Os objetivos de Putin
Esplêndida análise por Rostislav Ishchenko
22 de dezembro de 2015 – Prefácio pelo Saker:
A análise abaixo é, de
longe, a melhor que vi até agora desde o início do conflito na Ucrânia. Tenho
postado regularmente análises de Ishchenko no blog antes, porque o considero um
dos melhores analistas russos na atualidade. Desta vez, no entanto, Ishchenko
produziu uma verdadeira obra prima: uma análise abrangente da posição
geoestratégica da Rússia e uma análise, creio eu, absolutamente precisa de toda
a “estratégia de Putin” para a Ucrânia. Este conflito não trata apenas da
Ucrânia, como sempre tenho dito, mas do futuro do planeta como um todo. Não
trata de uma solução “da Novorussia” ou uma solução “da Ucrânia” mas de que o
único resultado possível é ou uma vitória estratégica da Rússia ou dos Estados
Unidos, e isso afetará o planeta inteiro. Ishchenko fornece uma soberba visão
panorâmica dos riscos e opções para ambos os resultados e fornece uma “chave”
abrangente para o aparentemente incompreensível comportamento da Rússia no
conflito. Por fim, Ishchenko compreende perfeitamente a dinâmica complexa e
sutil inerente à sociedade russa. Quando ele escreve que “o poder na Rússia é
exercido com autoridade, mas não autoritariamente” ele está coberto de razão, e
explica tal fato mais claramente com sete palavras do que você poderia aprender
lendo as bilhões de palavras inúteis escritas pelos assim chamados “experts”
que vivem a tentar desvendar a realidade russa.
Todos nós temos um
débito de gratidão com Denis, Gideon e Robin pela tradução deste texto seminal,
que foi muito difícil de traduzir. A única razão que nos permite ler
isso em bom inglês (aqui traduzido para o português – NT) é o esforço de muitas
horas gastas por esses voluntários que produziram uma tradução com a qualidade
superior que esta análise merece.
Recomendo fortemente que
todos vocês leiam este texto com muito cuidado. Duas vezes. Vale a pena.
The Saker
O que Putin quer?
Traduzido do russo para o
inglês por Denis, Gideon e Robin
Traduzido do inglês para
o português por NirucewKS063
É
gratificante que os “patriotas” não tenham responsabilizado imediatamente a
Putin pelo fracasso em obter uma derrota total das tropas ucranianas no Donbass
em janeiro e fevereiro, ou pelas negociações com Merkel e Hollande.
Mesmo assim, eles continuam impacientes por uma
vitória. Os mais radicais estão convencidos de que Putin vai “entregar a
Novorussia” de um jeito ou de outro. E aqueles mais moderados tem medo de que
ele o faça assim que alguma trégua seja assinada (se é que haverá trégua) pela
necessidade de reagrupar e reconstituir o exército da Novorussia (na realidade
isso pode ser feito sem descomprometimento com as operações militares), para
enfrentar as novas circunstâncias no front internacional e estar pronto para
novas batalhas diplomáticas.
Talleyrand |
De fato, apesar da
atenção que os diletantes políticos e/ou militares (aqueles Talleyrands e
Bonapartes da Internet) estão prestando para a situação no Donbass e na Ucrânia
em geral, isto é apenas uma fração do front global: o desfecho da guerra não é
decidido no aeroporto de Donetsk ou nas colinas adjacentes a Debaltsevo, mas
nos gabinetes na Praça Staraya (1) e Praça Smolenskaya (2), e nos gabinetes em
Paris, Bruxelas e Berlin. Porque a ação militar é apenas um dos muitos
componentes dos conflitos políticos.
