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À espera da tempestade perfeita 


31/1/2016, Pepe EscobarStrategic Culture Foundation
Tradução do Coletivo Vila Vudu

Comecemos pela "reforma" do FMI que estará integralmente vigente em poucas semanas. Mesmo essa mini-"reforma" foi repetidas vezes vetada pelo Império do Caos. Washington ainda tem a maior quota de ações com votos no FMI, à frente do Japão. Mas agora a China já aparece em 3º lugar, e os BRICS Brasil, Rússia e Índia aparecem já entre os primeiros dez.



Mas nada aí significa mudança radical. O governo dos EUA ainda se recusa a implementar qualquer reforma total que acabe por reduzir o poder global do FMI. A China, contudo, avança com fatos em campo como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII) [orig. Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB)], e o grupo BRICS com seu Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) [orig. New Development Bank (NDB)], esforço sério para quebrar a dominação que um sistema monetário e financeiro fraudulento – e de super exploração – exerce sobre o mundo.


Bretton Woods pode ter morrido, mas o mundo ainda arrasta o cadáver. O mesmo se aplica ao Washington Consensus, maior – dado que galinhas cada vez mais mortais estão voltando para o velho poleiro.


Uma avalanche formava-se já desde os anos Reagan do final da Guerra Fria – 
imortalizada na nova série de TV Deutschland 83.


Nos anos 1980s à go-go, o governo dos EUA cortou impostos para os mais ricos e atacou o trabalho organizado. Depois, nos anos 1990s, transferiu todos os empregos de melhores salários nas fábricas, para México, China e outras plataformas de salários baixos e finanças não reguladas – quando rejeitou a Lei Glass Steagall e aprovou a Lei de Modernização de Commodities Futuras [orig. Commodity Futures Modernization] de 2000, no governo de Bill Clinton.


As guerras do Afeganistão e do Iraque, no início dos anos 2000s, custaram aos contribuintes norte-americanos pelo menos $3 trilhões – e pavimentou o caminho para a massiva crise financeira de 2008, a qual ainda está em andamento e já em vias de entrar em metástase num crash ainda maior.


Afinal de contas, em "resposta" à crise, o Fed, seguido pelo Banco Central Europeu (BCE) [orig.European Central Bank (ECB)] e o Banco do Japão, meteu-se até o pescoço no tal "alívio quantitativo" que, essencialmente, implicou transferir trilhões de dólares dos contribuintes norte-americanos para escorar (como escora até hoje) bancos insolventes.


O tsunami de dinheiro obviamente não ficou ocioso, mas foi canalizado para negociatas vertiginosas, maximizando retornos, inflando ações (graças à recompra de ações pelos próprios executivos das respectivas empresas) e garantindo dinheiro ultra barato para investir em imóveis.


O estado do jogo nos EUA – que Il Generalissimo Trump descreve em tom professoral como "nada funciona nesse país" – exibe alto desemprego; crescimento anêmico de novos empregos (90% dos "novos empregos" são temporários e de baixa remuneração, poucos benefícios e zero de segurança no emprego); e déficits explosivos.


A política externa dos EUA no governo pato manco de Obama – em termos comerciais – resume-se agora a promover os pactos da "OTAN comercial", as 'parcerias' Trans-Pacífico e Trans-Atlântico (TPP e TTIP) que incluem União Europeia e Japão, ambos estagnados e/ou já em declínio, ao mesmo tempo em que exclui a China. É o mesmo que dizer que os dois pactos são, virtualmente, eventualmente natimortos: ninguém consegue acelerar nenhum crescimento econômico, em lugar nenhum, se começa por excluir a China.


Em termos de Guerra Fria 2.0, a política externa dos EUA implica agora um teatro de guerra latente de EUA/OTAN que engolfa o Maghreb, o Chifre da África, o Levante, a Bacia do Cáspio, o Golfo Persa, o Oceano Índico, o Mar do Sul da China e toda a Europa Oriental até onde cheguem as fronteiras russas.


Como já se podia prever, os contribuintes norte-americanos estão financiando toda essa mentalidade de Guerra Fria 2.0, como Pentágono mantendo bem viva a possibilidade de confronto militar direto contra os três entroncamentos da integração da Eurásia: Rússia, China e Irã.


Pivô para lugar nenhum


A miríade de problemas econômicos que se agigantam à frente do turbo-capitalismo norte-americano são estruturais e absolutamente sem solução sob o sistema econômico/político hoje vigente, que é, de fato, um criptoconsenso Washington/Wall Street. Fissuras entre os própriosMasters of the Universe eles mesmos estão a ponto de explodir onde todos as verão, com o planeta entrando numa deriva tectônica na direção de ordem política e econômica mais multipolar centrada na Eurásia.


Em termos geopolíticos, o melhor que o governo Obama conseguir criar foi aquele "pivô para a Ásia" de 2011, que até aqui se tem traduzido em provocações esporádicas, pela Marinha dos EUA, no Mar do Sul da China, convertida em nova principal região de tensão, já antes até de os EUA darem jeito de se arrancarem do atoleiro em que se meteram no Oriente Médio.


Pequim, entrementes, pisa fundo no front da moderação, ao mesmo tempo em que vai acumulando capital político – e econômico –, costurando a interdependência econômica paneurasiana. Não só o BAII, mas também o Fundo Rota da Seda, e até o NBD no futuro, serão todos orientados para fazer acontecer a visão "Um Cinturão, Uma Estrada": as Novas Rotas da Seda que serão o sangue vital de uma Eurásia integrada.


A estratégia de China e dos BRICS, de estabelecer um sistema monetário, financeiro, diplomático, de comércio e geopolítico internacional rival é o pior pesadelo dos Masters of the Universe – por mais divididos que possam estar. Por tudo isso, não surpreende que a única reação visível – mediante Pentágono/OTAN –, tenha sido inflar os medos e/ou suspeitas sobre um caos horrendo que advirá se o mundo não confiar cegamente no hegemon e não se render à versão de ordem dele.


É como se todo o planeta se pusesse fatalistamente à espera, em suspenso, pela próxima grande, inevitável crise.


Mas o verdadeiro suspense é se essa nova crise já em metástase dará cabo, sem guerra, da dominação financeira e militar pelo hegemon. Enquanto isso, assistimos a Deutschland 83.

PEPE Escobar - é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputnik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.



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