De
forma bastante apropriada, o ano termina com o presidente turco Recep
Tayyip Erdogan voando para Riad para um encontro de cúpula
com o Rei saudita Salman. O encontro ostentou ares de líderes cerrando
fileiras depois de um ano de contratempos. Como diz o velho ditado, a miséria
precisa de companhia. E há muita miséria que os turcos e sauditas podem
exibir para consolar um ao outro.
Tanto
Ancara quanto Riad viram seus esquemas militares na região adquirirem um
sabor decididamente amargo. Depois de três meses, a intervenção militar
russa na Síria ajudou a estabilizar a situação do governo do Presidente
Bashar Al Assad, que era alvo encoberto tanto da Turquia quanto da Arábia
Saudita para uma mudança de regime. O esquema criminoso teve ainda a adesão
de Washington e das potências da OTAN. Mas a chave do esquema era mesmo o
esforço conjunto de Turquia e Arábia Saudita.
Perdas
devastadoras causadas pela Rússia entre as fileiras de jihadistas mercenários
viraram o jogo na guerra suja
copatrocinada por Ancara e Riad, e até mesmo os Estados Unidos admitiram
recentemente que o Presidente Vladimir Putin alcançou seu objetivo
estratégico de estabilizar o estado Sírio, um aliado da Rússia de longa
data.
O
bombardeio aéreo russo contra as rotas do contrabando de armas usado pelos
exércitos jihadistas por procuração cortaram as linhas de suprimento
providenciadas pela Turquia para possibilitar a guerra das brigadas
terroristas. Estima-se que os mercenários estavam ganhando milhões de
dólares por dia, graças à colusão com o regime de Ancara e a dizimação do
contrabando de petróleo pelos bombardeios russos eliminou o dinheiro e as
armas que alimentavam os terroristas na guerra que travam na Síria.
Então
não é de se admirar que Erdogan fosse para Riad em 29/30 de dezembro para
discutir a formação de um novo “Conselho de Cooperação Estratégica” com a
Casa de Saud. Tanto turcos quanto sauditas se encontram atualmente em
dificuldades para continuar a financiar seus esquemas de mudança de regime
na Síria.
Claro,
o Ministro de Relações Exteriores da Arábia Saudita, Adel al-Jubeir não
menciona a Síria em público e tenta fazer o seu melhor para esterilizar as
ações, declarando sobre o encontro: “A reunião
enfatizou o desejo dos dois países de elevar o nível de um Conselho de
Cooperação Estratégica”, para fortalecer a cooperação nas áreas militares,
econômicas e de investimento.
Mas
é possível ler nas entrelinhas que o pano de fundo das conversações foi
mesmo a Síria.
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Erdogan e Salman |
De
acordo com fontes sírias, o acordo turco/saudita para a mudança de regime
no estado vizinho funcionará da seguinte forma: Os turcos providenciarão as
conexões logísticas para fornecimento de armas e campos de treinamento para
os lutadores jihadistas através das fronteiras com a Síria enquanto a Casa
de Saud terá a função primordial de financiar o empreendimento nefasto, o
que já faz desde sua origem em março de 2011. Os sauditas ainda deverão
providenciar armas de seu enorme arsenal suprido pelos Estados Unidos, com
a aprovação tácita da CIA (norte)americana.
A
renovada campanha militar de Erdogan contra a população curda separatista
no sul do país e norte do Iraque, somada a uma desaceleração geral da antes
pujante economia turca resultou que Ancara certamente não tem condições financeiras
para pagar seus esquemas neo-otomanos. Como já dito antes, as sortidas
russas ao longo das fronteiras entre a Síria e a Turquia colocaram um fim
no dinheiro ilícito originado do contrabando de petróleo. Portanto, Erdogan
está em dificuldades financeiras, quebrado.
Consequentemente,
como sempre, Erdogan quer continuar a ser financiado pela Casa de Saud. O
reino rico em petróleo terminou o ano encarando um déficit orçamentário
público da ordem de $98 bilhões de dólares – ou 15 por cento da economia do
país.
