Do Comunicado de Genebra
à Resolução 2254
Thierry
Meyssan
Tradução Alva
Os termos da Resolução 2254, confirmam no essencial os do Comunicado de
Genebra adoptado três anos atrás. As duas maiores potências militares do mundo
acordaram entre si manter a República Árabe da Síria, enquanto os imperialistas
—na vanguarda dos quais a França— prosseguem no seu sonho de mudar o regime
pela força. Mas o mundo mudou ao longo destes anos e parece difícil fazer
tropeçar este novo acordo, tal como foi feito em 2012.
REDE VOLTAIRE - 21 DE
DEZEMBRO DE 2015
As relações Washington-Moscou
Os Estados Unidos
e a Rússia acabam, pela segunda vez, de chegar a um acordo entre si e de
concluir um plano de paz para a Síria.
A
primeira vez, foi quando da Conferência de Genebra de Junho de 2012.
Tratava-se de trazer a paz ao mesmo tempo à Síria e ao conjunto do Oriente
Médio, dividindo entre si a região em zonas de influência.
No entanto, este acordo foi imediatamente sabotado pela secretária de Estado
Hillary Clinton e pelo seu grupo de «falcões liberais» e «neoconservadores». De
tal modo que a França organizou menos de duas semanas depois o relançamento da
guerra, quando da conferência de Paris dos «Amigos da Síria»,
depois com a operação «Vulcão de Damasco e tremor de terra na Síria».
A este contencioso juntou-se, em fim de 2013, o golpe de Estado na Ucrânia. Os
dois acontecimentos marcaram a suspensão quase completa de relações
diplomáticas entre Washington e Moscou.
A
segunda, quando da visita de John Kerry a Vladimir Putin, no Kremlin, a 15 de
Dezembro de 2015.
O encontro foi imediatamente seguido da reunião da Alta comissão da Oposição Síria,
e da adopção das Resoluções 2253 —interditando o financiamento da al-Qaeda e do Estado Islâmico — e a
2254,
institucionalizando os esforços desenvolvidos em Genebra e em Viena para a
Síria. Para surpresa geral, a Alta comissão da Oposição elege o antigo
Primeiro-ministro baathista Riad Hijab — originário de uma tribo presente na
Arábia — para conduzir a sua delegação. Para evitar os erros de interpretação,
o secretário de Estado Kerry declarou no Kremlin que a opinião dos Estados
Unidos sobre o presidente Assad não seria obstáculo à escolha dos Sírios, pois
ele afirmara ao Conselho de Segurança que o «processo político não coloca uma
escolha entre Assad e o Estado Islâmico, mas sim entre a guerra e a paz».
A retirada dos
conselheiros militares iranianos tinha começado pouco antes da reunião de
cúpula do Kremlin.
A Rússia agiu em
conformidade com o Comunicado de Genebra. Este prevê com efeito integrar
elementos da oposição numa espécie de governo de União nacional da República
Árabe Síria. A fim de mostrar que ela luta contra os terroristas, e não contra
os opositores políticos, mesmo que armados, a Rússia concluiu um acordo com o
Exército Sírio Livre e o seu patrocinador, a França. Quando, este exército
nunca teve a importância no terreno que os média (mídia-br) atlantistas lhe têm
dado, e que não existe mais desde o final de 2013, 5.000 combatentes, saídos
não se sabe de onde, colaboram agora tanto com o exército russo como com o da
Síria contra a al-Qaida e o Estado Islâmico; uma encenação, muito
surpreendente, quando se sabe que era suposto o ESL estar implantado no Sul,
mas que agora “combate” no Norte do país.
Depois do fiasco
da Conferência de Genebra de Junho de 2012, muita água correu debaixo das
pontes. Certos protagonistas foram eliminados e as relações de força
inverteram-se.
O
presidente Obama parece ter retomado uma parte do seu poder e encerrado o projeto
da «Primavera árabe». Assim, ele conseguiu desembaraçar-se, sucessivamente, do
general David Petraeus (que ele ordenou deter, grilhetas nos punhos, em
Novembro de 2012), de Hillary Clinton (em Janeiro de 2013) e do general John
Allen (forçado à demissão há precisamente dois meses, em Outubro de 2015). Ao
mesmo tempo que limpou a sua administração — e incluído o Conselho Nacional de
Segurança — de Irmãos Muçulmanos. No entanto Jeffrey Feltman permanece o numero
2 nas Nações Unidas. O qual redigiu um plano de capitulação total e
incondicional da Síria, e fez patinar as negociações de paz esperando com isto
a derrota do Exército Árabe Sírio.
A
Casa Branca forçou, em Junho de 2013, o emir Hamad al-Thani do Catar a abdicar
e o seu Primeiro-ministro Hamad bin Jassem a retirar-se da vida política.
No entanto, este último tornou-se o co-presidente do Brookings Intitution Doha,
enquanto o novo Emir, Tamim, tem mantido o financiamento da Irmandade
Muçulmana, e das suas organizações terroristas, até chegar à crise diplomática
com o seu vizinho Saudita, em Março de 2014.
Apesar
dos avisos da Defense Intelligence Agency-(DIA) («Agência de Inteligência
Nacional-ndT), o grupo de David Petraeus chegou, a meio de Maio de 2014, a
liderar o desenvolvimento de uma organização, que tinha criado em 2004, com o
Coronel James Steele, o Coronel James Coffman e Embaixador John Negroponte, sob
o nome de «Emirado Islâmico no Iraque». Eles usaram-na para limpar etnicamente
uma parte deste país tendo em vista a sua partição. Esta operação foi apoiada
por certos Estados (a Arábia Saudita, Chipre, os Emirados Árabes Unidos, a
França, a Itália, Israel, o Catar, a Turquia e a Ucrânia) e empresas multinacionais
(Exxon-Mobil, KKR, Academi).
