Pulando dentro do “fogo
e fúria”
texto por Jonathan
Marshall, tradução de btpsilveira
Agosto de 2017 "Information Clearing House" – “Esteja preparado. Há uma pequena chance de que nossa
governança horrível possa inconscientemente nos levar a uma Terceira Guerra
Mundial” – Donald Trump, 31 de agosto de 2013
Agindo igualzinho um diretor demoníaco de
Hollywood, o presidente Donald Trump continua a nos fazer pular da cadeira,
mesmo quando já pensávamos que tínhamos visto tudo. Na terça feira, ele se
superou por duas vezes ao prometer que a Coreia do Norte, se continuar a
ameaçar os Estados Unidos, se encontraria “com fogo e fúria como o mundo jamais
viu”.
Estes comentários sensacionalistas foram incendiários
o suficiente para que os funcionários da Casa Branca corressem a assegurar aos
repórteres (e à população em geral) que o presidente estava apenas improvisando
e não falando a partir de um script oficial e aprovado. O Secretário de Estado
Rex Tillerson insistiu que o presidente simplesmente quis dizer que “os Estados
Unidos têm a capacidade total de se defender de qualquer ataque... Assim, os
(norte)americanos podem dormir tranquilos esta noite.”
Porem as pessoas em casa e ao redor do mundo
ficaram incomodadas, embora ainda não alarmadas, a julgar pela queda modesta no
preço das ações, seja nos Estados Unidos, seja nas bolsas do exterior. A Coreia
do Norte respondeu às ameaças de Trump ao afirmar que vaporizaria Guam antes
mesmo da guerra começar. Até agora, os líderes dos dois países, como dois
adolescentes brigões de pátio de colégio, parecem contentes apenas com despejar
retórica agressiva através dos oceanos, e não mísseis completamente armados.
Levando em conta a longa história de Trump na arte praticar
(e dizer) besteiras inominadas, é fácil dar um desconto à sua arrogância
Talvez, com essas ameaças, esteja apenas querendo deixar a liderança chinesa
nervosa quanto à suas reais intenções, assim, tenta controlar Pyongyang com um
pouco mais de força. Com certeza ele entende o quão devastadora poderia ser uma
guerra contra a Coreia do Norte, certo?
Não tenho tanta certeza. O que me mantém cada vez
mais acordado à noite são as incontroversas declarações de um dos líderes do
Partido Republicano e porta voz de sua política externa, senador Lindsey
Graham, da Carolina do Sul, que afirma que Trump está pronto e desejoso de lançar
uma guerra preventiva “se (a Coreia do Norte tentar) continuar a desenvolver um
ICBM com uma arma nuclear que possa atingir o território (dos Estados Unidos).”
A Coreia do Norte ainda não é capaz de fazer isso,
mas alguns funcionários da inteligência dos EUA afirmam que Pyongyang já
conseguiu produzir uma arma nuclear miniaturizada adequada para ser levada por
míssil, e que está acelerando seus testes de mísseis de longo alcance, o que significaria
que o tempo está trabalhando em favor do regime de Kim Jong-un, que logo será
capaz de colocar em risco os Estados Unidos.
Senadores durões
No início da administração Trump, o influente
senador republicano foi até o presidente com uma mensagem poderosa. Graham perguntou
a Trump: “você gostaria que constasse de seu currículo que foi durante a sua
presidência que a Coreia do Norte desenvolveu um míssil que pode atingir os
Estados Unidos com uma bomba nuclear no topo?” Segundo Graham, Trump teria
respondido: “absolutamente não”.
Graham teria então aconselhado Trump de que, se
tudo o mais falhasse, ele deveria ordenar um ataque militar. Como colocou
Graham “Isso seria terrível, mas a guerra aconteceria lá, não aqui. Seria muito
ruim para a Península Coreana. Seria muito ruim para a China. Seria péssimo
para o Japão e para a Coreia do Sul. Poderia ser o fim da Coreia do Norte. Mas
o que não pode ser permitido é que os Estados Unidos possam ser atingidos e a
única maneira pela qual isso poderia ser realizado é com um míssil.”
Falando para o show “NBC Today” neste mês, Graham
reiterou que Trump não está blefando sobre a preparação para um ataque total
contra o programa nuclear da Coreia do Norte. “Ele me disse isso e eu acredito
nele”, disse Graham. “Se for para acontecer uma guerra para deter [Kim Jong-un],
ela acontecerá lá. Se milhares morrerem, eles morrerão lá. Não aqui”. E ele disse
isso na minha cara, afirmou Graham.
O presidente do Comitê do Senado para as Forças
Armadas, John McCain, Republicano pelo Arizona, estava com Graham nesse
encontro privado com Trump em Abril, e não contesta a descrição que seu colega
faz da conversa. Ele apenas acrescentou que um ataque preventivo deve ser a “última”
opção.
