Vitória de Trump não foi ideológica: foi brilhante


9/11/2016, Eric Zuesse, OffGuardian
Traduzido pelo Coletivo de Tradutores da VILA VUDU

CNN explicou bem 
"5 surpreendentes lições da surpreendente vitória de Trump" e o fracasso histórico da política norte-americana tradicional em ano de eleição presidencial, mas a coisa resume-se a um simples fato: 


-- nos estados 'oscilantes', onde a maior parte dos dólares de propaganda e publicidade pró-não-vote foram enterrados, a equipe Trump fez uso da organização do Partido Republicano nas partes da operação da campanha que se beneficiavam daqueles contatos bem estabelecidos e dos bons velhos métodos e técnicas já muito bem testados. Mas só nessas, não em outras partes da campanha que teriam de ser – e foram – aprimoradas, para que funcionassem melhor que em todas as eleições presidenciais em toda a história dos EUA.



O fato elementar é que Trump manifestou compreensão transcendente do que é a política nacional dos EUA, melhor até que a do candidato que todas as pesquisas durante as primárias mostraram ser o preferido de maior número de eleitores e, assim, o único capaz de derrotar qualquer dos demais candidatos em disputa um-a-um: Bernie Sanders (provas disso se encontram 
aqui e aqui). 


E se restar qualquer dúvida quanto a por que Bernie Sanders, não outro qualquer, considere-se essa matéria da Reuters quase às 3h da madrugada da 4ª-feira 9/11, imediatamente depois da votação: 
"Eleitores nos EUA querem presidente que ponha fim aos privilégios de ricos e poderosos – pesquisa Reuters/Ipsos"


Por exemplo, pesquisa entre 10 mil eleitores que saíam da cabine eleitoral mostrou: "75% concordam com: 'EUA precisam de líder forte para retomar o país, hoje em mãos dos ricos e poderosos.'" Exatamente a mensagem de Bernie Sanders. E a campanha de Trump levou essas pessoas às urnas, para votar.


Sanders pode até ter acertado ao supor que mais altos índices de aprovação são quase sempre, em qualquer previsão, o mais importante fator isolado que determina a vitória de algum candidato à Casa Branca (e Sanders tinha o mais alto nível de aprovação). Mas ele, como também sua adversária Hillary Clinton, não compreenderam a importância do fator intensidade-emocional, fator que 
Trump usou como artista virtuose.


É o que se vê claramente, se se examinam mais a fundo os resultados das pesquisas de boca-de-urna: os eleitores que realmente saíram de casa e foram votar são pessoas fundamentalmente diferentes das ditas 'prováveis votantes' que foram pesquisadas antes das eleições! Trump passou a perna em toda a política tradicional, em toda a 'cobertura' midiática e em toda a indústria das pesquisas 'de intenção de voto' nos EUA. Esse sucesso da inteligência social política é simplesmente impressionante.


Sanders falhou ao não ver que nas primárias do Partido Democrata havia maior intensidade emocional a favor de um pensamento reacionário (pró Clinton-Obama, anti-FDR), do que a favor de qualquer ideologia progressista (o legado de FDR que prevalecia no Partido Democrata até a vitória de Bill Clinton em 1992). De fato, foi Hillary quem compreendeu mais corretamente esse fenômeno. E foi ela, política incompetente e viciosa e apoiada pela aristocracia, quem roubou de Sanders a indicação do Partido. 


Trump conseguiu sem dificuldade atrair para ele a maioria dos votos das primárias, num campo abarrotado com 17 candidatos, e assim ganhou a indicação de um dos dois grandes partidos políticos e pôde prosseguir para enfrentar a incompetente Hillary na eleição geral.


Do ponto de vista de Bernie Sanders, tal eleição geral, entre dois candidatos ambos com números negativos de aprovação, não deve ter feito muito sentido político. E ele então optou por apoiar Hillary, a ladra. Assim Sanders tornou-se uma não entidade dentro do Partido Democrata pós-1992 e profundamente corrompido. 


Sanders poderia ter fundado um movimento político autenticamente independente – movimento político, não novo partido político –, que pudesse honestamente escolher candidato de qualquer dos partidos e que, feitas as contas e contra fosse qual fosse o adversário, oferecesse mais benefício e causasse menor dano na trilha rumo a um projeto progressista. Essa foi a única saída construtiva que lhe restou, depois de ter sido roubado por Hillary. Mas escolheu deixar-se ficar com os pés presos na lama.


Sanders optou por se tornar mera engrenagem numa máquina suja e pegajosa pró-aristocracia, a serviço da ala da aristocracia dos EUA encastelada no Partido Democrata.


Depois de obter a indicação do Partido Republicano – obtida limpa e honestamente –,Trump passou a elaborar sobre aquele sucesso um movimento autenticamente anti-aristocrático (ou 'anti-Establishment'), ao lado e por fora do Partido Republicano.


