Com o grande acordo
Irã/China, Trump colhe a tempestade que semeou
Por mais de três anos venho tentando
explicar que a política externa do presidente Trump faz com que alcance
exatamente o oposto do que queria.
Trump, aconselhado por pessoas como
John Bolton, o secretário de estado Mike Pompeo, o primeiro ministro de Israel
Benjamin Netanyahu e o príncipe saudita Mohammed bin Salman (MBS)buscou uma
campanha de pressão máxima contra o Irã na esperança de que o regime ou
desabasse ou buscasse a paz.
Trump foi alertado tanto pelo Premier
chinês Xi Jinping quanto pelo presidente russo Vladimir Putin que os iranianos
prefeririam comer terra antes de submeter-se a ele quanto a armas nucleares,
apoio para o Hezbollah, ao Iraque e ao presidente sírio Bashar al-Assad.
De fato, Trump e Pompeo argumentaram
com o Irã para que desistisse de sua soberania para acalmar os receios de
Netanyahu em Israel, mas os iranianos simplesmente sugeriram que Bibi e Donald
fossem para o inferno.
A cada seis meses mais ou menos,
dependendo da situação em casa, as tensões com o Irã alcançavam um nível mais
alto. Durante as duas últimas semanas uma série de explosões ocorreu em instalações
militares iranianas e todos os indícios apontam na direção de Israel, que
pretenderia assim atingir alvos estratégicos na República Islâmica.
Atarefado com as insurreições
domésticas desfavoráveis a ele, Trump deixou sua política externa em mãos de
Pompeo que começou a achar que poderia colocar o carro na frente dos bois,
tentando estender o embargo de armas contra o Irã nas Nações Unidas e afirmar
ao mesmo tempo que teria o direito de abandonar unilateralmente o acordo JCPOA
(Plano de Ação Conjunta Global – acordo firmado entre Irã e outras nações, relacionado
ao programa nuclear iraniano) sem quaisquer consequências futuras.
Resumindo: Rússia, China e Europa
disseram “não”.
Agora sabemos por quê. China e Irã
acabaram de assinar um acordo estratégico revolucionário para os próximos 25
anos, que cobre tudo, desde venda de petróleo, contratos de licitação e enormes
atualizações para as capacidades antiaéreas do país e para a sua força aérea.
O acordo pairava no ar desde o final
de semana quando o ministro iraniano de Relações Exteriores Javad Zarif
informou parlamentares iranianos sobre o acordo pendente.
De Simon Watkins, no site Oilprice.com via ZeroHedge onde se alegava
que o acordo na realidade estava assinado desde o ano passado:
Um dos
elementos secretos do acordo assinado ano passado é que a China investirá $280
bilhões de dólares para desenvolver o Petróleo, gás natural e setor
petroquímico iraniano. Essa quantia será adiantada nos primeiros cinco anos do
acordo de 25 anos, e o entendimento é que futuras quantias poderão estar
disponíveis em cada período subsequente de cinco anos, desde que as duas partes
concordem. Outros
$120 bilhões de dólares estarão disponíveis para investimentos e também poderão
ser adiantados no período dos cinco primeiros anos para a modernização da
infraestrutura de transporte e manufatura do país, e a quantia também poderá
ser aumentada em cada período subsequente de cinco anos, dependendo de acordo
das duas partes. Em troca, as companhias chinesas serão a primeira opção nas licitações
de quaisquer projetos iranianos de exploração e petróleo, gás e produtos
petroquímicos: novos, paralisados ou incompletos. A China também poderá comprar qualquer e todo o petróleo, gás e
petchems (produtos petroquímicos – NT) com um desconto mínimo garantido de 12
por cento sobre a taxa média de seis meses de produtos similares, mais 6 a 8
por cento dessa métrica para compensação de ajuste de risco. Finalmente, a
China terá a garantia de poder atrasar o pagamento por dois anos e,
principalmente, poderá pagar em soft currencies (moedas com valores flutuantes,
predominantemente mais baixos, por causa das incertezas econômicas de dado país
– NT) que tem acumulado ao fazer negócios na África e nos países que formavam a
extinta União Soviética.
Quase dá para ouvir daqui os soluços
de MBS. Porque não há como a Arábia Saudita competir com isso. Trata-se de um
movimento estratégico iraniano que garante que:
O Irã assegura suas exportações de petróleo apesar das sanções dos EUA;
A economia iraniana se descolará do dólar mais rapidamente;
O Irã, e por extensão o Iraque integrar-se-ão ao projeto chinês Um
cinturão, Uma Estrada;
A posição de liderança entre os países árabes produtores de petróleo da
Arábia Saudita será destruída e
A capacidade iraniana de resistir às
sanções dos Estados Unidos aumentará dramaticamente.
