Num importante comunicado à
imprensa em Manila, ontem, 2ª-feira, o secretário de Estado dos EUA Rex
Tillerson falou sobre a revisão do caso Afeganistão que está sendo feita pelo
governo Trump, e sugeriu fortemente que os ventos podem estar soprando a favor
de pôr fim àquela guerra que já chega aos 16 anos. Disse Tillerson:
· "Já tivemos até agora
três sessões no Conselho de Segurança Nacional explorando várias opções. E
quando digo "várias", digo todo o quadro, a paisagem completa... Acho
que isso reflete as deliberações que queremos levar a cabo. O presidente fez
perguntas que me parecem muito focadas e são boas perguntas. São as perguntas
certas que temos de responder, e talvez sejam questões que, no passado, ninguém
se interessou por levantar.
· Quanto às perguntas – as
pergunta que nos fez, queremos dar-lhe boas respostas, completas, e análises
completas que acompanhem as respostas, uma visão realista de como provavelmente
será o futuro.
· E acho que queremos
analisar pelo tempo que nos pareça necessário, uma análise completamente
integrada, da Comunidade de Inteligência aos planejadores militares e aos
canais diplomáticos, de como isso se desdobra e para onde vai a coisa. Uma
coisa é dizer vamos continuar a luta porque estamos – porque não há
alternativa. Sempre há outras possibilidades.
· Assim, o presidente nos
pediu para explorar tudo, e acho que o fato de estarmos trabalhando sem
correria, para tentar chegar a uma solução realista é – ter visão clara de com
o que estamos lidando em campo, e sempre muito honestos conosco mesmos sobre
expectativas de futuro, acho que é – que atende também ao interesse do povo
norte-americano. É área muito, muito – vocês sabem – muito dura, 16 anos, 17
anos que estamos lá. Dizer que vamos seguir fazendo o que fizemos até aqui, o
presidente não quererá aceitar isso, por isso nos fez essas perguntas duras, e
o Conselho de Segurança está trabalhando diligentemente as melhores respostas
possíveis.
A declaração de Tillerson sugere que o presidente Trump não está satisfeito com o discurso banal, estreitamente focado no nível da tropa norte-americana. Contudo, considerando que todas as estratégias imagináveis já foram defendidas e tentadas na guerra afegã pelos governos anteriores de George W. Bush e Barack Obama – indo de "avançada" a Contrainsurgência e à retirada dos soldados – parece que Trump está fazendo as perguntas básicas.
As "perguntas duras" de Trump parecem visar itens específicos (não generalidades). Coisas como: Há quanto tempo os militares norte-americanos permanecem no Afeganistão? Podemos ganhar essa guerra? Como os EUA podemos lutar alguma guerra tendo por aliado um governo afegão local inapelavelmente fracassado? O que temos sobre o lado civil da política e da governança? A guerra é ou não é completo desperdício de muitos recursos – da ordem de $45-50 bilhões de dólares por ano? Há alguma chance razoável de sair dessa guerra com algum tipo de acordo com o estado afegão? Há probabilidade crível de algum resultado duradouro, estável, que justifique o custo da guerra? Afinal, feitas todas as análises, vale a pena permanecer lá?
Agora, isso tudo mete o Pentágono e a CIA num aperto realmente considerável. Uma coisa posso garantir com absoluta certeza sobre militares e agências de espiões pelo mundo é que são ótimos em 'passar o mico'. Se há coisa que não fazem é assumir responsabilidades por alguma derrota. Trump, claro, é macaco velho. Assim sendo, estará o presidente preparando o terreno para terceirizar a guerra afegã para forças militares mercenárias – ideia que conta com apoiadores poderosos na Casa Branca – o genro Jared Kushner e o estrategista chefe Steve Bannon?
Na 2ª-feira, o Financial
Times trouxe matéria fascinante
sobre um documento ao qual o jornal teve acesso, datado de agosto de 2017. Diz
que Erik Prince, o mercador da morte no Iraque,[1] entregou o tal documento à
Casa Branca, no qual detalha como, ao custo muito inferior [ao que o país gasta
hoje na guerra afegã] de $10 bilhões ao ano, as forças militares privadas do
próprio Prince podem substituir os militares dos EUA e dar um fim à guerra
afegã.
Erik Prince disse uma vez em entrevista a Breibert News que os EUA deveriam adotar os instrumentos da Companhia das Índias Orientais na Índia e terceirizar a guerra, entregando-a a mercenários que se infiltrariam no exército afegão e na verdade viveriam e combateriam ao lado dos soldados afegãos. Recomendou que Trump nomeasse um "vice-rei" que tomaria conta de todos os interesses dos EUA – da guerra, da agenda mercantilista, dos fundos financeiros, de manter em boa ordem os nativos etc.
O plano de Prince, para dois anos, estima que os mercenários receberiam $500-$600 por dia; que devem ser recrutados nos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Suécia, África do Sul e Austrália (por sorte, os BRICSs nos livramos dessa![2]).
Trump já mandou Mike Pompeo, chefe da CIA, para o Afeganistão semana passada para avaliar a estratégia dos EUA e avaliar como a proposta de Prince poderia encaixar-se. Prince, ele próprio ex-SEAL, é figura muito influente. A irmã dele (empresária bilionária Betsy De Vos) é Secretária de Educação no gabinete Trump.
[1] Ver "Erik Prince:
Empresário, soldado, espião", Adam Ciralsky, Vanity Fair, jan. 2010, em Viomundo [NTs].
[2] O Brasil conheceu a
Companhia das Índias Ocidentais, "cuja maior realização em toda sua
história foi a conquista temporária de parte do Brasil de 1630 a 1654, o Brasil
Holandês, que passou a ser conhecido como Nova Holanda (...) A empresa não foi
criada com objetivo exclusivamente comercial. Foi um instrumento da política
exterior holandesa para conquistar colônias portuguesas e espanholas nas
Américas e na África Ocidental" (A Companhia das Índias Ocidentais:
Uma Sociedade Anônima?, 2010, Roberto Chacon de Albuquerque,
PDF)[NTs].
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