O povo dos EUA é enganado pela imprensa sobre a Síria
por Stephen Kinzer
tradução btpsilveira
19 de fevereiro de 2016 "Information Clearing House" - "Boston Globe" – A cobertura da Guerra da Síria será lembrado como um dos mais vergonhosos episódios na história da imprensa (norte)americana. Entre os motivos mais relevantes estão as reportagens sobre a carnificina na antiga cidade de Aleppo.
Por três anos, militantes violentos
governaram Aleppo. Sua dominação começou com uma onda de repressão violenta.
Postaram avisos para a população: “não mandem suas crianças para a escola. Se
fizerem isso, ficaremos com as mochilas e vocês ficarão com os caixões”.
Depois, destruíram as fábricas, esperando que os trabalhadores desempregados
não teriam opção a não ser se tornarem também militantes do Daesh
(ISIS/ISIL/Estado Islâmico). Levaram as máquinas saqueadas para a Turquia, onde
foram vendidas.
Neste mês, a
povo de Aleppo finalmente vê sinais de esperança no horizonte. O Exército Sírio
e seus aliados estão botando os militantes para correr, expulsando-os da
cidade. Na última semana, conseguiram recuperar a principal usina de geração de
eletricidade, que deverá reiniciar a distribuição regular de eletricidade. A
dominação dos militantes sobre a cidade pode estar chegando ao fim.
Como seria
de se esperar, enquanto são expulsos da cidade pelos russos e as forças do Exército
Sírio, os militantes tratam de espalhar o caos. “Os ‘rebeldes moderados’
apoiados pelos turcos e sauditas (e pelo
ocidente – NT) inundaram os bairros de Aleppo com foguetes não guiados e recipientes
com gás”, escreveu um residente de Aleppo nas mídias sociais. A analista Marwa
Osma, baseada em Beirute, perguntou: “As forças do Exército Árabe Sírio,
lideradas por Bashar Al Assad e seus aliados são atualmente as únicas forças no
solo que realmente lutam contra o Daesh – daí vocês querem enfraquecer o único
sistema que está batalhando contra o Daesh?”
Isso não
combina com a narrativa de Washington. Como resultado, muitos veículos da mídia
(norte)americana está relatando o oposto do que realmente acontece. Muitas
reportagens sugerem que Aleppo era “zona liberada” já há três anos e que agora
está sendo lançada na miséria.
O povo dos
Estados Unidos aprendeu na marra que o correto na Síria é lutar contra o regime
de Assad e seus aliados russos e iranianos. Supostamente, deveríamos esperar
que a honrada e ética coalizão de (norte)americanos, turcos, sauditas, curdos e
a “oposição moderada” irá vencer.
Tal modo de pensar é de uma insensatez atroz, mas o
povo dos Estados Unidos não é culpado por pensar assim. Deles não tem quase
nenhuma informação verdadeira sobre quem são os combatentes na Síria, seus
objetivos e suas táticas. A vergonha dessa mentira deve recair sobre nossa
imprensa.
Sob intensa pressão
financeira, muitos jornais, revistas e redes de comunicação dos Estados Unidos
reduziram drasticamente suas equipes de correspondentes estrangeiros (parece com os passaralhos na imprensa aqui
da terrinha, não é? NT). Muitas notícias importantes sobre o que acontece no
mundo vêm de repórteres baseados em Washington. Neste ambiente, o acesso às
notícias e a credibilidade destas depende da aceitação dos parâmetros ditados
pelas entidades governamentais. Repórteres que cobrem os acontecimentos na
Síria checam suas informações com o Pentágono, com o Departamento de Estado, a
Casa Branca e os grupos de “especialistas” (think
tanks – NT). Depois de dar uma voltinha neste circo de palhaços mal
intencionados, sentem que cobriram todos os lados da história. Esta forma
estenográfica de produção de conversa fiada é apresentada como “notícias sobre
a Síria”.
Inevitavelmente,
esse tipo de desinformação se espalhou pela campanha presidencial (norte)americana.
Em debate recente em Milwaukee, Hillary Clinton afirmou que os esforços de paz
das Nações Unidas têm como base “acordo que negociei em Junho de 2012 em
Genebra”. A verdade é exatamente o contrário. Em 2012, a então Secretária de
Estado Hillary Clinton viajou para a Turquia, Arábia Saudita e Israel em um
esforço bem sucedido de matar no ninho o plano de paz de Kofi Annan porque o
plano seria satisfatório para o Irã e deixaria Assad no poder, pelo menos
temporariamente. Ninguém em Milwaukee sabia o suficiente para desafiar a
mentira dita por ela.
Os políticos
podem ser perdoados por “esquecer” o que fizeram no verão passado. Governos
podem ser desculpados por promoverem narrativas (mesmo mentirosas) que melhor
lhes convenha. No entanto, dos jornalistas se espera que fiquem longe dessas mentiras
cínicas e cruas de políticos e governos. Nesta crise, a imprensa dos Estados
Unidos falhou miseravelmente.
O que se diz
é que os (norte)Americanos ignoram quase tudo sobre Mundo. É verdade, mas isso
também ocorre em outros países (nós
sabemos muito bem disso – NT). Ocorre que se o povo do Butão ou da Bolívia
ignora quase tudo sobre a Síria, isso não causa qualquer efeito prejudicial
real. Mas a nossa ignorância é muito mais perigosa, porque nós estamos agindo
na Síria. Hoje, os Estados Unidos são o poder que decreta a morte ou
sobrevivência de países inteiros. Isso só pode ser feito porque a população – e
os jornalistas – dão apoio à narrativa oficial. Na Síria, é a seguinte: “Lutar
contra a Rússia, Assad e o Irã! Unir-se aos amigos turcos, sauditas e curdos é apoiar a paz!” Isso está a anos luz da
verdade. Além disso, provavelmente ajuda a prolongar a guerra, condenando ainda
mais sírios ao sofrimento e à morte.
Publicado originalmente em
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