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Rússia e a China deixam o “dragão no nevoeiro”
Hong Kong permanece ativa como centro da espionagem no Oriente |
Texto de M K Bhadrakumar com tradução de btpsilveira
O presidente chinês Xi Jinping, durante uma conversa ao telefone
com o presidente russo Vladimir Putin, afirmou que Pequim “continuará a
trabalhar” com Moscou “apoiando firmemente” os esforços “para a rejeição da
sabotagem e intervenção externa” bem como para “preservar os direitos à
segurança, soberania e desenvolvimento mútuos e para a salvaguarda dos
interesses compartilhados pelos dois países”.
É a consolidação de um novo padrão na aliança sino/russa, que
surgiu nos últimos meses – apoio mútuo para repelir as operações encobertas das
agências de inteligência acidentais para desestabilizar a situação interna nos
dois países.
Trata-se da quase aliança radicada na parceria econômica
dinâmica – o comércio entre os dois países alcançou $110 bilhões de dólares ano
passado – que teve intensificação da coordenação e cooperação nas arenas de política
externa, na medida em que os dois países juntaram esforços para reforçar seus
sistemas políticos. O interesse de Pequim em divulgar a conversação fala por si
mesmo.
A conversa por telefone entre os dois líderes aconteceu com o
referendo constitucional russo e a lei de segurança em Hong Kong na última
semana como pano de fundo. À primeira vista, há uma metáfora comum nos dois
casos – o “dragão no nevoeiro”, um conceito chinês que retrata um combatente
forte em um espaço incompreensível que pode atacar seus adversários a qualquer
momento e a partir de ângulos inesperados.
A metáfora foi usada recentemente pelo analista político russo
Alexey Chesnakov (que anteriormente servira como conselheiro no Kremlin) para
resumir a quintessência do referendo russo, que traz a noção de que Putin pode
permanecer por mais dois mandatos de seis anos. Segundo Chesnakov, o presidente
Putin “quer permanecer como um “dragão no nevoeiro” até o final de sua presidência”.
Chesnakov explica que a singela perspectiva de Putin permanecer
no poder depois de 2024 mandaria um sinal inequívoco para a comunidade
internacional de que o líder russo está confiante sobre permanecer no comando
de seu país pelo menos pela próxima década.
O mesmo para a legislação aprovada em Hong Kong, que também é o “dragão
no nevoeiro”. A nova lei reforça a unidade nacional e a integridade territorial
chinesa. As quatro categorias criminalísticas da lei são: secessão, subversão do
poderio estatal, atividades terroristas e colusão com entidades estrangeiras ou
forças externas para colocar em risco a segurança nacional. Em resumo, a lei
deixará a inteligência ocidental sempre na dúvida.
O principal argumento dos
especialistas ocidentais é que a nova lei enfraquece os princípios do projeto “um
país, dois sistemas”. Mas o paradoxo aqui é que enquanto os críticos ocidentais
enfatizam a parte “dois sistemas”, Pequim estima que é a parte “um país” que
tem enfraquecido dramaticamente em anos recentes por causa dos conflitos em
Hong Kong.
Para obter harmonia, Pequim tinha duas opções – uso da força
para tirar o conceito de “dois sistemas” de foco ou, alternativamente, fortalecer
a parte “um país” através do reforço dos fundamentos da segurança. Depois de
muita deliberação, o último foi escolhido.
O cerne da questão é que Pequim quer manter Hong Kong como
centro financeiro da Ásia, enquanto ao mesmo tempo quer fortalecer a
estabilidade e segurança da cidade. É claro que faz parte do quadro a
interferência de agências de inteligência estrangeiras – principalmente britânicas,
australianas e (norte)americanas – para atiçar os protestos em Hong Kong.
Hong Kong tem uma longa história de servir como base de campo
para agências de inteligência ocidentais na região da Ásia/Pacífico. Muito se
tem escrito sobre as operações encobertas dessas agências a partir de Hong Kong
antes, durante e depois dos protestos de 1989 na Praça Tiananmen na China.