É o pior, o mais
cruel e o definitivo componente, que traz consigo um risco enorme, mas a
questão não se inicia nem tem seu fim com a guerra. A guerra é apenas um passo
intermediário sinalizando a impossibilidade de um compromisso. Seu objetivo é
criar novas condições pelas quais o compromisso se torne possível ou mostrar
que não é mais necessário, com a supressão de um dos lados do conflito. Quando
chega o tempo dos compromissos, quando as lutas terminaram e as tropas retornam
para suas barracas e os generais começam a escrever suas memórias e a se
preparar para a próxima guerra, é então que o resultado real dos confrontos é
determinado por políticos e diplomatas nas mesas de negociações.
Bismarck |
Muitas vezes, as decisões políticas não são
entendidas pela população em geral e mesmo pelos militares. Por exemplo,
durante a guerra Austro/Prussiana de 1866, o chanceler prussiano Otto Von
Bismarck (mais tarde chanceler do Império Germânico) ignorou os repetidos
pedidos do Rei Wilhelm I (o futuro Imperador Germânico) e as solicitações dos
generais prussianos para tomar Viena, e ele estava absolutamente correto
fazendo isso. Dessa maneira, acelerou a paz nos termos prussianos e ainda
assegurou que a nação Austro/Húngara se tornasse para sempre (bem, pelo menos
até seu desmembramento em 1918) uma espécie de sócio minoritário da Prússia e
mais tarde do Império Germânico.
Para entender
como, quando e em que condições as ações militares podem cessar, precisamos
saber o que os políticos querem e como veem as condições para aceitar
compromissos no pós guerra. Por estas alturas, saber-se-á porque uma ação
militar mais intensa se tornou uma guerra civil de baixa intensidade com
ocasionais tréguas, tanto na Ucrânia quanto na Síria.
Obviamente, as opiniões dos políticos de Kiev não
são de nosso interesse porque eles nada decidem. Não é mais possível ocultar o
fato de que são os estrangeiros que governam a Ucrânia. Não tem a menor
importância se os ministros que ocupam os gabinetes são estonianos ou
georgianos; eles são, na realidade, todos (norte)americanos. Também pode se
revelar um enorme erro interessar-se pela forma que os líderes da República
Popular de Donetsk e da República Popular de Lugansk veem o futuro. Elas só
existem devido ao apoio decidido de Moscou, e enquanto a Rússia as apoiar, os
interesses russos devem ser protegidos, independentemente de quaisquer
inciativas ou decisões. Há demasiado em jogo para permitir a [Alexander]
Zakharchenko ou [Igor]Plotnitzki ou seja quem for, aliás, tomar decisões
independentes.
A posição da União
Europeia tampouco nos importa. Muito dependia da União Europeia até o verão do
último ano, quando a guerra poderia ser evitada ou interrompida em seu início.
Para que tal se desse, havia a necessidade de um forte posicionamento anti guerra
pela União Europeia o que poderia servir de anteparo para as iniciativas dos
Estados Unidos pela guerra e tornaria a UE um forte ator geopolítico global. A
União Europeia deixou passar a oportunidade, preferindo em vez disso
comportar-se como um vassalo fiel dos Estados Unidos.
Como resultado, a
Europa está à beira de um colapso de proporções assustadoras. Nos próximos
anos, há grande chance de que lhe aconteça o mesmo que aconteceu com a Ucrânia,
apenas com muito mais barulho, banhos de sangue muito maiores e uma chance
mínima de que num futuro previsível apareça alguém para colocar a casa em
ordem.
De fato, a União
Europeia pode escolher entre continuar como uma ferramenta dos Estados Unidos
ou se mover para mais perto da Rússia. Dependendo de sua escolha, a Europa pode
sofrer apenas danos menores, como a quebra de parte de seus países periféricos
ou a possível fragmentação de alguns países, ou pode mesmo entrar em colapso
total. A julgar pela relutância das elites europeias em romper com os Estados Unidos,
o colapso parece quase inevitável.
O que pode nos
interessar de verdade é a opinião dos dois maiores atores que podem determinar
a configuração do front geopolítico e estão lutando de fato pela vitória nesta
nova geração de guerra – a Terceira Guerra Mundial centrada em redes. Esses
atores são os Estados Unidos e a Rússia.
