O Congresso dos
Estados Unidos dá o braço a torcer e aprova a reforma de cotas do FMI
Ariel Noyola Rodríguez – Publicado originalmente
em REDE VOLTAIRE
Com tradução de Victor
Farinelli (Carta Maior)
Aparentemente, o ano de 2015 marca o início da revolução no interior do
FMI. Primeiro, se aprovou a inclusão do yuan, a moeda chinesa, entre os DEG, a
cesta de divisas criada em 1969 para servir de suplemento das reservas oficiais
dos países-membros. Agora, graças à aprovação do Congresso dos Estados Unidos,
o FMI poderá implementar finalmente a reforma do sistema de representação, com
o qual a China e outras potências emergentes ganharão peso na tomada de
decisões, enquanto os países do continente europeu perderão relevância. Não
obstante, ainda é prematuro concluir que se trata de uma transformação radical
na correlação de forças dentro do FMI: os Estados Unidos continuarão mantendo
seu poder de veto.
Os Estados
Unidos parecem ter compreendido que para conservar sua liderança global é
impossível desconhecer o crescente protagonismo da China e outras potências
emergentes, e que é preciso compartilhar responsabilidades na gestão das
finanças internacionais. Por isso Washington não teve outra alternativa senão
outorgar importantes concessões aos seus adversários através do Fundo Monetário
Internacional (FMI) [1].
Na última semana de novembro, o FMI adotou a
decisão de incorporar o yuan nos Direitos Especiais de Giro (DEG, sigla
traduzida do nome em inglês ‘Special Drawing Rights’), a lista de divisas criada
nos Anos 60 para complementar as reservas oficiais dos seus membros. Embora
vários funcionários estadunidenses do Fundo tenham tentado se opor à medida
desde um princípio, no final Pequim se comprometeu a seguir avançando na
liberalização do seu setor financeiro.
Até agora, o Banco Popular da China já assinou
cerca de quarenta acordos bilaterais de permuta de divisas (‘currency swaps’).
Este ano, os bancos centrais do Suriname, África do Sul e Chile começaram a
promover o abandono do dólar entre as empresas dos seus países. Aos poucos, o
yuan vai suplantando a moeda norte-americana nos intercâmbios comerciais do
gigante asiático.
Essa estratégia permite que o yuan seja hoje a
segunda moeda mais utilizada no financiamento comercial, e a quarta nos pagamentos
transfronteiriços, segundo os dados da Sociedade de Telecomunicações
Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT, por suas siglas em inglês) [2]. E, mais cedo que tarde, a moeda chinesa
será plenamente conversível, ou seja, intercambiada livremente no mercado, sem
nenhum tipo de restrição.
Assim, os dirigentes do Partido Comunista da
China conseguiram acabar com as suspeitas da diretora executiva do FMI,
Christine Lagarde: a partir do dia 1º de outubro de 2016, o yuan se tornará a
terceira divisa mais relevante na composição dos DEG [3]. A “moeda do povo” (‘renminbi’) terá um peso
maior dentro da lista do FMI que o yen japonês e a libra esterlina, embora
ainda deva se manter abaixo do dólar e do euro.
No dia 18 de dezembro, o Congresso dos Estados
Unidos deu luz verde para que o FMI implemente a reforma do sistema de quotas
de representação. Sem dúvidas, é a mudança mais importante dentro do FMI desde
1944, o ano em que se construíram os acordos de Bretton Woods. O novo sistema
de quotas significa um grande respiro para o Fundo em termos de legitimidade.
Depois do colapso econômico de 2008, ficou
evidenciado que o FMI não contava com os recursos suficientes para encarar às
crises de liquidez. Nenhum país soberano tinha intenções de solicitar ajuda. O
FMI se desprestigiou por completo após sua atuação nas crises de dívida na
América Latina e no Sudeste asiático: havia demostrado que operava como o braço
armado do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, e não como um fundo
multilateral encarregado de estabilizar as balanças de pagamentos dos seus
aderentes.
Por isso, Dominique Strauss-Kahn, diretor do
FMI entre 2007 e 2011, convenceu os países emergentes a realizar novos
depósitos em troca de incrementar suas quotas. O Diretório Executivo do FMI
aceitou a proposta em 2010, durante a XIV Revisão Geral das quotas [4].
Logo depois, foi apresentada a iniciativa de
reforma, diante da Junta de Governadores (integrada por todos os membros), para
se submeter à aprovação dos parlamentos nacionais. Então, o governo dos Estados
Unidos fez valer seu poder de veto – para uma decisão ser adotada pelo Fundo
precisa de uma maioria de 85% da votação, e os Estados Unidos sozinho conta com
16,7% dos votos.
Porém, há alguns dias, após cinco anos de
fervente oposição do Congresso norte-americano, a inércia finalmente se rompeu.
A reforma do sistema de quotas será uma realidade. Os recursos à disposição do
FMI se duplicarão, elevando-se a 659,67 bilhões de dólares. Vale destacar que a
quota que se entrega a um país determina o nível máximo dos seus compromissos
financeiros com o FMI, e o seu número de votos na instituição, sendo um fator
determinante no acesso ao financiamento.
