Estados Unidos intensifica guerra com drones assassinos e parece que ninguém se importa

 

Não há evidência de que isso tenha reforçado a segurança de quem quer que seja no Chifre da África ou nos EUA.


Junho De 2020 – texto de Daniel Larison, no site “The American Conservative” – tradução de btpsilveira

A guerra com drones promovida pelos EUA torna-se cada vez mais destrutiva e ao mesmo tempo menos transparente.

A administração Trump tem aumentado significativamente o ritmo dos ataques com drones em uma série de países, relaxando ao mesmo tempo as regras que determinam os alvos destes ataques. O resultado tem sido um aumento no número de mortes de civis, responsabilizando-se cada vez menos e sem oferecer qualquer tipo de compensação para os civis inocentes apanhados no meio dessas guerras intermináveis.
Os Estados Unidos restringem a informação à disposição do público sobre esses ataques o que por sua vez assegura que há pouca verificação pública ou críticas a essa campanha militar em aberto. Tornando as coisas ainda piores, os ataques adicionais parecem ter surtido pouco efeito na redução das atividades da Al-Shabaab (Harakat al-Shabab al-Mujahideen, "Movimento do Jovem Guerreiro" – grupo terrorista fundamentalista muçulmano da Somália – NT). Em vez disso, surge a ameaça de que esse grupo se tornou mais forte e numeroso que antes.
A guerra com drones é apenas uma parte dessa campanha, e exemplifica o que está errado com a “guerra ao terror” em andamento. Como outras guerras que herdou, o presidente Trump a intensificou significantemente. Até o final de 2019 e desde que assumiu a Casa Branca, houve 148 ataques lançados pelos EUA na Somália. Apenas na primeira metade de 2020, já houve mais ataques com drones na Somália (40) do que aconteceu entre 2007 e 2016. Em menos de três anos e meio, Trump mais que quadruplicou o número de ataques na Somália do que os que foram ordenados por seus predecessores,


Embora tenha aumentado muito o número de mortes entre civis, não há evidência de que esse reforço nos ataques tenha melhorado a segurança de quem quer que seja no Chifre da África ou nos EUA. Como muito bem colocado por Elizabeth Shackelford em artigo recente publicado no site Responsible Statecraft, “aqui, como em outros locais, não temos nenhuma evidência de que o aumento da atividade de contraterrorismo não tenha de fato significado o efeito oposto. Mas no clima atual da corrente dominante na política externa nos Estados Unidos, ir em frente com nosso exército é quase questão de reflexo. Então, ir em frente é o que fazemos”.


Alguns alvos desses ataques foram civis, matando e mutilando pessoas inocentes em suas casas e veículos enquanto se dirigiam para seus negócios. As vítimas desses ataques não tem ligação com a Al-Shabaab. O AFRICOM (Comando dos Estados Unidos para a África – NT) (norte)americano não reconhece essas mortes de civis e não investiga seriamente tais ataques. De acordo com um novo relato do Observatório dos Direitos Humanos, não há qualquer esforço para reparar os erros cometidos contra os civis somalis. O diretor do ODH no Chifre da África, Laetitia Bader critica o AFRICOM por esse motivo: “O AFRICOM parece determinado a não revelar se os ataques mataram civis ou violaram leis da guerra. A cadeia de comando do exército deveria reconhecer que não apenas pode mas tem o dever de investigar, e que a mais básica regra de decência para com as famílias das vítimas obriga a assistência financeira e pelo menos um pedido de desculpas, não o silêncio”.

Em pelo menos dois desses ataques, os Estados Unidos parece ter desfechado ataques ilegais que resultaram na morte de sete pessoas e ferimentos em outras três. O ataque aéreo contra um mini ônibus perto de Janaale em março foi responsável pela morte de seis pessoas, entre as quais uma criança. O AFRICOM afirmou que o ataque matou cinco “terroristas”, mas as investigações movidas pelo Observatório dos Direitos Humanos não encontrou qualquer evidência de que essas infortunadas pessoas fossem mais que viajantes sem sorte a caminho de Mogadíscio. Mahad Dhoore, membro local do parlamento manifestou-se contra a afirmação de que as vítimas eram terroristas: “eles mataram civis. Não estão dizendo a verdade quando afirmam terem eliminado terroristas. Estas pessoas eram meus eleitores”, disse Mahad à Al Jazeera.
Os civis estão pagando um preço altíssimo. De um lado, estão sendo maltratados pela Al-Shabaab. De outro, estão sendo mortos pelos drones (norte)americanos” concluiu.


O filho de uma das vítimas do ataque falou ao PRI (www.pri.org) sobre seu pai: “deixe-me dizer a vocês, Al-Shabaab é o mal”, disse Waadhoor. “Mas vocês não podem matar gente inocente. Um homem de 70 anos de idade, incapacitado e que nunca fez nada de errado em toda a sua vida”.