A posição dos
Estados Unidos é clara e transparente. Na segunda metade dos anos 90,
Washington perdeu a sua única oportunidade de reformar a economia da Guerra
Fria sem enfrentar quaisquer obstáculos e assim evitar uma crise iminente em um
sistema cujo desenvolvimento é limitado pela natureza finita dos recursos do
planeta, incluindo-se aí os recursos humanos e cujos conflitos trazem a
necessidade de imprimir dólares infinitamente.
Depois disso, os
Estados Unidos podem prolongar os espasmos de morte do sistema apenas através
da pilhagem do resto do mundo. Primeiro, foram atrás dos países do Terceiro
Mundo. Depois saquearem potenciais competidores. Em seguida, até mesmo aliados
e amigos mais próximos. Tais ações só podem ter continuidade enquanto os
Estados Unidos permanecerem como uma potência hegemônica e incontestável
mundialmente.
Assim, quando a
Rússia afirmou seus direitos de tomar decisões políticas independentes –
decisões de importância não apenas global, mas também regional – um conflito
com os Estados Unidos se tornou inevitável. Este conflito não terminará com um
acordo de paz.
Para os Estados
Unidos, um compromisso com a Rússia significará a renúncia voluntária de sua
hegemonia, levando rapidamente a uma catástrofe sistêmica – não apenas uma
crise política e econômica, mas também uma paralisia das instituições estatais
e a incapacidade do governo para funcionar. Em outras palavras, sua
desintegração inevitável.
Tal catástrofe sistêmica
será enfrentada pela Rússia, no caso de uma vitória dos Estados Unidos. Depois de algum tipo de “rebelião”, as
classes governantes da Rússia serão punidas com a liquidação e confisco de seus
ativos, assim como a prisão. O Estado será fragmentado, quantidades
substanciais de território serão incorporados e o exército do país pode ser
destruído.
Então, a Guerra durará até que um dos lados vença.
Neste ínterim, poderemos testemunharemos apenas de algo como uma paz temporária
– uma necessidade de tempo para reagrupar, para mobilizar recursos e de
encontrar (quer dizer, roubar) aliados adicionais.
Para completar o
quadro da situação necessitamos apenas de analisar a posição da Rússia. É
essencial para entender o que a liderança russa pretende conquistar,
particularmente o presidente Vladimir Putin. Nós falávamos do papel essencial
que Putin exerce na estrutura de organização do poder na Rússia. O sistema não
é autoritário mas tem autoridade – significando que é baseado não em uma
consolidação da autocracia mas na autoridade da pessoa que criou o sistema e,
como chefe dele, faz com que tudo funcione efetivamente.
Nos quinze anos em que Putin permanece no poder,
apesar das dificuldades da situação interna e externa, ele tem tentado
maximizar o papel do governo, da Assembleia Legislativa e até das autoridades
locais. São passos lógicos que darão estabilidade e continuidade total ao
sistema. Já que ninguém permanece eternamente no poder, a continuidade
política, independentemente de quem está no poder é a chave que torna estável o
sistema.
Infortunadamente,
o controle total autônomo, principalmente a capacidade de funcionar sem o
comando do presidente ainda não foi alcançado. Ocorre que Putin permanece como
o componente principal do sistema porque o povo deposita sua confiança nele
pessoalmente. O povo ainda não tem confiança suficiente no sistema, como
representado pelas autoridades públicas e repartições.
Assim, as opiniões
e planos políticos de Putin se tornaram um fator decisivo em áreas como a
política externa russa. Se a frase “sem Putin, não existe Rússia” é um evidente
exagero, a frase “o que Putin quer, a Rússia também quer” reflete a situação de
um modo muito mais exato em minha opinião.