O avanço mais importante é o da China, cujo
direito de voto passará de 3,8% a 6%, com o qual, será o terceiro país com mais
poder, atrás somente dos Estados Unidos e do Japão. O Brasil subiu quatro
posições, enquanto Índia e Rússia entraram na lista dos dez mais influentes.
Por outra parte, a participação da Europa caiu. Com exceção à quota da Espanha,
que passará de 1,68% a 2%, Alemanha, França, Itália e Reino Unido diminuirão
sua participação.
“As reformas incrementam significativamente os
principais recursos do FMI e nos permitem dar uma resposta mais eficaz às
crises, e ao mesmo tempo melhoram la estrutura de governo institucional, ao
refletir melhor o crescente papel que desempenham os países emergentes e em
desenvolvimento, e a dinâmica da economia mundial”, disse Lagarde num
comunicado à imprensa [5].
Contudo, lamentavelmente, os Estados Unidos
conservará seu poder de veto: seu direito de voto diminuirá dois décimos, de
16,7% para 16,5%. Até agora, tudo parece indicar que os dirigentes de Pequim
não desejam confrontar a dominação dos Estados Unidos no FMI, instituição que
há mais de setenta anos se mantém como o “prestamista de última instância” mais
importante na escala mundial, tendo em conta o volume de recursos que maneja.
A disputa entre China e Estados Unidos é
somente tangencial. Pequim busca incrementar sua influência financeira através
dos seus poderosos bancos estatais (Banco de Desenvolvimento da China, ICBC,
Banco da China, etc.), e através dos bancos regionais de desenvolvimento nos
que participa: o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIB, por
sua sigla em inglês) [6], o Banco da Organização de Cooperação de
Shanghai (SCO, por sua sigla em inglês) e o banco dos BRICS (que reúne Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul) [7].
Tanto na Ásia-Pacífico quanto na África e na
América Latina e no Caribe [8] não há dúvida de que a China compete cara a
cara com o Banco Mundial e os bancos regionais de desenvolvimento respaldados
por Washington (Banco Asiático de Desenvolvimento, Banco Africano de
Desenvolvimento, Banco Interamericano de Desenvolvimento, etc.) no
financiamento de projetos de infraestrutura e extração de matérias-primas
(‘commodities’).
Entretanto, os mecanismos de cooperação
financeira impulsados por Pequim que oferecem liquidez aos países em conjunturas
críticas, tais como a Iniciativa Chiang Mai (integrada por China, Japão, Coreia
do Sul e dez economias da ASEAN) e o Acordo de Reservas de Contingência dos
BRICS (também conhecido como o “mini-FMI”), possuem escassos recursos
monetários, operam em dólares [9], e dependem do aval do FMI para outorgar
empréstimos a partir de certo limite.
Portanto, se bem é uma excelente notícia para
o mundo que China e outros países com elevadas taxas de crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB) consigam ver incrementada sua participação no FMI, com dois
postos a mais entre os vinte e quatro do Diretório Executivo, os Estados Unidos
continuarão exercendo uma dominação esmagadora.
Se Washington não concordar com algum mínimo
detalhe poderá rechaçar qualquer proposta dos países emergentes, graças ao
poder de veto. É claro que em algum momento, a China deverá exercer pressão
para evitar que um só país escreva as regras do jogo, mas até lá dará tempo ao
tempo…
[1] «Congress Set to Approve Overhaul of IMF’s Governance», Ian Talley,The Wall
Street Journal, December 15, 2015.
[2] «Chinese Yuan demonstrates strong momentum to reach #4
as an international payments currency», Society for Worldwide Interbank Financial
Telecommunication, October 6, 2015.
[3]
“O yuan será a terceira moeda
mais poderosa na cesta do FMI”, Ariel Noyola
Rodríguez, Tradução João Aroldo, Russia Today (Rússia), Rede
Voltaire, 17 de Dezembro de 2015.
[4]
«El Directorio Ejecutivo del FMI
aprueba una importante revisión de las cuotas y la estructura de gobierno»,
Fondo Monetario Internacional, 5 de noviembre de 2010.
[5]
«Christine Lagarde, Directora
Gerente del FMI, celebra la aprobación en el Congreso estadounidense de las
reformas de 2010 sobre el régimen de cuotas y la estructura de gobierno»,
Fondo Monetario Internacional, 18 de diciembre de 2015.
[6]
«Beijing, el crepúsculo asiático
post-Bretton Woods», por Ariel Noyola Rodríguez, Red Voltaire ,
1ro de noviembre de 2014.
[7]
“Cúpula do Brics: Sementes de
uma nova arquitetura financiera”, Ariel Noyola
Rodríguez, Rede Voltaire, 3 de Julho de 2014.
[8]
“China se torna banqueiro da
região latino-americana”, Ariel Noyola
Rodríguez, Rede Voltaire, 7 de Março de 2015.
[9]
«Protagonizar la yuanización de
la economía mundial», por Ariel Noyola Rodríguez, Russia Today (Rusia), Red
Voltaire, 17 de julio de 2015.
Comentários
Postar um comentário