Se o acordo de paz ajustado entre Rússia e EUA der certo, quem perde é
a Turquia.
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Caso tenham sucesso, os esforços diplomáticos na Síria terão
impacto enorme entre os países vizinhos, especialmente a Turquia. Para a plateia
e para todos os efeitos visíveis, o presidente Tayyip Erdogan apoia a
iniciativa da Rússia e dos Estados Unidos, mas entre choro e ranger de
dentes. Sim, isso está contra os seus instintos, mas há um montão de razões
pelas quais ele não pode se opor abertamente. Ele apoia, mas cheio de reservas.
Ficou muito claro que o líder turco está receoso com os acontecimentos.
Erdogan disse e redisse que o plano para um cessar fogo só serve
mesmo para beneficiar Assad. A Turquia está a cada dia mais frustrada com a
resposta internacional à guerra da Síria, em particular com os Estados
Unidos, que resolveram apoiar a milícia curda que a Turquia vê como uma força
insurgente. Além do mais, Ancara está revoltada até os ossos com a operação
militar russa, que mudou completamente o equilíbrio do poder em favor de
Assad, seu inimigo figadal.
Na realidade, o plano urdido pelos Estados Unidos e a Rússia foi
asperamente criticado pelo presidente turco, que afirmou que na
realidade ele só serve para beneficiar o líder sírio Bashar Al Assad.
Nós
apoiamos um cessar fogo que traria alívio para nossos irmãos sírios”, disse Recep Tayyip
Erdogan. “Mas estamos preocupados ao
ver que este cessar fogo é o do regime de Assad, responsável pela morte de
mais de meio milhão de pessoas, e dos poderes que o apoiam de forma aberta,
enquanto para a oposição o tom do apoio é hesitante”. Erdogan acusa ainda
o ocidente, a Rússia e o Irã de “permitir,
direta ou indiretamente, a morte de pessoas inocentes”.
“Se este é um cessar fogo à mercê da Rússia,
que tem atacado brutalmente a oposição moderada e se alinhou com Assad sob o
pretexto de lutar contra o Estado Islâmico, temo que o fogo que cai sobre
pessoas inocentes nunca será parado” Disse Erdogan em um discurso pela televisão.
Sabemos muito bem que isso não acontecerá. Os curdos sírios são
a única força de combate no terreno, apoiada pela Rússia e pelos Estados Unidos,
com capacidade de lutar contra o Estado Islâmico.
Claramente, o presidente turco está com as calças na mão.
A derrubada do avião de combate russo em novembro passado e o
cessar fogo elaborado pela Rússia e pelos Estados Unidos em conjunto colocou
os planos de Erdogan em um beco sem saída. Ao arruinar suas relações com a
Rússia, Erdogan viu minguar sua influência na situação da Síria como um todo.
Na verdade, o acordo entre Rússia e EUA tornou Erdogan, a Turquia et caterva simplesmente irrelevantes.
O governo turco tinha certeza absoluta de que o presidente Assad
seria deposto e o país dividido. Isso providenciaria para a Turquia uma
oportunidade de anexar áreas perto de suas fronteiras habitadas por sírios
turcos e aniquilar as chances de um Estado curdo independente ou autônomo no
Norte da Síria. A Turquia acreditava e ainda acredita que com a autonomia
curda já estabelecida no Iraque, uma autonomia curda na Síria poderia
representar uma ameaça ao instigar protesto entre as minorias curdas no país
turco.
Em teoria, a Turquia poderia muito bem ter iniciado conversações
com a Rússia, os Estados Unidos e a Síria sobre o futuro status de eventual
Curdistão Sírio. A chance foi jogada no mato por Erdogan, quando a Turquia se
recusou a reconhecer o governo sírio liderado por Assad e com a deterioração
de suas relações com Moscou. Na visão dos Estados Unidos, os curdos são
aliados na luta contra o Estado Islâmico. Agora, o presidente turco está de mãos
atadas, sem ferramentas para impactar os eventos dentro da Síria. Eventual operação
militar contra os curdos teria um custo proibitivo e seria de altíssimo
risco. É de quase zero a possibilidade de sucesso em uma operação desse tipo
sem apoio dos Estados Unidos e nos bigodes das operações militares russas. Com
os jihadistas apanhando feito boi na horta, a formação e uma zona controlada
pelos curdos e pelos militares sírios ao longo das fronteiras da Turquia se tornará
o pesadelo recorrente do líder turco.
O Primeiro Ministro turco está acusando a Rússia e a Síria, assim
como o Estado Islâmico e a milícia curda apoiada pelos Estados Unidos de
tentar formar um “escudo de terror” ao longo da fronteira com a Síria e disse
que seu país não permitirá que isso aconteça. Em seu discurso semanal aos
legisladores do partido governante em 23 de fevereiro, Ahmet Davutoglu disse
que a intenção é estabelecer uma estrutura “terrorista” – baseada nos grupos
do Estado Islâmico e milícias curdas do YPG (Unidades de Proteção do Povo – milícia curda – NT), apoiadas
pelos Estados Unidos no norte da Síria. A Turquia considera a organização do
YPG como terrorista por suas ligações com os rebeldes curdos proscritos pelo
governo turco.
“A Turquia está consciente desses jogos que
pretendem fazer da Turquia um país vizinho de estruturas terroristas e não permitirá
isso” disse Davutoglu.
Ancara está certa que este cenário resultará em agitação e
instabilidade no país, causada pelos curdos turcos. O apoio para as forças
que lutam contra Assad seria a única maneira de lidar com isso. Assim, a
Turquia providencia ajuda logística para a oposição armada e os grupos
terroristas que lutam contra Assad. Sua artilharia atinge alvos dentro da
Síria, através da fronteira. Esse estado de coisas não vai durar para sempre.
Se as forças que lutam contra o governo de Assad não respeitarem o cessar
fogo ajustado entre Rússia e Estados Unidos, as ações de combate continuarão
e as tropas sírias avançarão até a fronteira.
Uma Guerra total contra a Turquia é a última coisa que os curdos
querem, por enquanto isso não está na sua agenda. Mas nunca se sabe. Pode se
tornar uma possibilidade apenas remota se a Turquia estabelecesse boas
relações com seus vizinhos que também possuem minorias curdas: Síria, Iraque
e Irã. Estes países compartilham a perspectiva da criação de um Curdistão
independente. Ocorre que atualmente nenhum destes países quer saber de
amizades com a Turquia.
Uma parceria estratégica com a Rússia preveniria a Turquia
contra essas possibilidades, mas a própria Turquia se privou definitivamente
dessa opção.
A Rússia não está preocupada com o fator curdo. Na sua visão, os
curdos são aliados do governo sírio na luta contra o Estado Islâmico. Se o
presidente Erdogan pedisse desculpas formais pela derrubada do avião russo em
novembro passado, talvez as relações entre os dois países pudesse ser
normalizada. Como resultado, Ancara abriria uma janela de oportunidades e
aumentaria seu papel como um ator influente na região, tomando parte do
processo que determinará o futuro da Síria. Mas ao derrubar o avião russo, a
Turquia cortou o nariz para arrumar o rosto... Talvez ainda não seja tarde
para corrigir o mal feito.
Publicado originalmente em: http://www.strategic-culture.org/news/2016/02/28/russia-us-brokered-peace-initiative-syria-gain-result-turkey-loss.html
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