A SÍRIA NAVEGA EM MAR
HOSTIL
por PEPE
Escobar
tradução de btpsilveira
Dificilmente encontraríamos um início mais
apropriado para o Ano Chinês do Macaco, geopoliticamente falando, que a grande
macacada ajustada em Munique entre o Secretário de Estado dos Estados Unidos,
John Kerry e o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov.
A
farsa síria agora avança sob uma vaga “cessação de hostilidades” – que não é um
cessar fogo – a ser implementado dentro de uma semana. Mais
para o futuro, lógico, como estamos no mundo real, as “hostilidades”
inevitavelmente recomeçarão.
Publicado originalmente em: http://www.opednews.com/articles/The-Syrian-Sea-of-Hostilit-by-Pepe-Escobar-Ceasefire_Daesh_Pentagon_Syria-160212-237.html
Lavrov
já salientara várias vezes: “nós fizemos propostas de implementação de um
cessar fogo, algumas bem específicas” E ainda assim o combo
Washington/Turquia/Arábia Saudita permaneceu inerte. A Casa de Saud, apavorada
e acuada – que tem o controle remoto do bando de “moderados rebeldes” enviados
para o campo de batalha – começou a vir com a noção idiota de colocar tropas no terreno, tropas estas também conhecidas
como um monte de mercenários, para “ajudar os esforços dos EUA” contra o Daesh
(ISIS/ISIL/IS).
A
palhaçada chegou a tais níveis de insustentabilidade que o Primeiro Ministro
russo Dmitry Medvedev se sentiu compelido a declarar a um entrevistador do
jornal alemão Handlesblatt: “nossos
parceiros (árabes) e os (norte)americanos devem pensar muito sobre o seguinte:
queremos mesmo uma guerra permanente?”
A
Casa de Saud e o Sultão Erdogan certamente querem – porque sua política de
mudar o regime sírio está em palpos de aranha. Mas para a administração
(norte)americana do pato manco Obama, o buraco é mais embaixo.
Fiel
à sua marca registrada de uma política externa desorientada, não restou muito o
que fazer para a equipe de Obama a não ser enrolar mais um pouco.
Assim,
os proverbiais “funcionários anônimos dos EUA” vão enrolando, junto com a mídia,
ao dizer que a “cessação de hostilidades” não passa de uma armadilha russa –
pois Washington queria mesmo um imediato cessar fogo (não admira: os “rebeldes
moderados” controlados remotamente pela CIA estão sendo expulsos). Os vassalos
europeus e árabes também colaboram com a enrolação: Damasco e Moscou estariam
“torpedeando os esforços de paz”.
Daí,
Kerry desabou – cedeu à realidade, na verdade. Lavrov deve ter deixado muito
claro que há dois pontos não negociáveis para a Rússia: a vitória na batalha de
Aleppo e o fechamento da fronteira Siria/Turquia, contra qualquer protesto
sobre a Estrada da Jihadi, “moderado” ou o que seja.
Enrolação em Munique
Há
um eco histórico peculiar quanto a Guerra na Síria estar sendo negociada em
paralelo com a Conferência sobre Segurança de Munique – tradicionalmente
dedicada à segurança global. Mas a questão mais crucial é se o novo Pacto de
Munique manter-se-á na realidade.
Certeza
mesmo é que o Daesh (ISIL/ISIS/EI) e a Frente al-Nusra, também conhecida
como al-Qaeda na Síria continuarão na alça de mira dos bombardeios tanto de
russos quanto de (norte)americanos, mesmo depois da “cessação de hostilidades”.
A
coalizão 4+1 – Rússia, Síria, Irã mais o Hezbollah – vão continuar alvejando
todos os grupos mesmo remotamente conectados com a Jabaht al-Nusra (e eles são
legião).
o YPG curdo |
Por
sua vez, o Exército Árabe da Síria (SAA) intensificará seus ataques contra o
Daesh (ISIS/ISIL/EI). Se quiser, você pode chamar isto de síndrome “todos os
caminhos levam a Raqqa”. Tão logo as fronteiras entre a Síria e a Turquia
sejam fechadas – com a contribuição crucial do YPG curdo – a marcha
para Raqqa será inevitável.