Primeiro, devemos
perceber que o homem guiou a Rússia cuidadosamente por 15 anos até o seu
ressurgimento em condições de igualdade com a hegemonia dos Estados Unidos no
mundo político, passando durante este período por várias oportunidades em que
Washington poderia ter influenciado significativamente na política interna
russa. Ele tem que entender a natureza da luta e ao mesmo tempo seu oponente.
De outra forma, não teria durado tanto tempo.
O nível de
confronto com os Estados Unidos que a Rússia se permitiu cresceu bem lentamente
e até certo ponto passou totalmente despercebido. Por exemplo, a Rússia não
reagiu de forma alguma e relação às “revoluções coloridas” na Ucrânia em
2000/2002 (o caso Gongadze (3), o escândalo Cassete (4) e os protestos “Ucrânia
sem Kuchma” (5).
Nos golpes que tiveram lugar em novembro de 2003 a
janeiro de 2004 na Georgia e de novembro de 2004 a janeiro de 2005 na Ucrânia,
a Rússia adotou uma posição de oposição a esses movimentos mas não interveio de
forma ativa. Em 2008, na Ossétia e Abkazia, a Rússia usou suas tropas contra a
Georgia, um aliado dos Estados Unidos. Em 2012, na Síria, a frota russa
demonstrou estar pronta para confrontar os Estados Unidos e seus aliados da
OTAN.
Em 2013, a Rússia começou a tomar medidas
econômicas contra o regime de [Victor] Yanukovych o que contribuiu para que ele
entendesse o quanto era perigoso assinar um acordo de associação [com a União
Europeia].
Fizesse o que fizesse, a Rússia não poderia ter
salvo a Ucrânia do último golpe por causa da baixeza, covardia e estupidez dos
líderes ucranianos – e não apenas Yanukovych, mas todos eles, sem exceção.
Depois do golpe armado que foi deflagrado em Kiev, em fevereiro de 2014 a
Rússia entrou em confronto aberto com Washington. Antes disso, os conflitos que
existiram sempre foram intercalados com períodos de reatamento de relações, mas
no início de 2014 as relações entre a Rússia e os Estados Unidos se
deterioraram rapidamente atingindo quase imediatamente um ponto no qual,
vivêssemos ainda o período pré-nuclear, a guerra teria sido imediatamente
declarada.
Em cada momento desses, as atitudes de Putin foram
exatamente ao nível de confrontação com os Estados Unidos que a Rússia seria
capaz de lidar. Se a Rússia não está limitando os níveis de confronto
atualmente, isso significa que Putin acredita que, na guerra das sanções, na
guerra de nervos, de informação, na guerra da Ucrânia e na guerra econômica, a
Rússia pode vencer.
Portanto, esta é a primeira conclusão importante
sobre o que Putin quer e o que ele espera. Ele espera vencer. E considerando
que adotou uma estratégia meticulosa que busca antecipar quaisquer surpresas,
você pode estar certo que quando a decisão de não mais recuar sobre a pressão
dos Estados Unidos e sim responder foi tomada, a liderança russa tinha uma
dupla, se não uma tripla garantia de vitória.
Guerra da Georgia |
Gostaria de
salientar que a decisão de entrar em conflito com Washington não foi tomada em
2014 nem em 2013. A guerra de 08 de agosto de 2008, foi um desafio que os
Estados Unidos não podiam deixar passar impune. Depois daquilo, cada novo
futuro estágio do confronto subiu de patamar. De 2008 a 2010 a capacidade dos
Estados Unidos – não apenas militar ou econômica, mas como um todo – tem
declinado, enquanto a capacidade da Rússia tem melhorado significantemente.
Então, o objetivo principal foi subir as apostas lentamente em vez de fazê-lo
de forma explosiva. Em outras palavras, uma confrontação aberta em que os
pretextos não importam mais e que todos entendem que na realidade se trata de
uma guerra que tinha que ser evitada tanto quanto possível. Porém o melhor seria
tê-la evitado inteiramente.