A mensagem basicamente anti-aristocracia de Trump não mudou. E, como indicado do Partido Republicano, ele se viu diante da decisão mais crucial de toda a campanha: 


(i) ou sair em busca dos milhões de eleitores de Sanders  (i.e., o maior dos segmentos do eleitorado) com a bandeira já então de Hillary – do Partido Democrata pós-1992, de Bill Clinton –, para quem raça e gênero (não a classe econômica) seriam as principais barreiras que impediriam a igualdade de oportunidades econômicas nos EUA; ou


 (ii) firmar-se em sua mensagem original de que a classe econômica (e por trás de tudo a "corrupção" da elite) é o que realmente opera como barreira contra "a sociedade de oportunidades iguais". No primeiro caso, Trump teria adotado a mensagem básica da campanha de Hillary Clinton.


Trump – inteligentemente, como adiante se comprovou – escolheu o segundo dos dois caminhos acima (e que havia sido a mensagem básica de Bernie Sanders). Decidiu manter a seu favor a vantagem da intensidade (a 'pegada' dita 'populista', mas mais corretamente "popular"), para atrair às urnas o maior número possível de eleitores na eleição final nos estados indefinidos; e para deixar para trás a adversária, que esperava vencer com uma 'coalizão' de segmentos 'sem classe' (mulheres, negros, hispânicos, muçulmanos etc.). 


Hillary e sua campanha supunham que aquele tipo de identificação pessoal por grupamentos bastaria para superar toda a rejeição que houvesse, gerada pela longa história de uso corrupto dos cargos de Hillary para favorecer seus apoiadores. Com isso, ela derrotaria Donald Trump, 'o intolerante'. Como adiante se viu, estavam errados.


Quais serão as consequências importantes da vitória de Trump?


Sou eleitor de Bernie Sanders, votei em Trump contra Hillary, pelas razões que já expus quando apontei as consequências que adviriam de uma vitória de Trump (
"I'm a Bernie Sanders Voter: Here's Why I'll Vote Trump"). Lá escrevi:


Trump está rapidamente empurrando o centro político dos EUA na direção oposta à qual Bill Clinton, Barack Obama e Hillary Clinton o empurraram rumo ao conservadorismo, cada vez mais para longe de qualquer progressismo. Todos esses presidentes democratas-conservadores e (agora) a nova aspirante à presidência empurraram o centro político dos EUA consideravelmente em direção à direita (em direção da agenda corporativo-internacional). Um presidente Trump pode reverter o rumo político em que esse país anda aos tropeções desde 1993.


Se nós progressistas não ajudarmos Trump a fazer isso, estaremos jogando fora a única oportunidade que a oligarquia norte-americana [não percebeu e] e nos deixou ter até agora.


Uma presidenta Hillary Clinton terá o apoio de quase todos os Democratas no Congresso, não importa o quanto suas propostas sejam pró-direita, e seus 
apoiadores magnatas do big-money comprarão congressistas Republicanos em número suficiente para fazer dela a presidenta Democrata mais efetivamente mais conservadora em décadas, se não em séculos. É perigo gravíssimo.


A principal objeção que ouço de meus companheiros progressistas é: "Mas veja o pessoal que ela nomeará para a Suprema Corte!" Minha resposta é: 
"Não há 'Guerra Fria'. Situação é muito, muito pior que isso." Hillary Clinton obrou intensamente na direção de forçar Barack Obama na direção de guerra nuclear contra a Rússia, e, diante disso, até o problema da Suprema Corte torna-se trivial. Além do mais, como já escrevi em "I'm a Bernie Sanders Voter: Here's Why I'll Vote Trump", Trump pode vir a ser, de fato, presidente muito mais progressista do que se espera dele. Mas mesmo que não aconteça assim, Trump é profundamente empenhado em pôr fim às agressões dos EUA contra a Rússia.


O grande derrotado nessas eleições é 
George Herbert Walker Bush [Bush pai], o homem que, em 1990, clandestinamente, montou o plano dos EUA para conquistar a Rússia – o mesmo plano que todos os presidentes dos EUA seguem desde então; Hillary Clinton contava com completar a operação.


Foi uma eleição histórica para os EUA: finalmente o governo dos EUA se afastará da trilha que levaria a guerra contra a Rússia, a mesma trilha para a qual os EUA empurram o mundo desde 1990. 


Estou impressionadíssimo, e enormemente aliviado com o resultado eleitoral – ainda que Trump venha a se revelar péssimo presidente (i.e., conservador, o contrário de progressista) em todos os demais campos, inclusive na Suprema Corte.


Até no pior dos cenários, Trump será melhor presidente do que seria Hillary Clinton, a 
neoconservadora.


Obrigado, Donald Trump! Sem sua vitória aqui, o resultado provável seria catastrófico, ainda mais catastrófico do que 
a catástrofe mundial que Hillary Clinton produziu como secretária de Estado dos EUA.



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