Nos
próximos dias, este será o cenário no terreno. Então, não se admira que o
combo Turquia/Arábia Saudita esteja absolutamente desesperado: se insistirem em
apoiar realmente seus “rebeldes moderados” por meios aéreos, serão reduzidos a
cinzas pela Força Aérea da Federação Russa.
Entra
em cena então a suprema enrolação do Excepcionalistão, de acordo com a qual a
OTAN estaria “explorando a possibilidade” de se juntar à coalizão
encobertamente apoiada pelos Estados Unidos contra o Daesh (ISIS/ISIL/EI).
Isto
é um monte de besteiras sem sentido. O Pentágono já está enfiado até o pescoço
na luta. Assim também as grandes potências da OTAN, como a Alemanha e a França,
que querem se livrar do problema imenso da crise Síria, mas não querem
comprometer-se com uma guerra no terreno. Trata-se de uma farsa que se equipara
à da Turquia do Sultão Erdogan, que tenta desesperadamente, mais uma vez, e
outra e outra, chamar a OTAN para a luta, mesmo que isso implique em uma
provocação fatal contra a Rússia; afinal de contas, seu sonho – agora à beira
do abismo – de criar uma “zona de segurança” na fronteira da Turquia com a
Síria se recusa a entregar os pontos
Um Sultão Belicoso
Erdogan, o Sultão que não era. |
Por
trás da farsa da “cessação de hostilidades”, reside um fato crucial: a
administração do pato manco Obama parece não querer elevar as proverbiais
tensões com Moscou até um nível crítico que seja irreversível (já a obsessão de
Pentágono/OTAN com a Guerra Fria 2.0 é outra história). Os céus da Síria não
serão um prelúdio de uma guerra total entre EUA e Rússia.
O que não significa,
porém, que o Pentágono desistirá de tentar.
Ash
“Império das Lamúrias” Carter, do Pentágono e Michael Fallon, da Inglaterra
terão um encontro com o GCC e o Turco de Latão em Bruxelas. Adivinhe só quem
chefiará a delegação saudita: O Príncipe da Guerra Mohammed Bin Salman, o atual
líder supremo da Casa de Saud no estado em que se encontra (considerando que o
Rei Salman às vezes está aqui e às vezes não está), bem como Ministro da
Defesa, responsável pela campanha vergonhosamente derrotada dos sauditas no
Iêmen.
O
Príncipe guerreiro está absolutamente lívido de raiva porque seus “rebeldes”
por controle remoto estão sendo esmagados no chão pelo Exército Árabe Sírio e
pela força aérea da Federação Russa. Acontece que o Iêmen será apenas uma
lembrança ruim comparado com a surra que suas “Forças Especiais” também
conhecidas como “Mercenários” sofrerão ao lutar contra o experiente exército
sírio, os iranianos e os guerreiros (de verdade) do Hezbollah.
Observe:
o plano se complica. Ambos os lados negarão, mas existem canais nos bastidores sendo
usados pela Casa de Saud e Moscou para demarcar de forma clara as áreas que
serão comandadas pelo Exército Árabe Sírio e por alguns “rebeldes” aceitáveis
sob a égide do combate ao Daesh (ISIS/ISIL/EI). Isto prova que os sauditas e os
russos podem unir esforços desde que seja contra os jihadistas mais radicais.
Já
com o insano Sultão Erdogan qualquer possibilidade de acordo está para lá de
remota. Especialmente depois que o PYD (Partido
da União Democrática – NT) curdo, dos curdos do noroeste da Síria – aos
quais Ancara rotula como “terroristas” – abriram um escritório de representação
em Moscou na última quarta feira , a convite do Presidente Putin.
Então,
mantenha de olho esta “cessação de hostilidades”. Acontece que acabaram de
começar as hostilidades verdadeiras.
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Seria interessante saber duas coisas:
ResponderExcluir- Estariam os Russos interessados em recortar um território entre o noroeste do Iraque e sudeste da Turquia para os Kurdos, poupando assim o território do Irã?
- Lembrando que Putin respeita o Direito Internacional e não interfere em assuntos domésticos de outros países, até que ponto Putin estaria interessado em que Erdogan perdesse o contrôle na Turquia?