As sanções dos Estados Unidos –
um remix mal feito de “Looney Tunes” (1)
Texto de F William Engdahl, traduzido por btpsilveira
Os sempre sábios membros do Congresso
(norte)Americano acabaram de aprovar uma das peças legislativas mais bizarras
da História do país. Tornam ilegal e punem severamente, de maneira unilateral,
os investimentos de companhias europeias em projetos internacionais de energia
nos quais a Rússia esteja envolvida. Mas vai ainda mais longe.
Ao contrário de
sanções anteriores, os países da União Europeia nem mesmo foram consultados
quanto à nova Lei. É bem provável que essa lei, HR-3364: Lei de Combate aos
Adversários dos EUA Através de Sanções (sic) e sua contraparte no Senado marque
o declínio irreversível dos Estados Unidos como um poder global e estabeleça
novos laços entre Rússia, China, Irã e sim, outros grandes Estados da União
Europeia, entre os quais a Alemanha.
O que estabelece a Lei
Primeiro, veja o que realmente
estabelece a Lei HR-3364:
No Título I, a parte da Lei que trata
do Irã, a legislação determina que o Presidente dos EUA, “deve impor as sanções
descritas... com respeito a qualquer pessoa que o presidente considere (1)
sabidamente envolvido em qualquer atividade que contribua materialmente para o
suprimento, venda ou transferência direta ou indiretamente para ou do Irã, ou
para uso em benefício do Irã, de quaisquer tanques de batalha, veículos
blindados de combate, sistemas de artilharia de grande calibre, aviões de
combate, helicópteros de ataque, navios de guerra, mísseis ou sistemas de
mísseis, como definido para o propósito de Registro de Armas Convencionais das
Nações Unidas, ou material relacionado, incluindo kits de reparo, peças
sobressalentes; ou (2) sabidamente providencie para o Irã treinamento oficial,
serviços ou recursos financeiros, aconselhamento, outros serviços ou
assistência relacionados ao suprimento, venda, transferência, manutenção ou uso
de armas e material relacionado descrito ...
Embora isso pareça estar relacionado
com o Irã, o qual não é citado como tendo violado qualquer lei internacional e
apesar do fato de que recentemente tanto os serviços de inteligência dos
Estados Unidos e a Agência Internacional de Energia Atômica declararam que o
Irã está agindo de acordo com o tratado nuclear, o alvo principal é a Rússia.
Com o levantamento em janeiro de 2016
pelos Estados Unidos e União Europeia das sanções aplicadas pelo regime Obama,
a Rússia começou conversações com Teerã para o suprimento de $10 bilhões de
dólares em armamento russo, entre os quais tanques avançados, sistemas de
artilharia, aviões e helicópteros. Da mesma forma, a remoção das sanções
permitiu que a Rússia negociasse legalmente a entrega de seu sistema avançado
anti mísseis S-300, realizado em Agosto de
2016.
Na seção iraniana da Lei, é evidente
o interesse de impedir as relações, incluindo militares, entre Rússia e Irã,
uma parte vital do emergente espaço econômico eurasiano que Washington e o
Estado Profundo sentem como ameaçador ao seu poder.
Vamos agora para as explicações sobre
a seção russa da nova Lei.
Título II: Seção Russa
A seção sobre a Rússia foi inserida
dentro do projeto original sobre sanções contra o Irã. É chamado TÍTULO II –
SANÇÕES COM RESPEITO À FEDERAÇÃO RUSSA E DE COMBATE AO TERRORISMO E
FINANCIAMENTO ILÍCITO.
O Título II justifica as novas e
inéditas sanções contra a Rússia citando a anexação da Crimeia, já sancionada e
o alegado apoio russo para os separatistas ucranianos na sequência do golpe de
estado de 2014 em Kiev, instigado pela CIA, bem como alegações não provadas de
que a Rússia teria hackeado o bando de dados o Comitê Nacional do Partido
Democrata durante a campanha para as eleições de 2014. Para dourar a pílula, o
Congresso acrescenta o envolvimento da Rússia na Síria, mesmo sendo este legal
sob a lei internacional, ao ajudar o governo Assad a lutar contra o Estado
Islâmico e outros terroristas.
Outra justificativa para as sanções
sem precedentes contra a Rússia seria uma “violação dos direitos humanos pela
Federação Russa” não especificada. Claro que os “violadores dos direitos
humanos russos” são todos os que estiveram contra as tentativas da CIA de
fomentar Revoluções Coloridas na esperança de bloquear a reeleição do
Presidente Vladimir Putin nas eleições de março de 2018.