A corrida para classificar as vítimas desse ataque como “terroristas” é uma tentativa inaceitável de fugir da responsabilidade e reflete nada mais nada menos que a falta de cuidado com que esses ataques são lançados. Atingir um mini ônibus cheio de civis é mais que um mero erro. É o produto de uma política que despreza a importância da vida dos civis somalis.
A jornalista e analista Kelsey Atherton também comentou sobre o ataque em um artigo no início do ano: “o ataque aéreo de Janaale mostra a guerra dos drones no microcosmo. Se há alguma transparência, é voluntária, não obrigatória. A pesquisa pelos danos causados a civis é feita – a princípio – por pessoas de fora do governo. E como as notícias mais dramáticas, pelo menos na administração Trump, são na maior parte escondidas do escrutínio público o que resta é o remanescente de uma política terrível que deixa atrás de si um rastro de cadáveres e corpos mutilados em seu caminho pelo mundo inteiro.”

O AFRICOM tem minimizado sempre o número de civis mortos pelas ações militares dos Estados Unidos em sua área de responsabilidade. De acordo com o monitoramento efetuado pelo grupo independente Airwars, o número de civis mortos nos ataques dos Estados Unidos é maior que o exército parece disposto a admitir. Conforme relatado por Nick Turse sobre a contagem abaixo da realidade dos exército neste ano: “no total, o grupo que monitora a situação descobriu que nestes 31 casos, entre 71 e 139 civis foram mortos, um número bem maior que o admitido pelo AFRICOM, que afirma que apenas dois morreram”.

O aumento das mortes na Somália não ocorreu por acidente, decorrendo de um relaxamento nas restrições a esses ataques; No início da presidência Trump, as regras mudaram para permitir maior espaço de manobra quanto à data e onde os ataues com drones poderiam acontecer:
Em março de 2017, o presidente Trump teria designado partes da Somália como “áreas ativas de hostilidade” removendo as regras da era de Obama que exigiam uma alta dose de certeza de que os ataques não feririam ou matariam não combatentes. A Casa Branca se recusa a confirmar ou negar se isso aconteceu, mas o Brigadeiro General reformado, Donald Bolduc, que liderou o Comando de Operações Especiais da África na época, foi mais comunicativo: “houve um relaxamento dramático quanto ao ônus da demonstração de quem seria alvejado e por que”, disse ele ao jornal The Intercept. Essa mudança, acrescentou, levou o AFRICOM a conduzir ataques que anteriormente não aconteceriam.

A administração Trump está levando as ilações equivocadas da “Guerra ao Terror” à sua conclusão lógica. Adotam uma resposta militarizada automática tornando tudo mais violento e descuidado. Intensificaram a guerra com drones na crença que mais ataques significariam menos inimigos, quando se sabe que ocorre o contrário. Quanto mais tempo esta situação durar, tanto mais mini ônibus incinerados cheios de inocentes veremos. A verdade é que a guerra com drones cria mais inimigos do que consegue supostamente destruir. Michael Scott Moore resume um dos principais argumentos do novo livro de Joseba Zulaika, Hellfire from Paradise Ranch, que desmistifica a guerra com drones:

A parte mais convincente de seu livro é o argumento de que os ataques de drones não são cirúrgicos, ao contrário do que pensa a opinião pública – ou sequer eficientes. São descuidados e contraproducentes. Matam civis, que tendem a ver o milagre moderno de mísseis caindo de um céu claro como assassinato, não guerra – e eles criam mais terroristas do que matam, de acordo com os próprios especialistas da época de Obama.

Os ataques com drones tornaram-se uma rotina tão normal como parte de nossa política de guerra eterna que mal são notados nos EUA. A falta de transparência assegura que recebam sempre menos atenção. Os ataques e suas vítimas permanecem invisíveis, e as guerras onde eles são usados na luta permanecem desconhecidas e sem checagem.

Todo esse crescimento das atividades militares acontece sob uma cobertura de autorização para o uso da força que se metamorfoseou em uma licença permanente para matar pessoas do outro lado do mundo à vontade. Tudo acontece sem qualquer responsabilização significativa quando inocentes são mortos e parece não estar conseguindo nada em termos de reduzir a ameaça dos grupos terroristas. Já passou da hora de reconhecer que o contraterrorismo militarizado faz um trabalho excepcionalmente ruim de contenção do terrorismo. As guerras sem fim nada fizeram para tornar quem quer que seja mais seguro, e está matando cada vez mais passantes inocentes. Chegou a hora dos Estados Unidos acabar com essas guerras.



Daniel Larison é editor sênior do site TAC, onde mantém também um blog próprio. Publica nos seguintes jornais: The New York Times Book Review, Dallas Morning News, World Politics Review, Politico Magazine entre outros. É Doutor em história pela Universidade de Chicago e reside em Lancaster, PA.



Comentários

  1. obrigado por reativarem o blog, aqui sempre encontramos textos de qualidade.

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