“Raiva” (norte)Americana é só o reflexo do fracasso de Washington na Síria

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por Salman Rafi Sheikh, com tradução de btpsilveira

“Não há coisa sobre a qual vocês não mintam? Vocês não têm vergonha?” era assim que falava uma frustrada Samantha Power, embaixadora dos Estados Unidos para a ONU, acusando os três aliados, Rússia, Irã e Síria, de “barbárie” e atrocidades continuadas que teriam sido cometidas por forças de Assad no território controlado pelos rebeldes.


Mas enquanto a expressão de “raiva” ignora olimpicamente o caos e a destruição causados pelas guerras lançadas na região pelos Estados Unidos nos últimos 60 anos mais ou menos, está inegavelmente ligada ao fracasso (norte)americano de impor mais um de suas notórias políticas de “mudança de regime” na Síria, do tipo que foi capaz de impor em anos recentes em outros países como Afeganistão, Iraque e Líbia. Mas a raiva é dirigida principalmente à campanha militar da Rússia contra os “rebeldes moderados” apoiados pelo ocidente, e contra o Estado Islâmico – produto das políticas (norte)americanas depois da retirada do Iraque. Sem essa campanha, a Síria também teria sucumbido a essa política e se tornaria sem dúvida apenas mais uma história de país destruído, tudo em nome da “democracia” e dos “direitos humanos”.

O fracasso (norte)Americano contra as forças combinadas da Síria, Rússia e Irã desafiam diretamente a supremacia militar dos EUA no mundo e sua capacidade de cumprir seus pactos de segurança e compromissos com seus aliados árabes. Será que a vitória de Assad em Alepo significa uma retirada dos (norte)americanos da cena do grande Oriente Médio?

Embora ainda seja muito cedo para falar em um estágio de retirada potencial, alguns desenvolvimentos mostram claramente que o século de supremacia imperial dos EUA e do ocidente de maneira geral na região rica de recursos naturais está chegando ao fim. A derrota sofrida na Síria não é apenas de natureza militar; também simboliza e efetivamente demonstra o crescimento de forças que já se consideram suficientemente fortes para não precisar mais de subordinar seus interesses aos do ocidente ou de seus aliados árabes.

A Síria era o lugar que o presidente Barak Obama designou expressamente para criar um pântano intransponível para seu adversário Vladimir Putin. Os cálculos da administração Obama eram que o pântano da Síria significaria um devastador fracasso para Putin, o que, por sua vez, deveria minar o seu controle do poder, marcando um desfecho desfavorável para o próprio sistema político russo.

A administração Obama via tudo isso em um contexto de perspectiva multidimensional – levar a Rússia para um caminho diplomático que permitisse ganhar tempo para que os grupos extremistas em Alepo se reagrupassem e tentassem levantar o cerco que sofriam; tomar controle total de Raqqa, rota de suprimentos para Alepo; manter uma barragem de falsa propaganda baseada em “razões humanitárias” para desorientar o desenvolvimento militar russo – tudo, claro, com a esperança de que Hillary Clinton seria a próxima presidenta dos Estados Unidos.

A administração Obama fracassou redondamente na perseguição de todos esses objetivos e as atuações de Samantha Power não passam de tentativas por parte do presidente que deixará em breve o cargo de fazer o povo esquecer os objetivos que seu governo dizia perseguir no momento em que a Rússia se envolveu diretamente na questão.

Com a vitória em Alepo já bastante significativa como derrota para os Estados Unidos e seus aliados, o comportamento da Rússia a seguir parece significar mais uma queda para os EUA e para as tentativas suas e de seus aliados de conseguir um espaço na mesa de negociações o que asseguraria um papel de “agente da paz” podendo, dessa forma, influenciar no futuro da Síria.

No entanto, parece que isso não vai acontecer. Para isso, Putin anunciou que deverá convocar conversações de paz ainda para este mês, onde deverão comparecer Irã e Turquia, mas nenhum dos países do Golfo ou potências ocidentais.

Afrontando Washington, Putin deixou bem claro na sexta feira que a iniciativa das conversações de paz cabem apenas a Moscou e Ancara e que acontecerão como complemento às negociações levadas a efeito pelas Nações Unidas em Gênova. “O próximo passo deve ser alcançar um acordo total de cessar fogo através da Síria inteira”, disse Putin em Tóquio. “Estamos conduzindo negociações ativas com representantes da oposição armada, que serão efetivadas pela Turquia”, afirmou em seguida.

Ecoando essas declarações, o Ministro de Relações Exteriores da Turquia disse que grandes realinhamentos no campo da política regional podem ser esperados no período pós Alepo. “Estamos nos esforçando para assegurar um cessar fogo através do país e para negociações que possibilitem o início de uma solução política... Por esta razão, no final do mês, em 27 de dezembro m Moscou, teremos um encontro tripartido entre Turquia, Rússia e Irã”. A cúpula exclusivamente trilateral sinaliza o potencial de convergência estratégica entre os três mais importantes países envolvidos no conflito sírio.

O movimento surpresa parece sublinhar o crescente fortalecimento da reaproximação da Rússia com a Turquia e o afastamento desta dos Estados Unidos, e também mostra o cansaço da Rússia com as longas e inúteis conversações com a administração Obama sobre a Síria. O Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov no início desta semana dispensou essas negociações como “totalmente infrutíferas” e disse que Ancara provou ser um parceiro muito mais eficiente na Síria.

Tornou-se claro que a intenção de Moscou é avançar rapidamente na direção da reconstrução da Síria depois da guerra e não quer mais manter-se presa ao mantra dos Estados Unidos quanto à necessidade de Assad sair ou permanecer no poder.

A Rússia, assim como seus aliados, está consciente do provável caminho a ser seguido pelo novo presidente dos Estados Unidos assim que assumir o poder em 20 de janeiro de 2017. A expectativa russa é que esse caminho provavelmente determinará, em grande medida, o resultado final.

Ao agir como intermediário entre a Turquia e o Irã, que estavam em desacordo no que se refere a Assad até 2013, a Rússia agora pretende a criação de um entendimento diplomático entre os dois potenciais contendores na Síria, especialmente no que se refere à questão do futuro dos curdos na Síria e na região como um todo.

O que explica a disposição da Turquia de participar da reunião de cúpula é o fato que para os turcos tem importância primordial, quer dizer, a posição dos curdos na região, que não pode satisfazer a Turquia enquanto esta permanecer alinhada aos EUA, que foi a principal fonte de apoio aos curdos durante todo o período da guerra. Para a Turquia, portanto, o alinhamento com a Rússia faz todo o sentido e parece ser a tomada de uma posição prática ao se reposicionar na região, na sequência dos novos desenvolvimentos, nos quais os Estados Unidos já não parecem ter o papel de principal mediador do poder.

Por conseguinte, a “fúria dos Estados Unidos” em relação à Síria é apenas a resposta amarga par um fracasso tremendo. Para os Estados Unidos, a queda de Alepo em mãos do exército sírio, a sobrevivência de Assad, a mudança de posição da Turquia e mais importante, a ascendência da Rússia e do Irã representam um retrocesso geral na sua política externa – algo que certamente não previam quando do lançamento das “primaveras” no Oriente Médio em geral e na Síria em particular, e algo que agora eles têm uma dificuldade enorme de assimilar. O intervencionismo autodestrutivo de Obama desabou e nesta queda caiu também a glória dos Estados Unidos no Oriente Médio.

Salman Rafi Sheikh, analista e pesquisador de Relações Internacionais e de questões internas e externas do Paquistão, exclusivamente para a revista online “New Eastern Outlook”.


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