Além disso, em uma
constitucionalmente duvidosa retirada do poder do Executivo, o Congresso
estatuiu que o presidente não tem mais autoridade para remover sanções contra a
Rússia sem prévia aprovação do Congresso.
“Oposição ao Gasoduto ‘Nord Stream II’”
A subdivisão russa da Lei, entre
outras disposições incríveis, declara na seção 257: A Segurança Energética da
Ucrânia (sic) que, “é política dos Estados Unidos... continuar a se opor ao
gasoduto Nord Stream II, dado seus impactos em detrimento à segurança
energética da União Europeia, desenvolvimento do mercado de gás na Europa
Central e Oriental, e reformas energéticas na Ucrânia. Como os governos da
Alemanha e da Áustria já destacaram fortemente, de quem os governos da União
Europeia decidem comprar gás natural é de sua própria conta, e não para ser
decidido por Washington.
O Título II continua, dando as razões
para esse atropelo extraordinário na Lei Internacional, “...o governo dos
Estados Unidos deve priorizar a exportação dos recursos de energia dos EUA no
intento de criar empregos nos Estados Unidos, ajudar os aliados e parceiros dos
Estados Unidos e fortalecer a política externa do país”. As novas sanções fazem
parte do esforço para dar ao Tesouro (norte)americano o direito de castigar e
penalizar companhias europeias que têm negócios com a Gazprom relacionados à
proposta de levar o gasoduto Nord Stream até a Alemanha.
Eita! Será que li errado a Lei? O
presidente dos Estados Unidos deve impor sanções para que os EUA possam
interromper a construção do Gasoduto EU/Gazprom Nord Stream II, que está
próxima de ser completada, ligando Vyborg na Rússia a Griefswald na Alemanha,
desviando dos gasodutos da era soviética que passam através de uma Ucrânia hoje
hostil à Rússia e agindo como fantoche dos EUA? Ele deve fazer isso como parte
de um esforço para a criação de empregos nos Estados Unidos? Ou isso é na
realidade parte da atual estratégia dos Estados Unidos repetida incessantemente
pela administração Trump para “dominar o mercado global de energia”, incluindo
a exportação de petróleo, gás de xisto na forma de gás liquefeito de petróleo (LNG, na sigla em inglês – NT), exportação
de carvão e energia nuclear?
Ferrovias e Mineração Russa
A Seção 233 da Lei também especifica
que o Tesouro dos EUA pode determinar sanções contra “uma entidade estatal
operando no campo de ferrovias ou metalurgia ou mineração da economia da
Federação Russa”. Sanções dos Estados Unidos contra a Mineração ferrovias e
Indústria Metalúrgica russas? Por que não agir com honestidade e declarar de
uma vez por todas que o Congresso (norte)americano é o ditador absoluto do
mundo inteiro, que pode decidir tudo em qualquer lugar? Não se permitem
questionamentos...
Além disso, a Lei “proíbe a provisão,
exportação ou reexportação... por pessoas dentro dos Estados Unidos de bens,
serviços... ou tecnologia de apoio para a exploração ou produção para novos
projetos de águas profundas, no Ártico, ou projetos para exploração de gás de
xisto... que tenham potencial para a produção de petróleo...” As sanções
incluem o poder de “bloquear... quaisquer transações em quaisquer
propriedades... de qualquer pessoa determinada pelo presidente que seja sujeito
à subseção (a) (1).”
A seção 232 vai atrás do
desenvolvimento de gasodutos na Federação Russa, contra qualquer um que
“conscientemente faça investimentos... ou venda, empreste ou providencie bens,
serviços, tecnologia ou informação à Federação Russa para a construção de
gasodutos de exportação de energia... com o valor de $1 milhão de dólares ou
mais; ou valor agregado de mercado de $5 milhões de dólares ou mais”. Vai ainda
contra qualquer investimento estrangeiro que “direta e significantemente
contribua para o fortalecimento da capacidade da Federação Russa de construir
gasodutos de exportação de energia”. Tais gasodutos poder ser para a China,
Europa, Turquia ou seja onde for.
Combatendo a influência russa na Europa e Eurásia
O subtítulo B é denominado Combatendo
a Influência Russa na Europa e Eurásia. A seção afirma “conclusões” do
Congresso, sem especificar quais, que “O governo da Federação Russa tentou
exercer sua influência através da Europa e da Eurásia, incluindo nesse rol
antigos estados da União Soviética, através do fornecimento de recursos para
partidos políticos, think tanks e grupos da sociedade civil que demonstram
desconfiança em relação aos atores e instituições democráticas, promovem visões
xenofóbicas e não liberais, e com isso comprometem a unidade europeia”.