A cada ano, os
Estados Unidos se tornavam mais fracos, enquanto a Rússia se fortalecia. O
processo era natural, inevitável e se
tornou impossível de deter, e poderíamos tranquilamente projetar com um alto
grau de certeza que entre 2020 e 2025, sem qualquer confrontação, o período de
hegemonia dos Estados Unidos teria cessado e os EUA fariam melhor em parar de
pensar em como dominar o mundo, mas como deter seu próprio e avassalador
declínio interno.
Assim, o segundo
desejo de Putin é muito claro: manter a paz ou pelo menos uma aparência de paz
tanto tempo quanto possível. A Paz é vantajosa para a Rússia porque em
condições de paz, sem grandes despesas, ela obtém o mesmo resultado, mas com
situação geopolítica muito melhor. É por isso que a Rússia está sempre
estendendo o ramo de oliveira. Da mesma forma que em condições de paz no
Donbass a junta em Kiev está destinada ao colapso, em condições de paz mundial
o complexo militar/industrial criado pelos Estados Unidos estará destinado a se
autodestruir. Dessa maneira, as ações da Rússia podem ser mais bem descritas pela
máxima de Sun Tzu: “a maior vitória é
aquela conquistada sem a necessidade de qualquer batalha”.
É
muito claro que os Estados Unidos não são governados por idiotas, não importa o
que se diga nos programas de televisão da Rússia ou se escreva em seus blogs.
Os Estados Unidos entendem perfeitamente a situação em que se meteram. Além
disso, eles também entendem que a Rússia não tem planos de destruí-los e que na
realidade os russos estão preparados para trabalhar lado a lado e cooperar como
iguais. Mesmo assim, por causa da situação política e socioeconômica dos
Estados Unidos, essa cooperação não pode ser aceita por eles. Provavelmente
ocorrerá uma explosão social e um colapso econômico antes que Washington (mesmo
com o apoio de Moscou e Pequim) tenha tempo de introduzir a reformas
necessárias para evitar isso, especialmente quando se leva em conta que a União
Europeia terá que necessariamente passar pelas mesmas reformas. Acrescente-se
que a elite política que emergiu nos Estados Unidos nos últimos 25 anos se
acostumou com o status de ser a dona do mundo. Eles sinceramente não
compreendem como pode existir alguém que possa não pensar assim.
Para a elite que
governa os Estados Unidos (nem tanto a classe empresarial, mas a burocracia
governamental), passar de um país que decide os destinos do mundo e dos povos
inferiores para um que tem que negociar com cada um deles em pé de igualdade é
intolerável. É como oferecer para Gladstone ou Disraeli o posto de primeiro
ministro do governo zulu sob Cetshwayo
kaMpande. Assim, diferentemente da Rússia, que precisa da paz para se
desenvolver, para os Estados Unidos a guerra é vital.
Por
princípio, toda Guerra não passa de um confronto por recursos. Tipicamente, o
vencedor normalmente é aquele que no final pode mobilizar mais tropas, e
construir mais tanques, navios e aviões. No entanto, mesmo quando em
desvantagem estratégica a vitória pode ser obtida com a conquista de uma
vitória tática importante no campo de batalha. Os exemplos poderiam ser as
guerras de Alexandre o Grande, de Frederico o Grande bem como as campanhas de
Hitler em 1939/1940.
Potências
nucleares não podem se enfrentar diretamente. Dessa forma, suas bases de
recursos adquirem uma importância enorme. Não é por outro motivo que a Rússia e
os Estados Unidos estão desde o ano passado em uma luta desenfreada por
aliados. A Rússia venceu esta competição. Os Estados Unidos podem contar apenas
com o Canadá, Austrália, União Europeia e Japão como aliados (embora às vezes
nem tão incondicionalmente assim), mas a Rússia manobrou para mobilizar apoio
dos BRICS, para fincar o pé firmemente na América Latina e começa a deslocar os
Estados Unidos na Ásia e no Norte da África.