A
Casa Branca conseguiu eliminar tanto o clã do antigo rei Abdalla como o do
príncipe Bandar bin Sultan da direção saudita e de confiá-la apenas aos
príncipes Mohamad Mohamed bin Nayef e Mohamed bin Salman, sob a autoridade do
novo rei Salman. Esta nova distribuição enfraquece o poder, mas torna uma
mudança de política possível .
O
Acordo 5+1 com o Irã marcou a renúncia de Teerã à sua ambição
revolucionária,
de tal modo que um modus vivendi com os Sauditas se torna possível,
mesmo se o episódio iemenita veio complicar a tarefa.
Tanto
Washington como Moscou tomaram o Presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan,
de ponta.
No entanto, o fato de que a Turquia pertence à organização da Otan força a Casa
Branca a agir com prudência, tanto mais que Ancara se aliou a Kiev,
outro teatro de guerra importante para a estratégia global dos Estados
Unidos.
A
relação de forças entre Washington e Moscou inverteu-se progressivamente, em
Junho de 2012 e em Setembro de 2015. A Otan a perdeu a sua superioridade, ao
mesmo tempo, em matéria de mísseis intercontinentais e em matéria de guerra convencional de tal modo que a Rússia é agora a primeira potência militar do mundo.
Por consequência,
os papéis inverteram-se. Em 2012, o Kremlin entendeu içar-se a um nível de
igualdade com a Casa Branca. Hoje em dia, esta última tem necessidade de
negociar a falha do seu domínio militar no plano político .
Sinal dos tempos,
a Rand Corporation, um “think tank” emblemático do complexo militar-industrial,
acaba de publicar o seu Plano de paz para a Síria. Este poderoso grupo de
reflexão já havia chocado o establishment norte-americano, em Outubro de 2014,
afirmando na altura que a vitória do presidente Assad era a melhor saída para
Washington.
Propõe agora um cessar-fogo que permita justificar a presença de representantes
da Oposição e dos Curdos no futuro governo de União nacional.
A oposição aos novos dados mundiais
Ora a oposição à
política de Barack Obama não desapareceu. Assim, o jornal Washington Post acusa-o de ter
capitulado na questão da mudança de regime na Síria face à Rússia.
Em 2012, podia-se
interpretar a oposição do clã Petraeus-Clinton à paz como uma vontade de
aproveitar ao máximo a superioridade militar dos EUA. No entanto, com o
desenvolvimento de novas armas russas isto já não faz sentido. Desde logo, a
única interpretação possível é a aposta em provocar, sem tardar, um confronto
global, sabendo que os Ocidentais poderiam ainda, eventualmente, ganhá-lo;
coisa que eles não poderiam de forma alguma esperar assim que a China fosse
capaz de juntar também o seu exército.
Tal como quando da
Conferência de Genebra, a França interveio assim que a Resolução 2254 foi
adoptada. O seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, declarou de
novo que, se todos os grupos de oposição deviam poder participar no processo de
transição na Síria, apenas o presidente Assad devia ser excluído; uma ideia
contrária aos princípios enunciados no Comunicado de Genebra e na Resolução
2254.
Se se podia
interpretar a posição francesa em 2012 como uma vontade de mudar o regime,
–-substituindo-o por um governo dos Irmãos Muçulmanos em lugar do do Baas, na
continuidade do derrube dos regimes laicos árabes («Primavera árabe»); ou como
uma tentativa de «fazer sangrar o exército sírio» para facilitar o domínio
regional por Israel ; ou muito simplesmente como uma ambição de recolonização –
tal não é mais possível hoje em dia, porque cada um destes três objetivos passa
por uma guerra contra a Rússia.
A França
instrumentaliza a questão síria por conta dos falcões liberais e dos neoconservadores
dos EUA. Ela é apoiada nisto pelos sionistas messiânicos, os quais, como
Benjamin Netanyahu, consideram como um dever religioso acelerar a vinda do
Messias provocando para tal um enfrentamento escatológico.
A paz na Síria ou a Guerra nuclear ?
Seria um espanto
tremendo que os falcões liberais, os neoconservadores, e os sionistas
messiânicos conseguissem impor a sua política aos dois Grandes. No entanto,
será difícil chegar a um resultado definitivo antes de janeiro de 2017 e da
chegada de um novo presidente à Casa Branca. Assim, compreende-se melhor o
apoio declarado de Vladimir Putin por Donald Trump, que parece o melhor
colocado para fazer barragem à amiga deles, Hillary Clinton.
Na realidade, tudo
está pronto para concluir um acordo de paz que permita aos vencidos salvar a
face.
A reter:
A Resolução 2253 interdita aos patrocinadores do Daesh e da al-Qaida prosseguir a sua acção. A Resolução 2254 confirma o Comunicado de Genebra de Junho de 2012. Os dois Grandes acordaram em manter a República Árabe Síria e apoiar um governo de união nacional.
A oposição armada apoiada pela Arábia Saudita escolheu o antigo Primeiro- ministro bathista Riad Hijab, em função da altura do Comunicado de Genebra, para liderar a sua delegação. Enquanto a Rússia concluiu um acordo com o Exército Sírio Livre e o seu patrocinador, a França.
Tudo está pronto para concluir um acordo de paz, que permite aos vencidos salvar a face. Mas, tal como em 2012, a França relançou as suas exigências assim que a Resolução 2254 foi aprovada.
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