Tudo isso se encaixa no fato de que a
China passou a evitar o petróleo saudita preferindo o petróleo russo dos Urais.
Ao mesmo tempo, a China está trabalhando para montar um grupo forte de
compradores para no futuro marginalizar a política saudita de fixar o preço do
petróleo numa base mensal.
Acrescente-se que a China quer que
Shangai domine os contratos futuros de petróleo no mercado global. Esse tipo de
contrato é peça chave para aprofundar a liquidez do Yuan chinês.
Mudar o comércio de petróleo para
onde ele possa ser negociado em tempo real seria uma bênção para o mercado. A
maioria dos Estados Árabes estabelecem seus preços no início do mês e não
admitem mudança.
Vamos ligar isso ao que acontece em
Hong Kong, onde o presidente Trump está ameaçando o Dólar de Hong Kong, amarrado
ao dólar (norte)americano, para tentar causar prejuízo para a economia chinesa.
Acontece que isso é justamente o que
a China quer. É claro que o país não quer que Hong Kong continue sendo a fonte
da liquidez internacional da China, porque retarda a internacionalização do
Yuan como moeda de liquidação (no mercado de câmbio internacional, as moedas
são negociadas aos pares. A primeira é chamada moeda de transação e a segunda,
moeda de liquidação, também conhecida como moeda de pagamento. No exemplo: BRL.USD
– o dólar será a moeda de liquidação ou pagamento –NT).
Mantenho-me firma na crença de que a
China está pronta par deixar Hong Kong acabar como centro financeiro.
Prepara-se par mover seu centro financeiro para Shangai, onde comercia seus
contratos futuros de petróleo e ouro, conversíveis em ouro.
A ironia de todas essas idas e vindas
é que Trump nunca quis uma guerra contra o Irã, como provaram os acontecimentos
dramáticos do último ano. Ele só queria forçar todo mundo a sentar-se à mesa de
negociações e renegociar os termos do acordo JCPOA em termos favoráveis a
Israel.
Só que escolheu os modos e a forma
pelos quais fez isso foi ao mesmo tempo profundamente insultuoso e humilhante.
Povos orgulhosos como são os
iranianos não respondem a esse tipo de provocação barata tipo gangsterismo, e
Trump rapidamente descobriu que tratar políticas internacionais como se fossem
a negociação de ativos imobiliários não funciona.
Sempre haverá alguém observando para
depois tirar vantagem da situação. Aconteceu exatamente isso com o acordo entre
Irã e China, a qual estava sempre nos bastidores esperando uma chance.
Israel forçou Trump a abandonar o tratado
JCPOA para tirar vantagem do agravamento da situação. Netanyahu aproveitou como
justificação para mandar sua força aérea bombardear alvos não só na Síria, mas
também no Iraque e Irã, aumentando a probabilidade de fazer Rússia e China
intensificarem sua presença para defender a região e seus aliados.
Cada argumento que me apresentaram
nos últimos quatro anos sobre a situação regional apontava para a ideia de que
a Rússia e a China não sairiam em ajuda ao Irã.
No entanto, foi exatamente o que aconteceu.
Tudo o que Trump fez foi ajudar a
China a conquistar termos melhores no seu acordo com o Irã do que teria se ele
não se comportasse como um elefante em uma loja de louças.
Agora que o mundo tomou conhecimento
do acordo descobrimos porque Mike Pompeo estava desesperado para reinstituir os
embargos de armas contra o Irã através das previsões snap-back (gatilho que
dispara sanção automática contra o violador de termos de determinado acordo ou
tratado – NT) do JCPOA.
Ocorre que parte do acordo assinado prevê
que a China e a Rússia venderão ao Irã meios de melhorar expressivamente tanto
suas defesas antiaéreas (principalmente através da entrega do sistema russo
S-400) quanto sua força aérea.
Citando mais uma vez Watkins, do
Oilprice:
O Oilprice.com tomou conhecimento
através de fontes iranianas que os bombardeios a serem entregues serão os
Tu-22M3s russos de longo alcance modificados e melhorados pela China, com uma
especificação de alcance de 6.800 quilômetros (2.410 quilômetros carregado com
seu armamento típico), e os aviões de combate serão Sukhoi Su-34, bombardeio de
ataque de médio alcance para todos os climas, mais os aviões “stealth” de
ataque Sukhoi-57. É bom prestar atenção
ao fato de que em agosto de 2016, a Rússia usou a base aérea de Hamedan para lançar
ataques contra alvos na Síria usando tanto os Tu-22M3s quanto os Su-34. Ao
mesmo tempo, os navios militares russos e chineses poderão usar os récem
criados portos de uso duplo em Chabahar, Bandar-e-Bushehr e Bandar Abbas,
construídos por companhias chinesas.