Os
dirigentes sauditas estão embarcando em um inaudito programa prévio de
austeridade para tentar corrigir sua economia danificada. Como mancheteou o
Financial Times: “os sauditas divulgam um programa radical de
austeridade”. A população saudita está encarando alta nos preços de
combustível, eletricidade e água, o que é abandono repentino do “contrato
social” através do qual os líderes autocráticos sempre compraram o
descontentamento entre os “plebeus”, através de largos subsídios para
aliviar o alto custo de vida do país.
Isso
implicará em agitação social no reino autoritário. Apesar de décadas de
prodigalidade real, a Arábia Saudita sofre com níveis altíssimos de
desemprego crônico, especialmente entre os mais jovens, que nada mais é que
o reflexo do tipo das receitas da economia saudita, típico dos países do
Golfo, ricos em petróleo. Mais de um terço da população saudita de 27
milhões de pessoas consta de trabalhadores estrangeiros expatriados,
principalmente do Sul da Ásia, providenciando trabalhadores escravos a
baixo preço. O resultado é que uma larga parte da população saudita nativa
fica desempregada, tornada dócil apenas através das “mãos abertas” dos até
agora pródigos cofres do petróleo saudita.
O
principal fator de distúrbio nas finanças estatais da Arábia Saudita é a
queda vertiginosa dos preços do petróleo no mercado mundial. Apenas cinco
anos atrás, o preço do petróleo estava bem acima de $100 dólares o barril.
Hoje está em cerca $40 dólares com uma queda de 23% apenas no último ano.
Cerca
de 80% das receitas do estado saudita dependem das vendas de petróleo, comparado com a dependência da Rússia, de
cerca de15%, devido ao desenvolvimento industrial da Rússia, muito mais
diversificado.
É
justamente aí que a porca torce o rabo. A super produção de petróleo pelos
sauditas contribuiu para a saturação dos mercados mundiais, e que por sua
vez pressiona ainda mais para baixo os preços da commodity.
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Alexander Novak |
O
ministro russo da Energia, Alexander Novak tem dúvidas quanto a quem é o
culpado pela queda abrupta dos preços do mercado para o petróleo. Novak
declarou ao canal de TV russa Rossiya 24 TV nesta semana: “A Arabia Saudita aumentou
formidavelmente sua produção este ano para 1,5 milhões de barris por dia, e
assim efetivamente desestabilizou a situação no mercado”.
Alguns
analistas concluíram que a aparentemente suicida política de preços da
Arábia Saudita poderia ter sido motivada pela vontade de defender sua
própria posição no mercado como segundo maior produtor de petróleo ao lado
da Rússia através da derrocada ou enfraquecimento de outros competidores.
Porém, uma explicação um tanto quanto mais maliciosa é a de que os sauditas
estão ajudando e sendo cúmplices na política dos Estados Unidos de enfraquecer
a economia russa.
De
qualquer forma, o resultado foi que os sauditas prejudicaram muito seus
próprios interesses ao querer fazer jogos geopolíticos com petróleo.
Aos
infortúnios sauditas pode-se acrescentar sua Guerra no Iêmen. Os sauditas
nada conseguiram em termos de recolocar um fantoche no poder no país
vizinho, mesmo depois de nove meses de bombardeios ininterruptos. Essa
parece ser mais uma guerra sem fim, o que significa que os sauditas serão
pressionados por ainda mais gastos militares no ano que vem, justamente quando a sua
economia se mostra abalada, com os cofres vazios.
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Maquiavel |
Mas
quando os esquemas maquiavélicos de sauditas e turcos começam a sair pela
culatra, os acontecimentos podem se revelarem boas notícias para os demais
atores no teatro do Oriente Médio. Uma conversação de paz apoiada pela ONU
deve ser iniciada nas próximas semanas para resolver o conflito sírio, e as
posições enfraquecidas de Ancara e Riad podem fortalecer o lado russo e de
seus aliados sírios na mesa de negociações.
É uma mau tempo que na realidade nada traz de
bom para quem quer que seja. Mas pelo menos a tempestade que agora sauditas
e turcos são obrigados a colher por seus esquemas maquiavélicos poderia
trazer algum alívio para aqueles que estão realmente interessados em
implementar a paz na região.
Finian Cunningham - nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1963.
Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias
publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain
(em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos
direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente. É
pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor
científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge,
Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e
compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios
de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The
Independent
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