É
claro que isto não é totalmente óbvio, mas se considerarmos os resultados das
votações na ONU, assumindo que a queda do apoio oficial aos Estados Unidos
significa uma dissenção que resulta na prática em apoio para a Rússia, segue-se
que os países alinhados com a Rússia representam o controle de cerca de 60% do
PIB mundial, têm mais de dois terços da população do planeta e mais de três
quartos do seu território. Dessa forma, a Rússia estaria mais apta a mobilizar
recursos. Neste contexto, os Estados Unidos tem duas opções táticas. A primeira
parecia ter grande potencial e foi empregada por eles desde os primeiros dias
da crise.
Foi uma tentativa
de forçar a Rússia a escolher entre uma situação ruim e outra ainda pior. A
Rússia poderia ser compelida a aceitar um estado nazista em suas fronteiras e
consequentemente uma dramática perda de sua autoridade internacional e na
realidade de apoio de seus aliados, e depois de um curto período de tempo
tornar-se-ia vulnerável a forças internas e externas pró-EUA, sem chances de
sobrevivência. Ou poderia fazer seu exército invadir a Ucrânia, varrer dali a junta
antes que ela se organizasse e restaurar o governo legítimo de Yanukovych, o
que traria imediatamente a acusação de agressão contra um país independente e a
supressão de uma suposta revolução popular. Tal situação resultaria em alto grau
de desaprovação pelo povo ucraniano acarretando a necessidade de enormes gastos
de recursos militares, políticos, econômicos e diplomáticos para manter um
regime fantoche em Kiev, mesmo porque nestas condições nenhum outro tipo de
governo seria possível.
A Rússia contornou
tal dilema. Não houve qualquer invasão direta. É o Donbass que está combatendo
contra Kiev. São os Estados Unidos que tem que dispender recursos escassos para
suportar o regime de Kiev, por sua vez condenado ao fracasso, enquanto a Rússia
pode ficar confortavelmente dentro de suas fronteiras oferecendo propostas de
paz.
Então os Estados
Unidos estão empregando sua segunda opção, uma tão velha quanto as montanhas. Quando
você não pode conquistar nem bater seu inimigo, o máximo de danos possível deve
ser causado para que a vitória do inimigo seja mais custosa que sua derrota,
quando se tiver que usar os recursos acima mencionados para restaurar o
território destruído. Consequentemente, os Estados Unidos pararam de assistir à
Ucrânia e agora nada mais oferecem que uma retórica política, enquanto
encorajam Kiev a lançar uma guerra civil através do país.
O território
ucraniano tem que queimar, não apenas em Donetsk e Lugansk mas também em Kiev e
Lvov. A Tarefa é simples: destruir a infraestrutura tanto quanto possível e
levar a população à beira da inanição. Então a população da Ucrânia consistirá
de milhões de famintos, desesperados e pesadamente armados, que começarão a
matar uns aos outros por comida. Para parar o derramamento de sangue restará
apenas a opção de uma massiva intervenção militar internacional na Ucrânia (a
milícia por si mesma não será suficiente) e massivas injeções de fundos para
alimentar a população e reconstruir a economia até que a Ucrânia possa
alimentar a si mesma novamente.
Claro
que todos estes custos recairiam sobre a Rússia. Corretamente, Putin acredita
que não apenas o orçamento mas todos os recursos públicos seriam sobrecarregados
neste caso, e muito possivelmente insuficientes. Consequentemente, o objetivo é
não permitir que a Ucrânia se despedace antes que a milícia possa tomar a
situação sobre seu controle. É de importância crucial minimizar as mortes e a
destruição e salvar tanto quanto possível da economia e da infraestrutura das
maiores cidades para que a população sobreviva de alguma forma e possa então
cuidar ela mesma dos bandidos nazistas.
