por Valentin Katasonov, com tradução
de btpsilveira
http://www.strategic-culture.org/news/2016/12/12/only-one-step-away-from-global-trade-war.html
O processo de globalização acabou de forma
total com a crise financeira de 2007/2009. Subitamente e pela primeira vez, o
comércio mundial em 2015 caiu mais de 10%, o que não se via desde 2009. Nada
parecido com isso aconteceu desde a Grande Depressão dos anos 1930s. Mesmo
assim, existem políticos, figuras públicas, eruditos e jornalistas que
continuam a falar sobre globalização como um “objetivo” e como sendo “progressista”,
sabendo, contudo, que a globalização já chegou ao fim.
O mundo iniciou uma nova era. Importante
característica dessa era é o fortalecimento do protecionismo do comércio e
investimento internacional, a fragmentação do comércio mundial em zonas
econômicas e comerciais e até a regulamentação com base em acordos bilaterais.
De acordo com a Organização Mundial do Comércio, apenas no período entre
outubro de 2015 e maio de 2016 os países do G20 promulgaram 145 leis destinadas
ao fortalecimento de barreiras comerciais, e mais de 1.500 destas leis foram
adotadas desde 2008. No total, de acordo com estimativas do renomado economista
inglês Simon Evenett, há cerca de 4.000 leis e regulamentos protecionistas aprovadas
no mundo inteiro. Os países do G20 – que originam mais de 90% do comércio global
– são responsáveis por 80% destas cláusulas de barreira.
Astuciosamente, Trump percebeu e
mergulhou nessa tendência com slogans de campanha que prometiam revitalizar a
posição dos Estados Unidos no comércio mundial – principalmente com a adoção de
medidas protecionistas:
Primeiro – ele quer parar as negociações
para a redação final do Transatlantic Partnership Agreement (TPA) entre os
Estados Unidos e a União Europeia e se recusa a ratificar o já assinado
TransPacific Partnership Agreement (são dois acordos de livre comércio que constituíram
a base da política externa comercial de Obama, que lutou arduamente para a
aprovação dos dois acordos, sem conseguir – NT)
Segundo – Trump quer encontrar um meio
de sair do NAFTA ou revisar completamente os termos do tratado com as outras
partes (Canadá e mais especificamente, com o México).
Terceiro – ele pretende usar acordos
bilaterais par definir os termos das relações econômicas e comerciais dos EUA
com o resto do mundo, enquanto ao mesmo tempo se retira de uma política de
regulação multilateral ou global para o comércio mundial (e os Estados Unidos
estariam mesmo prontos para se recusar a tomar parte no funcionamento da
Organização Mundial do Comércio).
Quarto – Trump planeja revisar
completamente os termos econômicos e de comércio dos EUA com a China:
crescimento do nível de taxação dos bens importados dos chineses para 45% e
adoção de medidas protecionistas conectadas com o que se conhece como “guerra
monetária de Pequim” (a fraqueza artificial do Yuan quando comparado com o
Dólar dos EUA).
Claro que a busca teimosa e
desenfreada desse tipo de programa consistentemente protecionista deverá não só
colocar mais pressão nas relações com muitos parceiros comerciais dos Estados
Unidos, como disparar uma guerra comercial. Em junho, o atual presidente eleito
descreveu as relações comerciais entre EUA e China: “Nós já temos uma guerra
comercial e estamos perdendo de goleada”. Por volta da primavera de 2017,m
provavelmente veremos os primeiros passos práticos da reestruturação ou “ajuste”
da política de comércio internacional de Washington.
Os mantras protecionistas de Trump já
ecoam pelo mundo inteiro. Parceiros comerciais dos Estados Unidos estão
considerando medidas retaliatórias. São principalmente os países com os quais
os EUA têm grande déficit comercial. Em 2015 os desiquilíbrios comerciais dos
Estados Unidos aconteceram sobretudo com os seguintes parceiros comerciais (em
bilhões de dólares: China – 365,7; Alemanha – 74,2; Japão – 68,6; México – 58,4
e Vietnã – 30,9. A atual astronômica grandeza das reservas monetárias em moeda
externa da China é o outro lado da moeda do superávit comercial que a China
obteve dos Estados Unidos ano após ano. Durante os 15 anos como membro da
Organização Mundial do Comércio, a China juntou um balanço favorável de $3,5
trilhões de dólares ($3.500.000.000.000) em seu comércio com os Estados Unidos.
