos Estrados Unidos contra
a Iugoslávia, o que causou uma reviravolta na política externa russa, que nunca
mais seguiu o curso ditado pelos Estados Unidos.
Passados dois anos
e meio, ele recomendou Igor Ivanov como seu sucessor, o qual lentamente (quase
imperceptivelmente) mas com segurança continuou a fortalecer a diplomacia
russa. Em 2004 foi sucedido pelo atual ministro das Relações Exteriores, Sergey
Lavrov sobre a liderança do qual a diplomacia russa acumulou recursos
suficientes para sair de uma posição defensiva para a ofensiva decisiva.
Dentre estes três ministros, somente Ivanov recebeu a Estrela do
Herói, mas estou certo de que tanto seu predecessor quanto seu sucessor são
igualmente dignos de tal prêmio.
Também é preciso
dizer que algum sentimento de casta e um saudável conservadorismo dos corpos
diplomáticos contribuíram de forma decisiva para a rápida recuperação dos
trabalhos do Ministério das Relações Exteriores. O que certamente ajudou foi a
falta de afobação e o tradicionalismo entre os diplomatas. “Kozyrevshchina” (a palavra deriva do nome de Andrei Kozirev,
ministro de Relações Exteriores entre 1990 e 1996; a palavra significa “agindo
como Kozirev”, quer dizer, de uma maneira subserviente e contra seus próprios
interesses – nota do tradutor SEVA) nunca
foi a forma considerada como correta para as ações do Ministério de Relações
Exteriores, porque não combinava com o modo de agir dos diplomatas russos.
Um período de consolidação interna
Retornemos ao ano
de 1996. A Rússia está quase no limite da carência econômica, mas a quebra
verdadeira ainda estava dois anos à frente, em 1998. Ignorando totalmente a
legislação internacional, os Estados Unidos agiam arbitrariamente em favor de seus
interesses. A OTAN e a União Europeia se preparavam para acessar as fronteiras
russas.
A Rússia estava
exangue e não podia responder a nada. A Rússia (assim como a URSS antes dela)
pode aniquilar qualquer inimigo em 20 minutos, mas ninguém planejava nada nesse
sentido. Qualquer desvio da linha de conduta aprovada por Washington, qualquer
tentativa na direção de uma política externa independente provocaria o
estrangulamento econômico com as subsequentes revoltas internas
desestabilizadoras – naquele tempo o país vivia na dependência de créditos
ocidentais.
Como o poder estava
nas mãos de uma elite que comprava títulos da dívida (norte)americana (como
acontece hodiernamente com a Ucrânia) a situação se tornava cada vez mais
complicada até 1999 , e até 2004/2005 os compradores de dívida externa estavam
ainda em luta contra a burocracia patriótica de Putin. A última batalha
oferecida pelos compradores de dívida foi uma tentativa de revolução na Praça
Bolotnaya em 2011. O que poderia ter acontecido se tivessem tido a ideia de
fazer tal movimento em 2000, quando tinham todas as cartas na mão, com uma
vantagem avassaladora?
Os líderes russos necessitavam de tempo para uma consolidação
internal, restauração dos sistemas econômico e financeiro, autossuficiência e
independência em relação ao ocidente, e reconstrução de um exército moderno.
Finalmente, a Rússia necessitava de aliados.
Os diplomatas
encaravam uma missão impossível. Tinham que, ao mesmo tempo, não recuar em relação
a assuntos centrais, consolidar a influência da Rússia nos estados pós União
Soviética, buscar alianças com outros governos que resistem às ações dos EUA, fortalecê-los
se possível, tudo enquanto deveriam ainda criar uma ilusão para convencer
Washington de que a Rússia estava fraca e pronta para concessões estratégicas.
A ilusão da fraqueza russa
Uma demonstração
do fato de que a missão foi totalmente cumprida são os mitos que ainda
sobrevivem entre analistas ocidentais e russos da oposição pró Estados Unidos.
Por exemplo, se a Rússia se opõe a um movimento aventureiro do ocidente em
qualquer instância, estaria apenas “blefando para não passar vergonha”, a elite
russa é totalmente dependente do ocidente porque “seu dinheiro está aqui”, “a
Rússia não é fiel a seus aliados”.
No entanto, os
mitos de que os “foguetes russos não podem voar”, “soldados russos são uns
mortos de fome construindo dachas para seus generais”, e sobre a “economia aos
pedaços” não mais vigoram, na essência. Apenas analistas insignificantes
acreditam nisso, não porque sejam incapazes de perceber a realidade, mas porque
não a querer encarar.
As verdadeiras
ilusões quanto à fraqueza e prontidão para recuar sempre que mistificou o
ocidente levando-o a acreditar que a Rússia era problema resolvido e preveniu
assim um ataque rápido econômico e político contra Moscou, deu aos líderes
russos um tempo precioso para a reformas.
