EUA querem terceirizar a guerra do Afeganistão para empresas militares
privadas. Fugindo da responsabilidade de uma missão fracassada
texto de Andrei Akulov – tradução de btpsilveira
Agosto de 2017 – Até agora, o presidente Donald Trump não teve sucesso
em apresentar uma política coerente para o Afeganistão. Ele está frustrado com
assessores e comandantes militares, entre os quais o General John Nicholson,
que comanda as forças (norte)americanas no país conflagrado.
Com tanto cozinheiros na beira do fogão, alguns estão advogando por um
papel extremamente limitado dos Estados Unidos na Guerra, enquanto outros
pressionam por um aumento de vários milhares de tropas (norte)americanas no
terreno. Trump já é o terceiro Supremo Comandante-em-Chefe que tenta vencer a
mais longa guerra da história dos EUA, em vão. Depois de dezesseis anos de
esforço constante, ainda não há luz no fim do túnel. Esperava-se por uma nova
estratégia que deveria ser entregue em julho. Não foi, enquanto debates
intermináveis sobre o que fazer continuam.
Os Estados Unidos já gastaram, até agora, mais de 800 bilhões de dólares
no conflito, embora alguns analistas digam que o custo real estaria na casa dos
trilhões. Durante a campanha eleitoral, o candidato Trump descreveu a Guerra no
Afeganistão como um “desperdício total”. Já aconteceram mais de 2.400 mortes entre os militares dos EUA e mais
de 20 mil foram feridos. A produção de ópio cresceu 43% de 2015 para 2016 e a tendência
tem sido ascendente desde 2001. As Nações Unidas acreditam que o Afeganistão
permanece sendo um dos mais perigosos e mais violentos países em crise no
planeta.
Conforme dados fornecidos
pelo Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão, a partir de
fevereiro de 2017 “o governo afegão controla ou tem influência sobre apenas 52%
dos distritos do país, comparado com 72% em novembro de 2015”. O Talibã tem
realizado ganhos pesados, impondo derrotas acachapantes às forças afegãs na
Província de Kandahar, seu antigo quartel general, bem como em lugares como a
Província de Helmand e a Província de Kunduz. A insurgência liderada pelo
Talibã cresceu em taxas maiores que dois dígitos, todo ano, desde 2005
O governo nacional afegão simplesmente não está em condições de governar
de maneira efetiva o país e muito menos de subjugar os vários grupos militantes
e senhores de guerra no país. Enquanto estiver ganhando terreno, o Talibã
provavelmente não negociará com o governo. A presença do Estado Islâmico é
outro problema. O Secretário de Defesa James Mattis testemunhou no Comitê das Forças Armadas do Senado em
junho, dizendo que os Estados Unidos “não estão vencendo no Afeganistão”. As agências de inteligência dos EUA afirmaram que as condições no
Afeganistão quase certamente deverão piorar durante o próximo ano.
Um artigo do jornal New York Times afirma que o Irã estaria fazendo uma jogada
audaciosa para trazer o Afeganistão para o seu lado. O Paquistão, país vizinho,
está sendo acusado de supostamente apoiar o Talibã. A Arábia Saudita estaria
envolvida, assim como outros estados. Mas o envolvimento de ‘outros países’ não
é algo novo. Tem sido sempre um fator que deve ser levado em conta desde 2001.
Ficou evidente que o planejamento político não foi bem feito.
Uma decisão sobre o Afeganistão tem sido constantemente adiada, com o
presidente ainda pensando sobre as opções corretas. De acordo com o jornal The New York Times Donald
Trump estaria insatisfeito com as opções militares, dado que estariam
desenvolvendo planos para extrair os recursos minerais do país como uma
justificativa para lá permanecer. O Secretário de Defesa dos EUA recebeu
autoridade para mandar certo número de tropas para o Afeganistão, mas necessita
de uma estratégia presidencial ante de tomar quaisquer decisões. O general do
exército John Nicholson, comandante das forças dos Estados Unidos no
Afeganistão pediu mais tropas já em fevereiro.
Os comandantes militares no terreno receberam autorização ampla para
tomar decisões cruciais. Até agora, esta liberdade de ação não resultou em
quaisquer ganhos, apesar da tentativa de intimidação do Talibã com a “mãe de
todas as bombas” ou Massive Ordnance Air Blast (MOAB ou “mother of all bombs” -
NT) – a maior arma não nuclear dos EUA, com 21.000 libras de explosivos e que
foi usada em abril na área de Achin, na
província de Nangarhar, na fronteira do país com o Paquistão.
O presidente Trump chegou a dizer que estava considerando a opção de
despedir o General do Exército John Nicholson, comandante das forças
(norte)americanas no Afeganistão. Livrar-se de um veterano altamente respeitado
com 35 anos de experiência dificilmente ajudaria. Nicholson assumiu o comando
há mais de um ano. O Pentágono alegadamente estaria considerando estender o seu
mandato.
Atualmente, os Estados Unidos têm um total de 8.400 tropas no Afeganistão.
A missão internacional “Apoio Decisivo” (Resolute Support, em inglês – NT) têm
um total de 15.000 soldados. Laurel Miller, um experiente especialista da RAND
Corporation e antigo alto funcionário do Departamento de Estado, responsável
pelo Afeganistão e Paquistão de 2013 a 2017, acredita que uma vitória
militar não será alcançada e que a única esperança é a diplomacia. Mas há pessoas
que pensam de outro modo.