Ignora convenientemente as centenas
de milhões de dólares que o Departamento de Estado, a USAID, a ONGs civil do
staff da CIA National Endowment for Democracy e outras agências de Washington
gastaram nos últimos vinte e cinco anos para exercer a “influência dos Estados
Unidos através da Europa e Eurásia, incluindo os antigos países da União
Soviética, através do fornecimento de recursos para partidos políticos, think
tanks e grupos da sociedade civil”.
E quanto a “comprometer a unidade
Europeia”? Desde quando a unidade Europeia ou seu comprometimento é tem a ver
com os Estados Unidos? Perdão, meu senhor. Esqueci que agora Washington é um
ditador autoproclamado, governante absoluto do mundo, o Cão Alfa, latindo suas
ordens para o planeta inteiro...
Para a contenção do tal esforço de
influenciação russa na Europa e Eurásia, a seção 254 da Lei autoriza o gasto de
$250.000.000 de dólares entre 2018 e 2019 para um Fundo de Combate à Influência
Russa (sic). Os países na esfera do “Combate” dos Estados Unidos incluem
Albânia, Bósnia e Herzegovina (com adição da República Sérvia), Geórgia,
Macedônia, Sérvia, Moldávia, Kosovo e Ucrânia. As ações de combate são
descritas como “construir a habilidade da sociedade civil, imprensa e outras
organizações não governamentais para conter a influência e propaganda da
Federação Russa”.
As novas sanções contra a Rússia agem
de maneira explícita ao usar esse monte de dinheiro dos contribuintes
(norte)americanos para interferir em assuntos internos de países da Europa e da
Eurásia: “organizações internacionais não governamentais, como a Organização
para a Segurança e Cooperação na Europa, a Fundação Nacional para a Democracia,
o Fundo para o Mar Negro, o Fundo dos Balcãs para a Democracia, o Centro de
Sociedade Civil de Praga, Centro para
Qualificação de Comunicações da OTAN, a Fundação Europeia para a
Democracia, e organizações relacionadas...
Resumindo, as novas sanções
extraordinárias agem abertamente para provocar Revoluções Coloridas, a
“Democracia Falsa” à maneira da CIA, usando a Fundação Nacional para a
Democracia (National Endowment for
Democracy - NED – NT) e as ONGs aliadas da CIA e do Departamento de Estado
(norte)Americano para intervir massivamente nos assuntos internos de todo o
espaço terrestre que vai da Europa até a Eurásia. Não se trata de nenhuma
surpresa, dado que a principal figura no Senado dos Estados Unidos que tem o
crédito de apoiar fortemente as novas sanções contra a Rússia e o “santo
padroeiro” da NED e de virtualmente todas as “revoluções coloridas” promovidas
por Washington é John McCain.
Seção 257 – Segurança Energética
Ucraniana (sic) mira explicitamente “os recursos em Petróleo e gás natural da
Federação Russa, e além disso, sua energia nuclear e companhias estatais de
eletricidade”
Na verdade, a Lei que estabelece as
novas sanções dos Estados Unidos é como uma bomba nuclear de barril, com
sanções voando em todas as direções – Rússia, Irã, Coreia do Norte, China,
companhias europeias de energia e até mesmo companhias (norte)americanas de
petróleo e outras.
O HR-3364: Lei de Combate aos
Adversários dos Estados Unidos Através de Sanções não passa de um remake mal
feito da famosa série de desenho animado da Warner Brothers, Looney Tunes.
Desta vez, coube ao senador John McCain o papel de Patolino, com toda a sua
claque de senadores e congressistas manchando bravamente atrás do Patolino
fingindo que são patriotas ardorosos e não um bando de lemingues (pequenos roedores que supostamente cometem
suicídio coletivo quando acontece uma superpopulação em determinada área – NT)
marchando diretamente para o abismo da insanidade. Felizmente a Lei é tão radical
que seguramente vai explodir na cara de seus apoiadores. Pode até se tornar o
catalisador que mudará todo o equilíbrio geopolítico mundial para longe do
poder insanamente exercido por Washington.
(1) Looney
Tunes, literalmente “música para doidos”, “música de hospício”, é uma série
famosa de desenhos animados da Warner Bros. Animation, tendo ganhado o mundo na
época dourada dos desenhos animados, entre 1930 – 1970.
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