Mesmo antes que Trump esteja instalado
no Gabinete Oval, o incêndio de uma Guerra Comercial pode ser ateado. Uma data
muito importante está logo ali na esquina – 11 de dezembro de 2016 é uma data
memorável porque é quando a China se tornará um membro efetivo da Organização
Mundial do Comércio, precisamente 15 anos depois de 11 de dezembro de 2001.
Porém muitos esperam 11 de dezembro de 2016 de forma tensa e ansiosa. Por que?
Acontece que de acordo com os termos do tratado de 15 anos atrás, a China terá
garantido o status de “Economia de Mercado” no máximo até 11 de dezembro de
2016. É um título que a China ainda não tem. De acordo com as regras da OMC, os
Estados membros desta organização podem tomar medidas para proteger seus
mercados de produtos exportados de países que ainda não são “economias de
mercado”. A ideia é que os países que ainda não possuem status de economia de
mercado acabam apoiando seus exportadores de uma forma ou de outra. Estas
formas podem incluir diferentes tipos de subsídios estatais, incluindo alguns
praticados de forma encoberta, como isenções fiscais.
Empresas estatais ou sociedades de economia
mista são vistas com grande suspeição pela Organização Mundial de Comércio. E
inúmeras empresas exportadoras chinesas podem ser descritas dessas formas. Para
se proteger contra exportadores destes países, os membros “civilizados” da OMC
têm o direito de impor tributos antidumping que eventualmente são muitas vezes
maiores que as taxas costumeiras. Normalmente, a OMC não toma a decisão de
reconhecer o status de “economia de mercado” para uma economia centralizada
dessa forma – e isso é aplicado para um país de forma individual ou mesmo para grupos
de países. Porém Pequim acredita que, sob os termos do tratado de adesão da
China de 2001 com a OMC, depois de 11 de dezembro de 2016 todos os países
membros da organização devem ajustar seu relacionamento com a China no sentido
de observar o fato de que a China agora é uma “economia de mercado”. Em outras
palavras, existe um mecanismo que prevê expressamente esta disposição.
No início da década a União Europeia
tornou claro que Pequim ainda está longe de poder ser considerada uma
verdadeira “economia de mercado”. No curso destes anos a União Europeia – fora do
padrão de todos os outros parceiros comerciais da China – levou o recorde de imposição
de impostos antidumping contra bens chineses, especialmente os produtos da
indústria siderúrgica chinesa. No ano passado, Bruxelas afirmou repetidamente
que a economia chinesa ainda está muito distante de ser considerada “baseada no
mercado” e que por consequência, está fora de questão que a China receba
automaticamente o status desejado. No momento, a União Europeia tem 68 medidas
antidumping em vigor, 51 das quais dirigidas contra bens chineses. Estes
impostos podem exceder o normal em 65% e são dirigidos a uma vasta gama de
produtos, que vão desde o aço laminado até painéis solares.
Desta forma, as
tensões continuam a crescer, não apenas nas relações entre Pequim e Washington,
como também com Bruxelas. No último verão, a Associação Eurofer (relacionada
com as siderúrgicas europeias) divulgou uma declaração em tom fortemente
emocional na qual vinha mais uma vez solicitar aos países europeus que não reconheçam
a China como economia de mercado em nenhuma circunstância. A Associação afirma
que desde 2008 a indústria de aço europeia já perdeu cerca de 85.000 empregos,
ou seja, mais de 20% de sua força de trabalho. Ainda de acordo com a Eurofer,
nos últimos 18 meses a China dobrou suas exportações de aço laminado para a
União Europeia. Na declaração da Eurofer está incluída uma avaliação não apenas
sobre a indústria europeia de aço, mas tomando a economia europeia como um
todo: devido às exportações de produtos chineses, a Europa pode perder mais de
3,5 milhões de empregos em 25 ramos industriais depois de dezembro de 2016.
