por
Patrick
Cockburn ●●● tradução por btpsilveira
Dois novos Estados “de fato” foram
criados na Síria e no Iraque como resultado da Guerra nos últimos cinco anos e
possibilitaram enorme expansão do território e do poder de um terceiro quase
Estado. Os dois novos Estados, embora não reconhecidos internacionalmente, são
fortes tanto militar quanto politicamente, mais que a maioria dos membros da
ONU. Um deles é o Estado Islâmico, que estabeleceu seu califado no leste da
Síria e no Oeste do Iraque no verão de 2014, depois de capturar Mosul,
derrotando o exército iraquiano. O segundo é Rojava, maneira pela qual os
curdos sírios nomeiam o território que mantém sob controle e do qual o exército
sírio se retirou quase totalmente em 2012 e que agora, graças a uma série de
vitórias contra o Estado Islâmico, estende-se através do norte da Síria entre o
os rios Tigre e Eufrates. No Iraque, o Governo Regional do Kurdistão (Kurdistan Regional Government, KRG – NT)
já é quase totalmente autônomo, aproveitando-se da destruição da autoridade de
Bagdá pelo Estado Islâmico no norte iraquiano para aumentar seu território em
40 por cento, avançando sobre áreas há tempos em disputa entre os curdos e
Bagdá, e que incluem os campos de petróleo de Kirkuk, e algumas províncias onde
se misturam árabes e curdos.
A questão a ser respondida é se essas mudanças radicais na geografia
política do Oriente Médio persistirão – ou melhor, em que proporção continuarão
a persistir – quando o atual conflito terminar. Provavelmente, o Estado
Islâmico será eventualmente destruído, tal a pressão exercida pelos seus
numerosos (ainda que desunidos) inimigos, embora seus simpatizantes ainda
permaneçam como uma força respeitável no Iraque, Síria e no resto do mundo
islâmico.
Os curdos estão em posição de força, beneficiados pelo apoio dos EUA,
mas tal apoio existe apenas porque os curdos podem providenciar cerca de
120.000 tropas no solo que, em cooperação com as forças aéreas lideradas por
Washington, têm provado ser força suficiente para conter eficientemente o
Estado Islâmico.
Porém os curdos temem que o apoio dos EUA se evaporará se e
quando os militantes do EI forem derrotados e então os curdos podem ficar à
mercê dos governos centrais ressurgente da Síria e do Iraque, bem como da
Turquia e Arábia Saudita. “Nós não queremos ser usados como bucha de canhão
para a retomada de Raqqa” disse-me um líder dos curdos sírios em Rojava no
último ano. Ouvi a mesma coisa cinco meses atrás oitocentos quilômetros para o
leste, no território do KRG nas proximidades de Halabja, na fronteira iraniana,
de Muhammad Haji Mahmud, um veterano comandante peshmerga e secretário geral do
Partido Socialista, que liderou mil combatentes para defender Kirkuk do EI em
2014. Seu filho Atta perdeu a vida nessa batalha. Ele disse estar preocupado
que “uma vez que Mosul tenha sido liberada e o Estado Islâmico derrotado, os
curdos percam o valor que têm hoje, internacionalmente reconhecido”. Sem isso,
o KRG talvez não tenha capacidade de manter seu território, tão disputado.
O crescimento dos Estados Curdos não é olhado com bons olhos por nenhum
país da região, embora alguns – incluindo-se os governos em Bagdá e Damasco –
achem que tal desenvolvimento vem ao encontro de seus interesses temporários e
seja de todo modo, fraco demais para resistir ao desenrolar dos acontecimentos.
Mas a Turquia está apavorada ao descobrir que a revolta na Síria, da qual se
esperava que significasse o início da era de crescimento da influência da
Turquia através do Oriente Médio em vez disso produziu um Estado Curdo que
controla metade da fronteira turca de 880 kms ao sul do país.
Pior, o partido
que hoje governa em Rojava é o Partido de União Democrática (Democratic Union Party em inglês, sigla
curda PYD – NT) que, em tudo menos no nome é o braço sírio do Partido dos
Trabalhadores do Curdistão (Kurdistan Worker’s
Party em inglês, sigla curda PKK – NT), contra o qual Ancara tem lutado uma
guerra de guerrilha desde 1984. O PYD nega a ligação, mas em todo escritório do
partido existe um quadro na parede do líder do PKK, Abdullah Ocalan, que está
em uma prisão turca desde 1999. Desde o ano em que o Estado Islâmico foi
finalmente derrotado no cerco da cidade curda da Síria de Kobani, Rojava tem
expandido ser território em todas as direções, enquanto seus líderes
repetidamente ignoram as ameaças turcas de ações militares contra eles.