No caso da Rússia, as
atividades de inteligência acidentais estão mostrando sinais de que fazem
grande pressão para um cenário sem Putin no Kremlin. O ocidente calcula que em se
estabelecendo que Putin deixará o poder em 2024, tornar-se-á rapidamente um “pato
manco”. Como em Hong Kong, a inteligência ocidental desenvolveu redes de
espionagem dentro da Rússia através da qual é possível alimentar conflitos caso
às incertezas políticas se acrescentem queixas sociais e econômicas. A contra
inteligência russa está bem ciente do perigo.
Putin driblou o plano ocidental para desestabilizar a Rússia. A
emenda constitucional lhe permite, caso queira, exercer mais dois mandatos de
seis anos e ele pretende deixar que todos fiquem em dúvida. Manter seus
adversários em dúvida também é o objetivo que a lei chinesa de segurança espera
alcançar.
Daqui em diante, Pequim mantém a inteligência ocidental em
operação na cidade fica sob observação direta. Para as agências australiana,
britânica e (norte)americana, ficará cada vez mais difícil e arriscado realizar
operações encobertas tais como recrutar agentes locais, planejar e montar
operações dentro da China e incitar conflitos em Hong Kong para enfraquecer a
China. Interessante notar que Xi Jinping usou a expressão “intervenção e
sabotagem externa” na sua conversação telefônica de hoje com Putin.
Pequim e Moscou expressam
grande apoio mútuo para cada movimento de parte a parte para fortalecer a
segurança nacional. Zhao Lijian, porta voz do ministro chinês de relações
externas disse em 02 de junho:
“Percebemos que o
referendo nacional das emendas constitucionais, grande evento do calendário
político na Rússia, decorre sem problemas. A escolha do povo russo se reflete
nos resultados relatados pela Comissão Central de Eleições. Como país vizinho e
parceiro estratégico abrangente da Rússia para a coordenação de uma nova era, a
China sempre respeitará o caminho de desenvolvimento escolhido
independentemente pela população russa e apoiará os esforços da Rússia para concretizar
e promover desenvolvimento socioeconômico.”
“Permanecemos prontos para trabalhar em conjunto com o lado
russo para agir de acordo com o consenso alcançado por nossos líderes,
aprofundar a coordenação estratégica geral e a cooperação em benefício mútuo em
várias áreas, na busca de alcançar grandes benefícios para nossos povos”.
No mesmo dia, a porta voz
do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova disse em
Moscou: “Notamos a entrada em vigor da lei relacionada à segurança nacional na
Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China em 01
de julho de 2020 por decisão do Comitê Permanente do Congresso Nacional Popular
da China.”
“Nesse contexto,
gostaríamos de reafirmar que a posição de princípio russa sobre a situação em
Hong Kong permanece a mesma. Respeitamos a soberania e integridade territorial
da República Popular da China e consideramos todos os assuntos referentes a
Hong Kong como assuntos domésticos do país. Somos contra qualquer tentativa de
interferência por forças externas nas relações entre o governo central da RPC e
a Região Administrativa Especial de Hong Kong”.
A cooperação entre as agências de segurança russa e chinesa na
questão de segurança interna funciona bem como resultado de alto nível de
confiança e compreensão mútua.
Significativamente, em 04 de julho o vice-ministro de Relações Externas da
Rússia, Sergei Ryabkov, colocou água fria no convite de presidente Trump a
Putin para comparecer ao encontro do G7 nos Estados Unidos, considerando a
ideia “infrutífera”.
Moscou tem inúmeras
razões legítimas para ficar à distância do convite de Trump, mas a escolhida
por Ryabkov foi reveladora. Ele afirmou que “a ideia de um assim chamado ‘encontro
do G7 estendido’ é inútil, porque não está claro para nós como os autores da
iniciativa pensam em considerar o fator China. Sem esta, torna-se impossível
discutir determinadas questões do mundo moderno”.
Na verdade, Ryabkov
frustrou o movimento de Washington para isolar a China. Os conselheiros de
Trump foram ingênuos ao estimar que Moscou poderia ser atraída para uma
estratégia de contenção contra a China. O que Ryabkov fez foi demonstrar
publicamente o desdém do Kremlin.
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