Mas dentro da própria União Europeia não há
consenso sobre como proceder em relação à China. Particularmente, países como a
Espanha e Itália se opõem categoricamente a conceder para a China o status de “economia
de mercado”. A Alemanha é a favor, com reservas. O Reino Unido também é a
favor, sem reservas, mas ninguém na União Europeia está interessado na opinião
dos britânicos. Alguns burocratas europeus estão dispostos a aceitar a transição
automática da China para a nova categoria comercial depois de 11 de dezembro,
mas se reservam o direito de recorrer a tributos antidumping para os bens
chineses “em casos excepcionais”. Representantes da indústria de metais
ferrosos da União Europeia só concordarão com o novo status chinês se a China
aceitar eliminar seu “excesso de produção” para metais ferrosos. A Comissão
Europeia estava disposta a aceitar que a China galgasse automaticamente o novo
status em 11 de dezembro de 2016, mas em maio último o Parlamento Europeu
inesperadamente tomou posição agressiva, quando fez passar uma duríssima
resolução contra a China em relação à mudança de seu status econômico.
Por seu lado, Pequim tenta
encorajar a Europa a tomar a decisão mais favorável para a China, usando a
tática do pau e da cenoura. Eventualmente, mostra a cenoura (por exemplo,
concordando em acabar com o “excesso de produção” na indústria metalúrgica) e
às vezes o pau (“a Europa deve pensar bem antes de tomar uma decisão final
sobre o status da economia chinesa”), como alertou o jornal estatal Xinhua News com relação à resolução do
Parlamento Europeu em maio.
Washington também está metendo sua colher de
pau no assunto. Para a União Europeia, atualmente a China e os Estados Unidos
são parceiros comerciais do mesmo tamanho. Assim, estará removido o último
obstáculo para a expansão comercial da China na Europa, se a União Europeia
reconhecer de fato o status de economia de mercado para a China.
Concomitantemente, a posição dos EUA no mercado europeu experimentará um declínio
correspondente.
Durante o ano, tradicionalmente esta é uma
época tranquila para Washington, politicamente falando. Assim, a Europa terá
que enfrentar sozinha a China e tomar suas próprias decisões quanto à economia
do país asiático. Porém mesmo que Bruxelas alcance sua decisão com apoio do
presidente (norte)americano (seja Obama, seja Trump), mesmo assim terá em mãos
duas decisões para escolher: uma ruim e outra muito ruim. Qualquer delas será o
gatilho de uma guerra comercial de escala global. Levando em consideração o
caráter dos burocratas europeus, suspeito que eles irão empurrar a decisão com
a barriga por tempo indeterminado. Por conseguinte, é bem capaz que a UE acabe
por reconhecer o caráter oficial do status da China como economia de mercado,
mas reservando-se o direito de “em casos excepcionais”, recorrer a impostos
antidumping para os produtos chineses.
Creio que por volta
do próximo verão, quando Trump começar a colocar em prática suas ações em
vários fronts, entre eles o trabalho de reestruturar as fundações de regras que
determinam o comércio global, esse tempo confuso de parada nas relações Sino/Europeias
deve cessar. Provavelmente será seguido por um grande choque nas relações econômicas
entre a União Europeia e a China, que se tornará cada vez mais intensa, até
descambar para uma guerra comercial sem peias.
Os pontos de conflito
comercial que estão ardendo de forma isolada em várias partes do mundo podem
convergir rapidamente para uma única grande batalha comercial de estatura
global.
P.S. – O Congresso
dos Estados Unidos, para que tivesse subsídios de consultoria e pesquisa, criou
uma Comissão de Revisão Econômica e de Segurança (Economic and Security Review Commission, em inglês). Em 16 de
novembro de 2016 a comissão deu a conhecer o conteúdo de seu relatório, com 550
páginas. Resumindo: a comissão conclui claramente que a China ainda não pode
ser classificada como “economia de mercado”.
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