Quando se chega a este ponto, um aliado improvável
aparece para a Rússia na forma da União Europeia. Como os Estados Unidos sempre
tentam usar os recursos europeus em sua luta contra a Rússia a União Europeia
agora está exausta e enfraquecida e ainda tem que lidar com seus próprios
problemas que cresceram ao longo do tempo.
Se a Europa de repente tiver que encarar uma
Ucrânia completamente destruída, com milhões de pessoas armadas que podem fugir
não apenas para a Rússia mas também para a Europa, levando junto passatempos
espetaculares como o tráfico de drogas, o contrabando de armas e o terrorismo,
a União Europeia não sobreviverá. No entanto, as Repúblicas Populares de
Donetsk e Lugansk servirão de anteparo para a Rússia.
A Europa não tem
condições de confrontar os Estados Unidos, mas tem um medo mortal de uma Ucrânia
destruída. Consequentemente, pela primeira vez no conflito, Hollande e Merkel
não apenas estão tentando sabotar as ordens dos Estados Unidos (por exemplo,
impondo sanções mas não indo assim tão longe), como eles também estão tomando
algumas atitudes independentes de forma limitada com a intenção de alcançar um
compromisso – talvez não uma paz duradoura mas ao menos uma trégua na Ucrânia.
Se a Ucrânia pegar
fogo, queimará rapidamente, e se a União Europeia se tornar um parceiro não
confiável, pronto para se passar para o lado da Rússia ou ao menos tomar uma posição
de neutralidade, então Washington, fiel à sua estratégia, será obrigada a
destruir a Europa por sua vez.
Uma Guerra entre
estados ou uma série de guerras civis em um continente recheado por toda a
sorte de armas pesadas, onde vivem mais de meio bilhão de pessoas é muito pior
que uma guerra civil na Ucrânia. O Oceano Atlântico, como sempre, separa os
Estados Unidos dos possíveis conflitos. Mesmo o Reino Unido pode esperar ficar
do outro lado do canal, em paz. Mas a Rússia e a Europa compartilham uma enorme
fronteira comum.
Não é do interesse
russo que haja uma conflagração desde o Atlântico até os Cárpatos, quando o
território que vai dos Cárpatos até o Dnieper ainda está em formação. Consequentemente
o outro objetivo de Putin é estender até onde possível os principais efeitos
negativos de uma conflagração na Ucrânia e de uma conflagração na Europa. Como
é impossível prevenir por completo tal resultado (se os Estados Unidos quiserem
incendiar a Europa, incendiarão), é necessário pelo menos ser capaz de
extinguir o incêndio rapidamente para salvar as coisas mais valiosas.
A reflexão de que
a paz é absolutamente necessária para proteger os interesses reais da Rússia
está nos pensamentos de Putin, porque é esta paz que pode facilitar a conquista
total de suas metas com o mínimo possível de custo. Mas porque a paz não é
possível ao longo prazo, e as tréguas se tornam a cada dia mais teóricas e
frágeis, Putin precisa então que a guerra termine o mais rápido possível.
Porém
eu quero enfatizar que se um compromisso poderia ter sido alcançado um ano atrás
em termos mais favoráveis para o ocidente (a Rússia ainda assim alcançaria seus
objetivos porém mais tarde – uma concessão menor) isso já não é possível, e as
condições gerais pioram dia a dia. Ostensivamente, tudo parece estar na mesma;
a paz em quase qualquer condição ainda é favorável para a Rússia. Apenas uma
coisa mudou, mas tem uma importância absoluta: a opinião pública. A sociedade
russa anseia por uma vitória, e por retaliação. Como eu salientei antes o poder
na Rússia é exercido com autoridade mas não autoritariamente; isso significa
que na Rússia a opinião publica importa, ao contrário das “democracias
tradicionais”.
