Potências árabes precisam do Egito para
lutar suas guerras na Líbia
Embora o Egito tenha suas próprias
razões para intervir na Líbia, parece que as atuais dinâmicas das últimas decisões
do país do Norte da África de mandar seu exército para a Líbia vai além dos
parâmetros tradicionais do “interesse nacional”. O Egito, de muitas maneiras,
está agindo como Estado cliente de potências árabes, algumas delas envolvidas
em outra guerra sangrenta no Iêmen onde estão atoladas há muito tempo. Desde
que não tem a estamina nem a capacidade de fazer mais uma intervenção direta, o
Egito, que confia cada vez mais no apoio dos sauditas e dos emirados desde o
golpe militar, tornou-se a escolha natural.
Acontece que quando o governo eleito
do Egito foi derrubado em 2013, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita correram para providenciar para providenciar três bilhões
de dólares e cinco bilhões de dólares respectivamente, para “apoiar” a economia
fragilizada do país. Na verdade, os países do Golfo tem apoiado o Egito com
cerca de 92 bilhões de dólares desde os conflitos que levaram ao fim do regime
Mubarak. Assim, os grandes doadores do Golfo foram a Arábia Saudita e os
Emirados Árabes Unidos. Entretanto, para o regime egípcio de al-Sisi, parece
que chegou a hora de pagar a conta.
Relatos na mídia árabe sugerem que as potências do Golfo “persuadiram” o Egito a
intervir na Líbia para reforçar o apoio a Khalifa Haftar, que está em retirada,
o que significa que o exército egípcio, mesmo não treinado para lutar guerras
externas, não terá direito de opinião sobre a forma como as coisas se
desenrolarão no terreno. Tal como está delineada a situação, os Estados do
Golfo em geral e os Emirados em particular, já conseguiram, conforme relatos da
imprensa árabe, “tomar conta” do establishment do exército egípcio. Não só seus
líderes comparecem às paradas militares, como testemunham a abertura de campos
de combate, mas também intermediam e financiam a compra de armas para o exército
do Egito.
Consequentemente, os Emirados
coordenaram a compra de jatos Rafale pelo Egito em 2015/16. Não há outro meio
pelo qual o Egito, com a economia em farrapos, pudesse sequer fechar um acordo
para fazer uma compra de seis bilhões de dólares com a França. Os estados do
Golfo, entre eles Emirados, Arábia Saudita e Kuwait, injetaram 19.5 bilhões de dólares no Banco Central do
Egito.
Isso explica como e porque, apesar da
situação econômica complicada, o Egito do Sisi tem arrematado armas importadas
como nunca antes. De acordo com o SIPRI (Stockholm
International Peace Research Institute – Sediada em Estocolmo é uma instituição
de pesquisa de conflitos e ajuda para promover a paz no mundo – NT), as
importações de armas pelo Cairo triplicaram entre 2015/19, fazendo-o o terceiro
maior importador de armas do mundo.
Além disso, muito do investimento
feito pelos Emirados Árabes Unidos no Egito, acontece através de companhias
operadas pelo exército egípcio. Da mesma forma, a ajuda que chegou ao Egito na
sequência do golpe, também veio através do exército e suas companhias. Estas
tendem sempre a subcontratar seus maiores projetos para o setor privado. Nesse
ambiente, a subcontratação fica menos provável de ser questionada
posteriormente do que os grandes projetos do setor privado.
Foi dessa forma que os Emirados
reforçaram o controle sobre o exército egípcio nos últimos anos. Agora, estão
usando esse controle para “convencer” o exército a intervir na Líbia,
oferecendo, em adição à ajuda usual, servir como mediador na controvérsia em
andamento com a Etiópia sobre a represa no Nilo Azul.
A Turquia também é alvo
A razão pela qual os poderosos países
do Golfo estão forçando a entrada do exército do Egito na Líbia não é apenas o poder
crescente do GNA (Government of National
Accord - Governo do Acordo Nacional – NT), mas o apoio crescente que recebe
ultimamente da Turquia. De fato, para sauditas e emirados, com sua experiência
e capacidade de intervir o exército turco representa uma ameaça direta para
suas próprias ambições de hegemonia. Por isso, para lutar contra o exército
turco, os estados do Golfo estão ansiosamente enviando seu exército (cliente)
mais forte, o do Egito.
Com o passar dos anos, os Emirados e
a Arábia Saudita entenderam que a Turquia representa para eles ameaça maior que
o Irã. Na realidade, autoridades israelenses estão alertando os líderes do
Golfo sobre a importância de confrontar a Turquia e suas ambições “neo-Otomanas”. Embora ainda não tenham entrado em
conflito direto, com a intervenção turca em andamento na Líbia e a iminente
entrada do Egito no campo de batalha por conta dos Emirados e da Arábia
Saudita, será a primeira vez que os estados do Golfo lutarão uma guerra (por
procuração) contra a Turquia. Na verdade, a luta já começou. Quando aviões de
combate não identificados atacaram baterias de defesa aérea na recém recapturada base
aérea líbia de Al-Watiya, Abdulkhaleq Abdulla, um conselheiro da corte real dos
Emirados tuitou: “em nome de todos os árabes, os Emirados Árabes Unidos
ensinaram uma lição aos turcos”. Mesmo tendo mais tarde apagado o tweet,
relatos demonstram que os aviões atacantes eram mais provavelmente jatos Rafale
do Egito – aviões que os Emirados ajudaram o Egito a comprar.
Determinados a impedir a Turquia de
obter um espaço de manobra na Líbia para realizar suas ambições, os Emirados e
a Arábia Saudita foram os primeiros países a apoiar a “decisão egípcia” de
intervir diretamente na Líbia.
Fica evidente que com os Emirados
exercendo controle quase total sobre o regime e o exército do Egito, nada mais
longe da verdade que o fato de que o Egito estaria para travar uma guerra na
Líbia para proteger “suas fronteiras e seu povo”. No grande tabuleiro do xadrez
geopolítico o Egito não passa de um peão que os jogadores sentados em seus
palácios no Golfo moverão a seguir.
Salman Rafi Sheikh é analista/pesquisador
de relações internacionais.
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