Bernie
Sanders mudou tudo no Partido Democrata
tradução: btpsilveira
Depois de uma noite impressionante em Iowa, que serviu como uma
espécie de “pito” tanto para Trump quanto para os institutos de pesquisa de
opinião, o Partido Democrático pode ter que lidar, em novembro, com um
candidato jovem e bem articulado pelo Partido Republicano: o Senador Marco
Rubio, que terminou em um fortíssimo terceiro lugar, atrás de Cruz e Trump. Até
lá, no entanto, os Democratas também terão que lidar com delicados problemas
internos: Bernie Sanders, através da promoção de uma América do Norte governada
“pelo poder do povo”, confirmou que tomou conta da fatia de eleitores com menos
de 40 anos no partido, o que significa que Hillary terá problemas.
Falando estritamente, as prévias do Partido Democrata terminaram
empatadas. Nas primeiras horas da manhã de terça, com noventa e nove por cento
dos distritos já contados e somados, o número de delegados estava em seiscentos
e sessenta e cinco para Clinton e Seiscentos e sessenta e dois para Sanders
(por alguma razão, os Democratas revelam apenas o número de delegados, não o
número total de votos de cada candidato). Em termos de percentagem, foi 49,8
por cento a 49,6 por cento, o que na prática quer dizer 50/50. Salvo
imprevistos, os 44 delegados de Iowa para a Convenção Nacional do Partido
Democrata serão dividido de forma igualitária.
O resultado das prévias de Iowa não
significa que Clinton não conseguirá a indicação. Embora pareça que ela
provavelmente perderá em New Hampshire na próxima semana, continua uma
fortíssima candidata e mesmo favorita para a indicação: nos sites de aposta, se
você quiser ganhar vinte dólares apostando que Hillary surgirá no final como
candidata do Partido Democrata, terá que apostar um total de 100 dólares.
Ocorre que se Clinton quiser unir o partido e entusiasmá-lo para favorecer a
sua candidatura e para uma luta pela presidência que se anuncia dura, ela
precisa encontrar uma maneira de conquistar os eleitores jovens, mais
vinculados à mensagem anti establishment que é a marca de Sanders.
A diferença de
idade entre os apoiadores de Hillary e de Sanders é enorme. De acordo com as pesquisas de boca de urna que previam contundentemente uma vitória de Hillary, Sanders teve
oitenta e seis por cento dos votos democratas entre os eleitores no grupo com
17 a 24 anos de idade, oitenta e um por cento nos que tem idade entre 25 a 29
anos, e sessenta e cinco por cento entre os que têm entre 30 e 39 anos. Em
contraste, Clinton vence com larga margem entre os eleitores de idade mediana e
entre os idosos. Entre os cinquentões, ela vence com uma diferença de vinte por
cento.
Quando
se torna evidente que você depende de maneira tão pesada do voto dos eleitores
mais velhos, fica difícil se apresentar como “a voz do futuro”. Por volta das
11h30min, ao lado do marido e da filha, discursou para apoiadores falando sobre
o alívio que sentia por não ter perdido a prévia – referindo-se ao fato de que
em 2008 chegou em terceiro em Iowa, atrás de Barak Obama e de John Edwards. As
redes de televisão relataram que Clinton tinha vencido as prévias, mas essa
menção foi evitada pela própria candidata, que preferiu falar sobre sua
disposição para uma longa batalha à frente. “Estou bastante animada para entrar
em debate real com o senador Sanders sobre a melhor maneira de lutar pelo povo
(norte)americano e pelos Estados Unidos”, disse ela.
Às 11h45min foi a vez de Sanders se dirigir a seus
correligionários, que eram mais bem animados em sua torcida que os apoiadores
de Hillary. “Muito obrigado, Iowa”, começou ele, com a voz rouca. “Há nove
meses, chegamos a este belo Estado. Não estávamos politicamente organizados,
não tínhamos dinheiro, éramos praticamente desconhecidos e fazíamos frente a
uma das mais poderosas organizações políticas dos Estados Unidos. E apesar de
tudo, nesta noite, embora os resultados ainda não sejam totalmente conhecidos,
parece que temos um empate virtual”.