Em
junho do ano passado, o YPG (Syrian
Kurdish People’s Protection Party, em inglês, sigla curda YPG – NT) capturou
Tal Abyad, importante ponto de passagem na fronteira turca ao norte de Raqqa,
permitindo ao PYD unir dois de seus três principais enclaves, ao redor das
cidades de Kobani e Qamishli; agora estão tentando chegar ao terceiro enclave,
a oeste, em Afrin. Estes avanços rápidos só são possíveis porque os curdos agem
sob a proteção da coalização aérea liderada pelos Estados Unidos, que
multiplica muito seu poder de fogo. Eu estava ao leste de Tal Abyad pouco antes
do ataque final do YPG e o apoio aéreo da coligação rugiu sem parar nos céus. Tanto
na Síria quanto no Iraque, os curdos identificam os alvos, chamam os
bombardeiros, e depois agem como uma força de finalização do ataque. Onde
estiverem, os militantes do Estado Islâmico sofrem baixas pesadas. No cerco de
Kobani, com duração de quatro meses e meio, 2.200 lutadores do Estado Islâmico
foram mortos, a maioria através dos ataques aéreos dos Estados Unidos.
Já por várias vezes Ancara alertou que se os curdos se moverem para o
oeste na direção de Afrin o exército turco intervirá. Em particular, estipulou
que o YPG não deve cruzar o Eufrates: seria a “linha vermelha” para a Turquia. Ocorre
que quando, em dezembro do ano passado, o YPG mandou suas milícias árabes,
representadas pelo SDF (Syrian Democratic Forces), para o outro lado do
Eufrates, no Tishreen Dam, os turcos ficaram quietos – principalmente porque o
avanço teve o apoio em todas as fases de ataques aéreos dos Estados Unidos e da
Rússia contra alvos do Estado Islâmico.
A recente liberação de Khanaser pelo exército Sírio, cortando linha de suprimento do EI com a Turquia. |
Mas as objeções turcas se tornaram mais
frequentes e frenéticas desde o início do ano, porque o YPG, unido ao Exército
Sírio, mesmo ainda restando não provada a colaboração ativa entre um e outro,
lançaram um ataque em forma de pinça sobre as principais linhas de
abastecimento, tanto do Estado Islâmico quanto de outras entidades, que hoje se
localiza em um corredor estreito entre a fronteira da Turquia e a cidade de
Aleppo, que já foi a maior cidade da Síria. Em 02 de fevereiro o Exército Sírio,
apoiado pelos bombardeios russos, cortaram a principal estrada para Aleppo e
uma semana depois as forças do SDF tomaram posse da base aérea de Menagh que
estava nas mãos da Frente al-Nusra, uma afiliada da Al Qaeda à qual a Turquia
já foi acusada de apoiar sub-repticiamente no passado. Em 14 de fevereiro a
artilharia turca começou a bombardear as forças que haviam capturado a base,
exigindo que a evacuassem.
A combinação complexa de milícias, exércitos e
grupos étnicos em conflito para controlar essa pequena área vital ao norte de
Aleppo tornam o cenário confuso mesmo para os padrões da Síria atual. Mas se
for cortada a ligação que existe hoje entre a oposição ao governo sírio e a
Turquia, essa oposição ficará seriamente enfraquecida. Os Estados Sunitas –
notadamente Turquia, Arábia Saudita e Qatar – terão falhado em sua longa
campanha par derrubar Bashar Al Assad. A Turquia de repente se pode ver frente
à frente com a perspectiva de um pequeno estado governado pelo PKK ao longo de
seu flanco sul, tornando as coisas muito mais difíceis que lidar com a atual
situação de insurgência contínua mas pequena entre a minoria curda de 17
milhões de almas.
Considera-se que Erdogan queria que a
Turquia interviesse militarmente na Síria desde maio do ano passado, mas que
até agora teria sido contido pelos comandantes do exército turco. Eles
argumentam que a Turquia entraria em uma guerra complicadíssima onde teria que
enfrentar a Rússia, os Estados Unidos, o Irã, o exército sírio, o PYD e o
Estado Islâmico, enquanto seus únicos aliados seriam a Arábia Saudita e algumas
monarquias do Golfo.