Trump nada tem feito para chamar a atenção de
Graham sobre a questão. Na verdade, um de seus primeiros tweets de 2017 foi uma
declaração polêmica: “a Coreia do Norte acabou de afirmar que estaria nos
estágios finais do desenvolvimento de uma arma nuclear capaz de atingir partes
dos Estados Unidos. Isso não vai acontecer!” O assessor para a segurança
nacional de Trump, H. R. McMaster confirmou neste mês que permitir que a Coreia
do Norte possa adquirir capacidade funcional de ICBMs capazes de entregar armas
nucleares poderia ser “intolerável, do ponto de vista do presidente”.
A doutrina Trump/Graham lembra as justificativas da
administração George W. Bush para a guerra preventiva contra o Iraque em 2003 –
com a diferença crucial de que as armas de destruição em massa da Coreia do
Norte são reais, não míticas. Contrariando toda a evidência, Trump parece
acreditar que o imenso arsenal nuclear dos Estados Unidos é insuficiente para
impedir a Coreia do Norte de atacar os Estados Unidos ou seus aliados
.
Os temores da Coreia do Norte
A liderança da Coreia do Norte tem afirmado constante
e consistentemente que quer e precisa de armas nucleares apenas para dissuadir os
Estados Unidos de atacar, não para começar uma guerra contra uma potência
mundial. A maioria dos especialistas em Coreia do Norte concorda. O antigo Secretário
de Defesa William Perry, que na verdade negociou com o predecessor de Kim em
2000, afirma que embora os riscos de uma guerra acidentalmente provocada tenham
aumentado, a Coreia do Norte não tem a intenção de lançar um ataque nuclear de
surpresa:
“Tenho
estudado a Coreia do Norte por várias décadas e tive conversações sérias com
muitos líderes políticos e militares... Eles não são loucos, como algumas
pessoas acreditam. O país é um estado pária e quase sozinho no mundo, mas há
lógica nas ações de sua liderança. Fundamental nessa lógica é o compromisso
prioritário em manter o regime no poder, para sustentar a dinastia Kim... e
eles entendem que se lançarem um ataque nuclear, seu país será destruído e...
junto com ele, a dinastia Kim.”
Os especialistas rejeitam a presunção de Trump/Graham
de que uma guerra preventiva com a Coreia do Norte poderia ser meramente “ruim”,
mas controlável. Pyongyang tem milhares de peças de artilharia dirigidas contra
Seul, centenas de lançadores de foguetes, grandes estoques de armas químicas
mortais, e pelo menos 60 bombas nucleares, que podem tornar grande parte da
Coreia do Sul e do Japão inabitáveis, além de abalar a economia mundial.
O alerta sombrio do Secretário de Defesa James
Mattis de que qualquer conflito com a Coreia do Norte poderia ser “provavelmente
o pior tipo de luta da vida da maioria das pessoas”, pode ser encarado como um
eufemismo com certeza. Como já discutido antes, mesmo sem ICBMs que funcionem,
o regime de Kim já tem a capacidade de destruir as maiores cidades costeiras
dos Estados Unidos, simplesmente colocando em nossas praias bombas nucleares
flutuantes escondidas em navios transportadores de containers.
As visões do presidente Trump sobre uma guerra preventiva
são rejeitadas não apenas pelos especialistas, mas também pela grande maioria
dos (norte)americanos. Pouco menos de um terço dos cidadãos adultos acreditam
que a situação na Coreia do Norte requeira uma resposta militar, de acordo com
pesquisa realizada pela CBS, e 61% estão desconfiados, com razão, da capacidade
de Trump em lidar com a situação.
Ocorre que o que pensam os especialistas e a
maioria dos cidadãos dos EUA não importa. O exército dos Estados Unidos
indubitavelmente está pronto para obedecer à ordem de seu Comandante-em-Chefe
para atacar a Coreia do Norte. Realiza treinamento massivo todo ano justamente
para essa eventualidade. Além disso, o comandante da Frota dos EUA no Pacífico,
almirante Scott Swift respondeu com um inequívoco “sim”, quando perguntado se
seguiria uma ordem dada pelo presidente Trump para lançar um ataque nuclear
contra a China, um país muito mais perigoso que a Coreia do Norte.
Muito bem. Dadas as circunstâncias, como poderia
alguém dormir realmente tranquilo? Lá no fundo, suspeito que Trump não teria
escrúpulos em começar uma guerra desnecessária que iria matar milhões de
pessoas. Por outro lado, mantenho a fé de que o presidente da Coreia do Sul,
Moon Jae-in, antigo advogado militante de direitos humanos, se recusará a
cooperar com um ataque preventivo, fazendo que seja mais difícil de ser lançado
apenas pelos EUA. Espero e rezo para estar certo.
http://www.informationclearinghouse.info/
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