por Stephen
Kinzer
tradução: mberublue
12 de janeiro de 2016 "Information Clearing House" - "Boston
Globe" A bomba que explodiu em uma quadra histórica
de Istambul frequentada por turistas foi o resultado indireto da política
selvagem e aventureira da Turquia no conflito sírio. É uma lição para outros
países, inclusive os Estados Unidos. Não se meta tão profundamente no conflito
nem acredite que pode controlar os grupos insurgentes dentro da Síria, pois o
conflito pode bater à sua porta.
O homem bomba era um jovem sírio,
anunciou o presidente Recep Tayyip Erdogan. Os esforços do governo da Turquia
para limitar os relatos sobre o incidente levantaram a presunção de que a
responsabilidade seria do grupo terrorista Daesh (ISIS). O que faria sentido.
Tempo houve em que Erdogan e Bashar al-Assad
eram como melhores amigos. Quando os primeiros protestos antigovernamentais
começaram a estourar na Síria, Erdogan aconselhou seu amigo como responder.
Assad replicou que não precisava de conselho e que agiria como considerasse
melhor. Isso fez detonar emoções vulcânicas em Erdogan, que jurou que faria
tudo ao seu alcance para depor Assad – inclusive Apoiar grupos terroristas como
o Daesh (ISIS/ISIL).
A Turquia permitiu que lutadores
estrangeiros passassem através de seu território para se juntassem aos grupos
terroristas. Deu permissão para que os guerreiros do Daesh que fossem feridos
em batalha fossem tratados na Turquia para retornarem ao campo de batalha. Seu
serviço de inteligência providenciou a entrega de armas para os insurgentes na
Síria. Quando jornalistas descobriram uma caravana de armamento e houve
protestos de oficiais do exército, Erdogan mandou prendê-los.
Atentado em Ancara |
Sob intensa pressão tanto dos Estados
Unidos quanto de seus outros aliados da OTAN, a Turquia começou a repensar seu
apoio aos grupos anti Assad, o que levou o Daesh a detonar homens bombas dentro
da Turquia. Os dois primeiros ataques serviram bem aos propósitos de Erdogan,
porque alvejaram curdos: um ao lado de um centro cultural Curdo na cidade
fronteiriça de Suruc, em julho, onde morreram 33 pessoas, e outro na sequência,
no horrível episódio em Ancara em outubro, no qual mais de 100 pessoas foram
mortas enquanto marchavam em protesto contra os ataques a grupos curdos. A
tragédia levou os líderes curdos a condenarem amargamente o governo turco, que
não teria proporcionado segurança aos manifestantes.
Quando olha para a Síria, Erdogan vê
dois inimigos: o governo Assad e os curdos. Ele ficava muito feliz em colaborar
com qualquer grupo, mesmo o Daesh, se compartilhassem seus desejos de destruir
estas duas forças. No entanto, grupos terroristas nunca ficam satisfeitos com
nada menos que o comprometimento total. É tolice dos dirigentes turcos pensarem
que podem manipular grupos rebeldes sírios para atingir seus próprios fins. Não
prestaram atenção na famosa observação do presidente John F. Kennedy: “aqueles
que pensam loucamente que podem seguir o tigre em suas andanças acabam dentro
dele”.
O atentado de hoje (ontem-NT) em Istambul pode ser o marco que levará a Turquia a
mudar o foco e concentrar-se no verdadeiro inimigo: grupos jihadistas violentos
como o Daesh e Frente Al-Nusra, que é a filial da Al Qaeda na Síria. Pode ser
que o jogo já esteja muito avançado para esta troca de lado. Ao permitir que o
Daesh e outros grupos contra Assad se movessem livremente nas cidades turcas ao
longo da fronteira com a Síria, a Turquia preparou o terreno para enfrentar um
conflito (no Brasil diríamos: procurou
sarna para se coçar – NT). Era claramente inevitável que o Daesh
continuaria a exigir cada vez mais da Turquia. Quando a Turquia pretende
colocar um limite, torna-se automaticamente um inimigo.
Os atentados terroristas levados a
efeito na Turquia até hoje (ontem – NT) aconteceram
ou na área da fronteira ou na região curda, onde se reúnem os críticos do
governo Erdogan. Desta vez foi diferente. O atentado aconteceu em uma praça histórica,
perto de magníficas mesquitas e de ruínas bizantinas que atraem milhões de
turistas cada ano. Estrangeiros foram atingidos e morreram, principalmente
alemães. Claro que o turismo será afetado, mas isso não é o pior. Ruim mesmo é
o simbolismo de um ataque dentro do coração histórico da nação.
Em um discurso retórico que refletia a
sua sempre emocionada abordagem da política, Erdogan afirmou que escritores e
acadêmicos estrangeiros deveriam repartir a responsabilidade pelos ataques.
Chegou mesmo a nomear o filósofo Noam Chomsky, um professor do MIT, defensor
dos direitos dos curdos de longa data, como sendo um deles, o que revela a opinião
profundamente arraigada de que os curdos da Turquia, estimados em 15 milhões de
almas representam uma ameaça nacional maior que grupos terroristas como o Daesh
ou a Al-Qaeda. Talvez o atentado de hoje finalmente o obrigue a reconsiderar.
Stephen Kinzer –
pesquisador sênior no Watson Institute for International Studies da
Universidade Brown. Pode ser encontrado no twitter - @stephenkinzer.
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