Certamente, a participação turca na Guerra da Síria seria um
risco tremendo para Turquia, a qual, apesar de denunciar freneticamente o PYD e
o YPG como “terroristas” por si mesma tem tomado apenas algumas medidas menores
de retaliação vingativa. O diretor e ator turco Ersin Umut Güler, que vive em
Istambul, teve recusado seu pedido para levar para casa o corpo de seu irmão
Aziz, onde seria enterrado. Aziz morreu lutando contra o Estado Islâmico na
Síria. Antes de pisar em uma mina, o que causou sua morte, Aziz estava com o
YPG, mas era um cidadão turco que fazia parte de um partido radical turco – que
não o PKK. “Parece um drama saído direto de ‘Antígona’,” disse Ersin. Seu pai
viajou para a Síria para levar o corpo e se recusa a partir sem ele, mas as
autoridades se mostram relutantes. A resposta turca ao crescimento de Rojava é
beligerante no tom, mas ambivalente na prática. Em determinado dia, um ministro
ameaça com uma invasão e guerra total e no dia seguinte outro funcionário
governamental nega ou condiciona a invasão à participação dos Estados Unidos, o
que é muito improvável. A Turquia lançou a culpa pela explosão de um carro
carregado de explosivos em Ancara, matando 28 pessoas em 17 de fevereiro no
YPG, ato que teria aumentado de muito as chances de uma intervenção, mas as
ações mais recentes da Turquia foram incoerentes e prejudiciais. Quando, em 24
no novembro, no que pareceu um ataque antecipadamente planejado, a Turquia derrubou
um bombardeiro russo, o resultado (previsível) foi que a Rússia teve o pretexto
que necessitava para enviar para a Síria sofisticados sistemas de mísseis
antiaéreos, estabelecendo sua supremacia aérea no norte da Síria.
Kerry e Larov em Munique |
Isso
significa que se a Turquia lançar mesmo uma invasão pelo terreno contra a
Síria, suas tropas estarão sem cobertura aérea e se tornarão alvos fixos para
os bombardeios sírios e russos. Muitos líderes políticos curdos afirmam que uma
invasão militar turca contra a Síria é improvável: Fuad Hussein, presidente do
Estado Maior do KRG me disse em Erbil no último mês que “se a Turquia realmente
tivesse a intenção de partir para uma intervenção, teria eliminado no solo,
antes disso, os aviões de combate russos” – isso, claro, se a Turquia realmente
sabe o que é melhor para ela. Ele prosseguiu com sua argumentação afirmando que
o conflito será decidido levando em consideração dois fatores: quem está
vencendo no campo de batalha no momento e a cooperação entre Estados Unidos e
Rússia. “Se é que a crise será resolvida”, disse ele “será por acordo entre as
superpotências” – e pelo menos no Oriente Médio a Rússia recuperou o status de
superpotência. Uma nova aliança entre Estados Unidos e Rússia, mesmo frágil,
foi produzida em Munique no último dia 12 de fevereiro para entregar ajuda
humanitária às cidades sírias sob cerco e para uma “cessação de hostilidades”
que deverá ser seguida por um acordo mais formal de cessar fogo. Uma cessação
total do conflito é coisa difícil de ser orquestrada, mas o fato de que os
Estados Unidos e a Rússia estão supervisionando conjuntamente uma força tarefa
em busca da paz mostra que eles estão deslocando o poder de decisão dos chefes
locais e regionais para si mesmos.
Para os curdos em Rojava e no território do KRG este é um momento
crucial: se a guerra acabar eles podem perder rapidamente o poder recentemente
conquistado. Eles, são, afinal de contas, apenas entidades pequenas – o KRG tem
uma população de cerca de seis milhões de pessoas e Rojava 2,2 milhões –
cercados por poderes muito maiores. Suas economias mal conseguem manter o nariz
fora d’água. Rojava é bem organizada mas bloqueada de todos os lados e não
consegue vender grande parte de seu petróleo. Setenta por cento dos edifícios
de Kobani foram pulverizados pelos bombardeios dos Estados Unidos. A população
fugiu para cidades como Hasaka, que está perto da linha de frente.