Além disso, o exército iraniano
integrará os protocolos estruturais dos sistemas de guerra eletrônica (EW)
russos. Não se esqueçam que a Rússia considera a EW como parte integrante e
vital de suas capacidades militares. Não se trata de apenas um complemento para
grandes operações militares.
A Guerra Eletrônica está integrada no
exército russo até o nível de esquadrão (pequena unidade militar – NT).
Resumindo: o acordo cimenta o eixo
Rússia/China/Irã como algo inquebrantável. Por quase quatro anos a
administração Trump o empurrou para tentar quebrar a aliança, mas as táticas
escolhidas causaram o efeito oposto de juntar ainda mais os países.
Décadas de política do porrete sem
cenoura não tiveram capacidade de produzir qualquer acordo, nem foi capaz de
criar uma barreira entre esses países.
Assim, estamos na seguinte situação,
muito perigosa: A posição dos EUA no Iraque atualmente é precária, e da mesma
forma na Síria. Agora, com o fluxo de dinheiro chinês o Irã não só poderá
reconstruir suas estruturas comerciais para a exportação de petróleo e gás como
também poderá apoiar de maneira muito mais efetiva seus aliados no Líbano,
Síria e Iêmen.
Os mesmos que colocaram Trump à beira
da guerra continuam sussurrando maus conselhos em seus ouvidos. Eles estão
pressionando por uma política de terra arrasada de privação econômica
efetivando conflitos sociais e políticos.
Pois tudo isso conseguiu criar para a
China e oportunidade de sair de trás das cortinas para as luzes do palco.
A agora, pelo imperdoável pecado de não
fazer a guerra contra o Irã, ele está sendo assado em fogo baixo pelos
conservadores em Washington, que uniram forças abertamente com os Democratas para
fazer campanha contra ele.
Se quiser permanecer no poder terá
que apaziguá-los mais uma vez na medida em que sua estratégia contra a China e
contra a União Europeia chegará a um clímax em outubro, quando o embargo de
armas contra o Irã expira.
Artigo após artigo expliquei
pacientemente como e porque Trump e os Estados Unidos não tem nenhuma influência
verdadeira sobre o Irã a não ser bombardear o país de volta à idade da pedra. Isso
nunca acontecerá sob os olhos de Trump, porque o Irã jamais lhe dará o motivo
para uma resposta desse nível.
Mesmo o ataque contra as bases dos
Estados Unidos no Iraque em janeiro, em resposta ao mal calculado assassinato
do General Qassem Soleimani foi cuidadosamente medido, preciso e, oficialmente,
sem mortes entre (norte)americanos. Se em qualquer ocasião houve um momento no
qual os iranianos poderiam ter cometido um erro estratégico que disparasse a
fúria de Trump, o momento foi aquele.
Uma vez que aquele blefe foi chamado,
decretou o fim do Domínio da Energia pelos EUA e de toda a estratégia de
isolamento do Irã.
Ao mesmo tempo, aqueles bombardeios
demonstraram capacidade de ataque iraniana bem além de qualquer coisa da qual
Trump possa ter sido informado por seus conselheiros.
As consequências poderiam ter sido
desastrosas, especialmente para não apenas a Arábia Saudita, que teve um
pequeno exemplo do que lhe poderia acontecer, mas também para Israel.
Naquela ocasião, nos preocupamos com
o que poderia acontecer caso o Irã atacasse navios tanques no Golfo Pérsico,
mandando o preço de petróleo para estratosféricos $200 dólares o barril. O
colapso dos derivativos e subsequente disrupção da cadeia de suprimentos
poderia ser existencial.
Hoje estamos vivendo um momento
exatamente oposto, e o petróleo caiu para $18 dólares o barril, graças a
Vladimir Putin finalmente ter dito à OPEP e aos Estados Unidos: “NÃO”.
O resultado é o quase o mesmo, com o
desabamento dos mercados financeiros ocidentais ao ponto da autodestruição, que
pouco a pouco mergulha os Estados Unidos e a Europa no caos político.
Neste vácuo, a China e a Rússia podem
se mover abertamente na Ásia Central e impor suas vontades quanto ao futuro da
região sem ter que lutar, a não ser em pequenas escaramuças quase inofensivas.
A China assegura suas necessidades
futuras de energia e linhas de suprimento comercial através do continente.
Estabelece-se como o novo poder moderador na região ao lado da Rússia, a qual
fornece o poderio militar, enquanto os Estados Unidos, abatido e maltratado, só
pode tentar abafar problemas na retaguarda, enquanto seus aliados caem na irrelevância.
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