Reportagens da imprensa dão conta que o presidente
teria contratado empresas privadas para as tarefas do dia-a-dia de aconselhar
as exaustas forças de segurança afegãs. Erik Prince, fundador da empresa de
segurança privada Blackwater Worldwide, está solicitando a tarefa de substituir as tropas dos Estados Unidos no Afeganistão com
companhias militares privadas (PMCs – Private Militarys Companies – NT). A
idéia de Prince não é nova – a primeira vez que ele expôs o plano foi em um artigo no Wall
Street Journal em maio, pedindo para que os Estados
Unidos delegasse a tomada de decisões a uma espécie de “Vice-Rei” e os esforços
militares para contratados privados, que poderiam permanecer no Afeganistão por
tempo indeterminado.
Eric Prince afirma que a empresa Companhia das Índias Orientais, que
desempenhou um papel crucial na colonização Britânica da Índia é um bom
exemplo. De acordo com ele, terceirizar o Afeganistão para empresas de
segurança privadas, economizará para os EUA uma soma considerável de dinheiro –
de 45 bilhões para 10 bilhões.
Conforme o jornal The New York Times, Prince e a DynCorp
International, de propriedade de Stephen Feinberg, tiveram entendimentos com a
Casa Branca sobre o uso de contratos privados com as empresas ao invés de
colocação de tropas no Afeganistão. Steve Bannon, um dos principais
conselheiros de Trump apoia a ideia. As transgressões e crimes de guerra de empresas privadas de mercenários no Iraque parecem já ter sido
esquecidas.
Obviamente, mandar empresas privadas de mercenários ao invés de um
exército regular pode ser apresentada como uma ideia saída diretamente da mente
empresarial do presidente Trump. Como resultado, o dinheiro passaria a ser
entregue aos mercenários. Claro que também parece um gesto de desespero. Mas
como se diz, quem está se afogando não escolhe a tábua à qual se agarra.
O presidente russo Vladimir Putin tem demonstrado sua preocupação sobre a situação no Afeganistão e pediu para que sejam tomadas atitudes
imediatas para a solução do problema. A instabilidade no país se espalha para a
Ásia Central e representa uma ameaça direta para a segurança da Rússia. Mais ou
menos 2.000 militantes que operam nas províncias ao norte do Afeganistão vêm de
países do espaço pós União Soviética. Lutadores com experiência de combate
recebida na Síria já foram encontrados no Vale Fergana, do Uzbequistão. A
infiltração de militantes do Estado Islâmico ameaça o norte do Cáucaso Russo e
a região do Rio Volga.
Toda a situação demonstra que a Ásia Central e a Rússia estão enfrentando
um problema sério, agravado pela ausência de interação entre os Estados Unidos
e a Rússia. Formalmente, as empresas privadas de mercenários não estão sob
controle do governo dos EUA, e atuam seguindo regras próprias. Não existem
canais de comunicação entre o governo russo e as Companhias Militares Privadas.
Dificilmente se pode imaginar a Rússia ou outro ator de peso na região mantendo
contato com qualquer tipo de “Vice-Rei”.
A Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO na sigla em inglês
– NT), que inclui o Afeganistão, o qual tem status de observador na aliança,
pode tomar medidas adicionais para fortalecer as fronteiras. As conversações
podem ser organizadas para incluir a Rússia, Afeganistão, China, Irã, Índia e
Paquistão. A Rússia e a China estão trabalhando para expandir a estrutura
regional contra o terrorismo da Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na
sigla em inglês – NT) até o Afeganistão, trazendo para a questão todos os
países da região e membros da SCO.
A SCO já tinha estabelecido um banco de dados dos grupos terroristas,
enquanto, sob a supervisão da Rússia, todos os países da Ásia Central
concordaram em formular uma lista única de grupos terroristas, arquivados na
plataforma e sob cuidados da CSTO, que é tida como organização irmã da SCO.
Ambas as organizações estão trabalhando para impedir a infiltração de
terroristas da Síria e do Afeganistão para Xinjiang, o Tajiquistão, o Paquistão
e outros países regionais. A Rússia como membro pleno da CSTO, e os Estados
Unidos, poderiam fazer muito conjuntamente. A organização (com a liderança da
Rússia) propôs cooperar com a OTAN no Afeganistão.
Em abril, a Rússia organizou conversações sobre o Afeganistão,
destinadas a encorajar o Talibã a negociar com o governo em Cabul. Onze países
tomaram parte da conferência em Moscou, incluindo o Afeganistão, China, Irã,
Paquistão e Índia. Países do antigo espaço soviético da Ásia Central foram
convidados a participar pela primeira vez. Mas os Estados Unidos rejeitaram o convite.
O Afeganistão é um problema internacional incendiário que apenas um
esforço internacional pode resolver. Trata-se de assunto de interesse recíproco
para Estados Unidos e Rússia. A guerra no país e sua sequência provavelmente
terão consequência no longo prazo para as duas nações.
É realmente uma pena que sob tais circunstâncias não haja diálogo entre
Estados Unidos e Rússia sobre a situação do Afeganistão. É verdade que o
relacionamento bilateral está em baixa, mas existem zonas de pacificação na
Síria que foram discutidas, com acordos firmados. Não importa se os contatos
acontecem apenas nos bastidores ou abertamente. O Afeganistão é assunto de
interesse mútuo que deveria unir e não dividir os dois países. Moscou tem
tentado iniciar um diálogo, mas os Estados Unidos se recusam. Washington parece
acreditar que fugir de suas responsabilidades e terceirizar o Afeganistão para
soldados da fortuna é melhor que cooperar com outros atores importantes em um
esforço internacional para encontrar uma maneira de encontrar uma saída para a
situação.
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