Essa fala explica porque Sanders pode se considerar o grande
vencedor das prévias de Iowa no lado Democrata. Ele não só saiu de uma história
de vida de “subir pelos próprios esforços”, mas fez disso a base de uma
mensagem que é mais radical que qualquer política presidencial que termos visto
em décadas – uma mensagem que ele repete com regularidade, a ponto de ter se
tornado familiar para muitos (norte)americanos.
Para
levar adiante sua luta em New Hampshire, depois de Iowa, ele usou muitas de
suas frases favoritas, já dirigidas para os eleitores da próxima prévia: “Já
passou o tempo de uma política e uma economia dirigida apenas para o
establishment”. “Não representamos os interesses da classe bilionária, de Wall
Street ou dos corporações dos Estados Unidos. Não queremos o seu dinheiro”. “O
povo (norte)americano está dizendo não para uma economia claramente
manipulada”. “Criaremos uma economia que funcione para as famílias
trabalhadoras e não só para os bilionários”.
Frente a tal ataque de retórica
populista, recheado com promessas do mesmo naipe, o que pode fazer um político
claramente vinculado ao establishment como Clinton? Caso as pesquisas que lhe
mostravam com grande vantagem sobre Sanders fossem corretas ela poderia
despreocupadamente ignorar Sanders como um político de momento, com apelo
restrito à Nova Inglaterra e entre liberais brancos com nível universitário. Agora
terá uma luta dura a ser travada em New Hampshire, na qual terá que buscar uma
vitória incontestável, promovendo uma reviravolta, repetindo o que fez em 2008.
Se isso falhar em New Hampshire, já que as pesquisas – se estiverem certas
desta vez – mostram Sanders bem à frente por lá, então ela tentará mudar as
coisas em Nevada, onde uma prévia Democrata será realizada em 20 de fevereiro,
bem como nas primárias Democratas na Carolina do Sul, uma semana a seguir.
A
sequência será sem dúvida bem difícil para Sanders, vez que as votações seguintes
seguem para Estados com maior número de eleitores entre os não brancos. Baseada
em seu sobrenome, seus bem estabelecidos laços organizacionais e seu charme
pessoal, a vantagem de Clinton sobre Sanders nestes Estados parece grande. Dois
meses atrás, no entanto, a liderança dela em Iowa também parecia substancial.
Com o passar do tempo, Sanders conseguiu destruir essa vantagem e revertê-la, eliminando-a
literalmente.
Algum
tempo depois, falando na CNN, David Axelrod, que foi comandante das campanhas
do presidente Obama, enfatizou uma faceta da questão: um dos problemas que
Hillary enfrenta nesta caminhada é que a campanha se desenvolve basicamente
sobre ela mesma – sua experiência, sua elegibilidade, sua firmeza. “Continuarei
fazendo o que fiz minha vida inteira” disse ela em seu discurso de admissão da
derrota. “Continuarei aqui para vocês”. Sanders, por outro lado, raramente faz
menções sobre si mesmo nos seus discursos. Sua campanha está baseada na
mensagem de um país que não funcione apenas para os bilionários. Acrescente-se,
disse Axelrod, que é muito mais fácil inspirar as pessoas – mormente os jovens –
com temas edificantes que com currículos.
Pois
isso também foi um problema para Clinton em 2008, quando Obama se baseou em uma
mensagem de esperança, com o ótimo slogan “Sim, nós podemos”. Em semanas
recentes, a campanha de Clinton para responder às promessas e ações políticas
de Sanders parece ser algo como “Não, nós não podemos”. Pelo menos em Iowa essa
mensagem mostrou ser perdedora.
Publicado originalmente em http://www.newyorker.com/news/john-cassidy/bernie-sanders-just-changed-the-democratic-party
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