Claro que nunca foi muito tempo e a Rússia preferiria protelar
uma confrontação direta com os Estados Unidos, a qual finalmente começou em
2012/13, por mais 3/5 anos, ou mesmo evita-la indefinidamente, mas a diplomacia
conseguiu 12/15 anos para o país – um período bastante longo em um mundo que se
transforma rápida e constantemente.
A diplomacia russa na Ucrânia
Para economizar espaço,
darei apenas um exemplo claro, mas muito revelador na atual situação política.
As pessoas ainda
culpam a Rússia por não ter contragolpeado na Ucrânia em oposição aos Estados
Unidos de forma ativa o suficiente, por não criar a sua própria “quinta-coluna”
que se opusesse àquela dos Estados Unidos, por trabalhar junto às elites em vez
de junto ao povo ucraniano, etc. Vamos então examinar a situação baseado nas
reais possibilidade, em vez de desejos ilusórios.
Apesar de todas as
menções ao povo, acontece que são as elites que determinam a política estatal. A
elite ucraniana, em todas as suas ações tem sido e ainda é anti russa. A
diferença está em que a elite ideologicamente nacionalista (e se tornando cada
vez mais nazista) era abertamente russofóbica, enquanto a elite econômica
(compradores de dívidas, oligarquia) é simplesmente pró ocidente, mas não se
opõe a negócios lucrativos com a Rússia.
Eu gostaria de
lembrar a vocês que ninguém menos que os representantes do supostamente pró
Rússia Partido das Regiões (Party of Regions) afirmaram abertamente que não
permitiriam que empresas russas negociassem no Donbass. Também fizeram questão
de afirmar alto e bom som que são ainda mais favoráveis à integração com a
União Europeia que os nacionalistas.
Um confronto econômico com a Rússia foi precipitado pelo regime
Yanukovych/Azarov em 2013, exigindo que, apesar da assinatura de um tratado de
associação com a União Europeia, a Rússia mantivesse e mesmo reforçasse um
regime favorável com a Ucrânia. Além do mais, Yanukovych e seus asseclas do
Partido das Regiões, enquanto favorecidos com poder absoluto (2010/2013),
apoiaram os nazistas financeira, informacional e politicamente. Levaram uma
força política instalada em um nicho marginal à política ucraniana para o
centro das atenções para que tivessem um adversário conveniente nas eleições
presidenciais de 2015, enquanto ao mesmo tempo suprimiam qualquer informação de
atividades pro russas (para nem mencionar as atividades políticas).
O Partido
Comunista ucraniano, mesmo mantendo uma retórica em favor da Rússia, nunca teve
qualquer possibilidade de acesso ao poder, e optou por jogar um jogo conveniente
de oposição leal, que apoiava indiretamente os oligarcas, canalizando os
protestos para formas que não viessem a incomodar quaisquer (mesmo os atuais)
poderes.
Sob tais
condições, qualquer tentativa russa de trabalhar com ONGs ou de criar uma mídia
que fosse favorável às posições russas seria notada como uma interferência
indevida no direito sagrado dos oligarcas ucranianos de roubar o país à vontade
e apenas eles, o que viria a causar um recrudescimento no apoio da burocracia
ucraniana ao ocidente, que veria a Ucrânia como um contrapeso para se opor à
Rússia. Claro que os Estados Unidos, muito convenientemente, veriam esses
movimentos russos como uma confrontação direta e incrementariam seus esforços
para desestabilizar a Rússia e apoiar outros movimentos de elites favoráveis ao
ocidente em todo o espaço pós soviético.
Nem em 2000, nem
em 2004 a Rússia estava pronta para opor confronto aberto com os Estados
Unidos. Mesmo quando (não por escolha de Moscou) ele aconteceu em 2013, a
Rússia necessitou de quase dois anos para dar uma resposta forte na Síria. A
elite da Síria, ao contrário daquela da Ucrânia, desde o início (em 2011/2012)
rejeitou a opção de comprometer-se com o ocidente.
Daí o porquê
durante 12 anos (desde as ações de “Ucrânia sem Kuchma”, que foi na realidade a
primeira tentativa fracassada de um golpe pró Estados Unidos na Ucrânia) a
diplomacia russa tem trabalhado pacientemente em duas tarefas.
Primeiro, manter a situação na Ucrânia em equilíbrio, embora
instável; segundo, convencer a elite ucraniana de que o ocidente era um perigo
para seu bem estar, considerando que a reorientação em direção à Rússia era a
única maneira de estabilizar a situação e salvar o país, bem como as posições privilegiadas
da própria elite.
A primeira tarefa
foi alcançada com sucesso. Os Estados Unidos, apesar de seus esforços,
conseguiu mudar o modo multi direcional da Ucrânia para um modo completamente contrário
à Rússia apenas a partir de 2013, mesmo assim depois de gastar uma enorme
quantidade de tempo e recursos, tendo comprado um regime com imensas
contradições internas, e sem condições de sobreviver com autonomia (sem o apoio
crescente dos Estados Unidos). Assim, em
vez de poder usar os recursos da Ucrânia em seu próprio benefício, os Estados
Unidos são obrigados a gastar seus recursos apenas para dar continuidade à
agonia do Estado Ucraniano, destruído pelo golpe.