Putin só pode
manter seu papel como eixo do sistema enquanto ele tem o apoio da maioria da
população. Se ele perder esse apoio, como não emergiram quadros com a sua
estatura da elite política russa, o sistema perderá sua estabilidade. Mas o
poder só pode ser mantido com autoridade enquanto personifica os desejos das
massas. Assim, a derrota dos nazistas na Ucrânia, mesmo uma vitória diplomática,
tem que ser clara e indisputável – apenas sob essas condições é possível um
compromisso russo.
Assim, independentemente
dos desejos de Putin ou dos interesses da Rússia, dado o equilíbrio atual do
poder, bem como as prioridades e possibilidades dos protagonistas, uma guerra
que deveria ter terminado no ano passado pode quase com certeza se espalhar pela Europa. Há
apenas uma coisa que poderemos tentar prever – quem será mais efetivo? Os
(norte)americanos com sua gasolina ou os russos com seu extintor de incêndio? Mas
uma coisa resta absolutamente clara: as iniciativas de paz dos líderes russos
serão limitados não por seus desejos mas pelas suas atuais possibilidades. É
fútil ir contra os desejos do povo ou o curso da história; mas quando eles
coincidem, a única coisa que um político ponderado pode fazer é entender os
desejos do povo e os rumos do processo histórico e tentar apoiá-los a qualquer
custo.
As circunstâncias
descritas acima tornam extremamente improvável que a vontade dos que propõem a
formação de um Estado Independente na Novorussia seja realizado no todo.
Levando em consideração a escala do conflito que se avizinha, a determinação do
destino da Ucrânia não apenas será muito complicada mas também extremamente cara.
É muito lógico que
o povo russo se pergunte: Se os russos, a quem resgatamos dos nazistas, vivem
em Novorussia, por que tem que viver em um estado separado? E se eles quiserem
viver em um estado separado, porque é a Rússia que tem que lhes reconstruir as
cidades e fábricas? Para estas questões existe apenas uma resposta razoável: a
Novorussia deverá se tornar parte da Rússia (especialmente porque tem lutadores
o suficiente para requerer isso, mesmo com uma classe dirigente problemática).
Bem, se parte da Ucrânia pode se tornar russa, por que não a Ucrânia inteira? Principalmente
porque pelo tempo em que esta questão faz parte da agenda, a União Europeia não
mais será uma alternativa para a União Eurasiana [para a Ucrânia].
Consequentemente,
a decisão de se juntar à Rússia deve vir de uma Ucrânia federativa unida, e não
de uma entidade sem um status claramente definido. Penso que é prematuro
redesenhar o mapa político. É muito provável que o conflito na Ucrânia seja concluído
lá pelo final do ano que vem. Porém se os Estados Unidos manejaram para
estender o conflito para a União Europeia (e eles tentarão), a resolução final
das questões territoriais pode levar mais um par de anos para ser concluída.
Talvez mais.
Em qualquer dos
cenários nós nos beneficiaremos com a paz. Em condições de paz, a base dos
recursos russos apenas crescerá, bem como novos aliados (antigos parceiros dos
Estados Unidos) virão para o nosso lado, e conforme os Estados Unidos forem
progressivamente marginalizados, a reestruturação territorial se tornará cada
vez mais simples e eventualmente perderá parte de sua importância,
especialmente para aqueles que estiverem sendo reestruturados.
2-
Quadra em Moscou onde está situado o Ministperio de
Relações Exteriores da Rússia
3-
Georgiy Gongadze foi um jornalista e diretor de
filmes nascido na Georgia que foi sequestrado e morto em 2000.
4-
O Escândalo dos vídeo tapes eclodiu em 2000 quando
aúdios nos quais Leonid Kuchma supostamente discutia a necessidade de silenciar
Gongadze pela revelação de corrupção em alto nível.
5-
Como
resultado do Escândalo dos vídeo tapes uma massa de manifestações contra Kuchma
aconteceu nos anos de 2000/2001.
Rostislav
Ishchenko
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