Os problemas
econômicos do KRG são graves e provavelmente insolúveis a menos que haja um
inesperado crescimento no preço do petróleo. Há três anos, o KRG propagandeava-se
como “o novo Dubai”, um entreposto e estado petroleiro com rendas suficientes
para ser independente de Bagdá. Quando o mundo estava em pleno boom do preço do
petróleo, em 2013, os luxuosos hotéis recém construídos em Erbil vivam cheios
de delegações estrangeiras de comércio e homens de negócios. Hoje, os hotéis e
centros comerciais estão vazios e o Curdistão Iraquiano está repleto de hotéis
e prédios de apartamentos construídos pela metade e abandonados. O fim do boom
do KRG foi um choque devastador para a população, e muitas pessoas tentaram
migrar para a Europa Ocidental. Há frequentes preces nas mesquitas em memória
dos afogados na tentativa de cruzar o Mar Egeu em direção da Turquia ou das
Ilhas Gregas. As receitas com as vendas de petróleo agora estão em cerca de
$400.000.000 dólares ao mês enquanto a despesa gira em torno de 1.100.000.000
dólares, o que faz com que apenas parte dos funcionários estatais esteja sendo
paga.
Desesperado, o governo confiscou dinheiro dos bancos. Nazdar Ibrahiam, um
economista na Universidade de Salahadin, em Erbil, me disse: “minha mãe foi ao
banco onde pensava que tinha $20.000 dólares, mas eles disseram que não podiam
lhe dar o seu dinheiro porque não mais o tinham. O governo havia confiscado.
Assim, ninguém mais coloca dinheiro no banco, o que está destruindo o sistema
bancário”.
O KRG se autopromovia como um “Iraque Diferente”, e em certos aspectos,
realmente era: era muito mais seguro viver no território do KRG que em Bagdá ou
Basra. Há relativamente poucos atentados a bombas ou sequestros no Curdistão
Iraquiano, apesar da proximidade com Mosul, em comparação com o restante do
país. Ocorre que, como estado petroleiro, o KRG depende profundamente das
receitas petrolíferas. A região produz petróleo e quase nada mais: mesmo as
verduras nos mercados são importadas da Turquia e Irã e os preços são altos.
Nazdar Ibrahim disse que as roupas que ele pode comprar na Turquia por $10
dólares custam três vezes mais em casa; ele acha que o Curdistão Iraquiano tem um
custo de vida mais elevado que a Noruega ou a Suíça. Massoud Barzani, presidente
do KRG, declarou que deve haver um referendo quanto à independência do
Curdistão Iraquiano, mas essa não é uma boa opção em tempos de ruína econômica generalizada.
Asos Hardi, editor de jornal em Sulaymaniyah, disse que os protestos estão se
espalhando e mesmo quando “havia o boom econômico, o povo estava raivoso por
causa do clientelismo e da corrupção desenfreada” O Estado Curdo Iraquiano – em
vez de se tornar mais independente – está é ficando cada vez mais dependente de
potências estrangeiras para se salvar do colapso econômico.
Coisa parecida está acontecendo em toda a região: pessoas que foram
levadas às escondidas para fora de Mosul dizem que o Califado está em má
situação, sob pressão econômica e militar. Seus inimigos capturaram Sinjar,
Ramadi e Tikrit no Iraque e o YPG e o exército sírio estão mandando-os cada vez
mais para fora da Síria e fechando o cerco sobre Raqqa. As forças que atacam o
Estado Islâmico no campo de batalha – o YPG, o exército sírio, as forças
armadas do Iraque e os Peshmerga – todas tem pequeno número de efetivos (no
conflito por Ramadi o exército de assalto iraquiano era composto de apenas 500
homens), mas podem contar com devastadores ataques aéreos contra as posições do
Estado Islâmico.
Desde que foi derrotado em Kobani, o Estado Islâmico tem
evitado batalhas mais cruentes e não tem defendido até o último homem nenhuma
de suas cidades, o que se pensa que deverão fazer em Raqqa e Mosul. Mesmo
considerando o exagero do Pentágono e dos curdos em suas vitórias contra o
Estado Islâmico, a verdade é que o EI está sofrendo baixas pesadas, prejudicado
grandemente por seu isolamento com o mundo exterior e principalmente com a
perda de suas ligações com a Turquia. A infraestrutura econômica e
administrativa do Estado Islâmico está começando a ruir sobe a pressão dos
bombardeios e dos bloqueios. Esta é a impressão das pessoas que fugiram de Mosul
em fevereiro para se refugiar em Rojava.