A segunda tarefa
não foi cumprida por causa de duas razões objetivas (as duas independem de
esforços russos). A elite ucraniana se revelou completamente incapaz ante a
situação, sem meios de pensar estrategicamente, sem capacidade de avaliar os
reais riscos e vantagens, e ainda por cima vivendo sob a influência de dois
mitos:
Primeiro – o ocidente
ganharia facilmente uma confrontação contra a Rússia e partilharia depois o saque
com a Ucrânia. Segundo – não é necessário nenhum esforço para gozar de uma
existência confortável e rica (às custas do dinheiro ocidental) a não ser uma
inabalável posição anti Rússia. Colocada em situação de escolher entre a Rússia
e a sobrevivência, e se alinhar com o ocidente e morrer, a elite ucraniana
escolher a morte.
No entanto, mesmo preterida
por uma escolha negativa da elite ucraniana, a diplomacia russa manejou a
situação para extrair dela a máxima vantagem possível. A Rússia não se deixou levar
para uma confrontação com o regime ucraniano, forçando em vez disso Kiev e o
ocidente a iniciar um processo de negociações no segundo plano de uma guerra
civil não declarada acabando por excluir os Estados Unidos das conversações em
Minsk. Forçando o foco nas contradições entre Washington e a União Europeia a
Rússia manuseou a situação, conseguindo que o fardo de suportar economicamente
a Ucrânia ficasse nas costas do ocidente.
Como resultados dessas manobras russas a posição antes consolidada
de Washington e Bruxelas se desintegrou. Vendo-se subitamente dentro de uma blitzkrieg
diplomática, os políticos europeus não estavam preparados para uma confrontação
de longo termo. A economia da União Europeia simplesmente não consegue suportar
o fardo. Já os Estados Unidos não se sentem bem incluindo Kiev em sua própria folha
de pagamentos.
Hoje, depois de um
ano e meio de esforços, a “Velha Europa”, a qual determina a posição da União
Europeia, representada pela Alemanha e França abandonaram completamente a
Ucrânia, e estão pensando em estender a mão mais uma vez para a Rússia,
passando por cima da cabeça dos estados limítrofes pro Estados Unidos (Polônia
e Estados Bálticos). Note-se que mesmo Varsóvia, que costumava fazer o papel de
“advogado” de Kiev na União Europeia, já abertamente (mesmo que não
oficialmente) pensa na possibilidade de uma Ucrânia dividida, tendo perdido a
fé na capacidade das autoridades em Kiev de manter a unidade do país.
Entre a comunidade
política e entre os analistas ucranianos cresce a histeria sobre a “traição da
Europa”. O antigo governador da
região de Donetsk (que foi aliás, nomeado pelos nazistas) e oligarca Sergey
Taruta afirma que o país tem apenas oito meses de existência. Já Dmitry Firtash
(que tinha a reputação de “criador de reis” na Ucrânia) prediz uma desintegração
do país o mais tardar até a próxima primavera.
Todo o acima
exposto foi conquistado pela diplomacia russa, sorrateira e imperceptivelmente,
sem usar tanques nem aviação estratégica. Tudo foi conseguido lutado contra
países inimigos muito mais poderosos militar e economicamente, saindo de uma posição
mais fraca e com aliados muito peculiares, dos quais nem todos estão assim tão
felizes com o crescimento do poder russo.
Progredindo no Oriente Médio
Paralelamente, a
Rússia manipulou pelo seu retorno para o Oriente Médio, retendo e desenvolvendo
a integração entre o espaço pós soviético (União Econômica Eurasiana), lançando
juntamente com a China um projeto de integração Eurasiana (Organização de
Cooperação de Shangai), iniciando ao mesmo tempo um projeto global com os
BRICS.
Infortunadamente,
o espaço limitado não nos permite uma discussão em detalhes das ações
estratégicas da diplomacia russa pelos últimos 20 anos (desde Primakov até
hoje). Um estudo mais aprofundado demandaria alguns volumes.
Entretando,
qualquer um que tentar honestamente responder como a Rússia pode conseguir, em
apenas 20 anos, sem guerras ou revoltas, crescer de um estado de quase colônia
para uma liderança mundialmente reconhecida, teria que prestar homenagens à
contribuição de muitas pessoas que trabalham na Smolenskaya Square (local onde
se localiza o Ministério das Relações Exteriores – nota do tradutor SEVA). Efetuaram seus esforços sem
espalhafato, estridência ou publicidade, mas conseguiram produzir resultados
notáveis sem o derramamento de sangue, sem vítimas. O resultado obtido foi
comparável ao que outros países conseguiram apenas com a utilização de
exércitos de milhões, em muitos anos.
Rostislav Ischenko
Fontes: http://oko-planet.su/politik/politiklist/301881-rostislav-ischenko-rossiya-v-nevidimoy-voyne.html
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