A jornada dessas pessoas não foi fácil, desde que o Estado Islâmico
proibiu as pessoas de deixar o território do Califado – eles não querem um
êxodo em massa. Aqueles que conseguem fugir relatam que o Estado Islâmico se
torna cada vez mais violento, criando fatwas e regulamentação religiosa. Ahmad,
um comerciante de 35 anos do distrito de al-Zuhour, na região de Mosul, onde
tinha um pequeno comércio, relatou que “se alguém que fez a barba for apanhado,
receberá trinta chibatadas, enquanto no último ano, apenas ficaria preso por
algumas horas”.
Em particular, piorou o tratamento dispensado às mulheres: “o
Estado Islâmico insiste que as mulheres têm que usar véus, meias, luvas e
roupas largas ou soltas, e caso não obedeçam, são amarradas, bem como os homens
com quem estão”. Ahamad disse também que as condições de vida pioraram
fortemente e que as ações das autoridades do Estado Islâmico se tornaram mais
arbitrárias: “Eles tomam comida sem pagar e confiscaram o meu estoque sob o
pretexto de apoio às milícias do Estado Islâmico. Tudo se tornou muito caro e
as lojas estão meio vazias”. “Os mercados estavam cheios um ano atrás, mas nos últimos
dez meses não, porque quem teve oportunidade, fugiu e os que ficaram estão
desempregados”. Não há mais rede elétrica nem eletricidade já há sete meses e
todos dependem de geradores privativos que funcionam com óleo refinado na
própria cidade.
O óleo está disponível em toda a parte, mas é muito caro e de
qualidade inferior, funcionando apenas com os geradores, mas não serve para
automóveis – e os geradores quebram constantemente. O estoque de água potável é
escasso. “A cada dez dias, temos água
por duas horas” disse Ahmad. “A água que sai da torneira não é limpa, mas temos
que beber assim mesmo”. Não há rede para telefones celulares e a internet está
disponível apenas nos cafés e é monitorada de perto pelas autoridades para
prevenir a sedição. Há fortes sinais de criminalidade crescente e corrupção,
embora essa possa ser apenas a evidência de que o Estado Islâmico está desesperado
por dinheiro. Quando Ahmad decidiu fugir foi contatado por vários
contrabandistas operando na área entre Mosul e a fronteira síria.
Ele disse que
o preço de cada pessoa a ser contrabandeada para Rojava oscila entre $400 e $500
dólares. “Muitos dos contrabandistas de pessoas são homens do Estado Islâmico”,
disse ele, mas ele não sabe se as autoridades da organização têm conhecimento do
que está acontecendo. Com certeza eles sabem do que está acontecendo porque as
reclamações sobre as precárias condições de vida estão crescendo, tanto que
usaram um “hadit”, a palavra do Profeta, contra tais reclamações. Quem
desobedecer o Hadit é preso e mandado para a reeducação. Conclusão de Ahmad: “os
ditadores se tornam violentos quando pressentem o próprio fim”.
Qual o grau de precisão das predições de Ahmad de que o Califado está chegando
ao fim de seus dias? Ele com certeza se enfraquece dia a dia, mas isso se deve
em grande medida à internacionalização do conflito desde 2014, através das
intervenções militares dos Estados Unidos e da Rússia (principalmente da Rússia – NT). Os poderes locais e regionais não
contam tanto para o enfraquecimento do Estado Islâmico. Os exércitos da Síria e
do Iraque, o YPG e a milícia Peshmerga podem obter vitórias individuais sobre o Estado Islâmico
apenas porque contam com o apoio aéreo constante e massivo.
Eles podem derrotar
o EI em batalha e provavelmente também podem tomar cidades ainda sob governo do
EI, mas nenhum deles seria capaz de conquistar seus objetivos bélicos sem o
apoio decidido de alguma grande potência. Uma vez que o Califado se vá para
sempre, no entanto, os governos centrais em Bagdá e Damasco podem se tornar
fortes novamente. Já quanto aos curdos, me pergunto se não estariam em risco de
perder tudo o que conquistaram na guerra contra o Estado Islâmico.
Publicado originalmente
em: http://www.informationclearinghouse.info/article44316.htm
em: http://www.informationclearinghouse.info/article44316.htm
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