Sauditas se atrapalham
catastroficamente com o petróleo novamente?
Na esperança de retomar seu papel de
liderança mundial como potência petrolífera, a Arábia Saudita (AS) fez uma
jogada em março que se revelou nada menos que catastrófica. O que deveria ser um
movimento para tomar mercados da Rússia, depois que esta se recusou a cortar
parte de sua produção futura, rapidamente se revelou um desastre ainda maior
que o erro de cálculo saudita na crise de 2014. Na realidade, a indústria de
óleo de xisto (norte)americana foi atingida. No entanto, a OPEP e a AS também
estão enfrentando uma crise enorme cujo resultado final pode transformar
radicalmente o mapa de poder geopolítico do petróleo.
Nos primeiros dias de março,
exatamente quando as paralisações provocadas pela pandemia de coronavírus se
espalhavam pela Europa, Oriente Médio e América do Norte, um encontro de
ministros de países da OPEP discutiam como estabilizar os preços do petróleo no
meio de uma queda da demanda. A voz mais ativa da OPEP, Arábia Saudita, instou
com a Rússia para que esta assumisse a maior parte dos cortes de cerca de
300.000 barris por dia, algo que a Rússia polida, mas firmemente, declinou.
Neste ponto, as ordens do monarca saudita de fato, sob Mohammed bin Salman, a
AS embarcou numa estratégia agressiva de dumping de preços de seu petróleo,
especialmente em mercados da Europa para cortar as vendas russas. Com a
continuidade da guerra de preços, o resultado foi o pior colapso em preços do
petróleo desde a estratégia fracassada da AS para destruir a Indústria de óleo
de xisto dos EUA em 2014.
O que os estrategistas sauditas não
calcularam foi a reação à pandemia que se iniciou em meados de março e levou a
demanda de petróleo ao chão, na medida em que as viagens aéreas virtualmente
cessaram bem como muito do transporte por automóveis e caminhões. Na tentativa
anterior, a guerra de preços baixos da AS contra o óleo de xisto dos EUA se
provou um desastre, levando o preço do barril de petróleo de U$100 para menos
de U$30, quando a Rússia, então o maior produtor mundial, concordou pela
primeira vez em unir esforços à OPEP para cortar a produção de petróleo em
cerca de 2 milhões bpd. Lentamente, os preços começaram a subir.
O problema foi que o setor de óleo de
xisto dos EUA se recuperou muito bem, a tal ponto que nos dois últimos anos os
EUA se tornaram os maiores produtores de petróleo do mundo. Desta vez, com a
economia mundial claramente enfraquecida e com crescimento pífio já em 2019,
antes da “depressão do corona”, mais uma vez os sauditas calcularam errado e os
preços do petróleo entraram em queda livre. Nos dois primeiros dias, com os
sauditas anunciando um corte de preço modesto, na ordem de 10%, os negociadores
forçaram os preços para baixo entre 20 a 30%. Em vez de corrigir sua estratégia
desastrosa, os sauditas dobraram a aposta, em movimento que só pode ser chamado
de histórico, ao anunciar uma alta de 25% na produção, para atingir 12.3
milhões de barris por dia (bpd), inundando um mercado já saturado e em colapso
mundial de demanda com petróleo em excesso. A Rússia respondeu afirmando que
também aumentaria sua produção.
O que os sauditas não previram em seu
cálculo foi algo realmente sem precedentes. Desde que o mundo, da China ao Irã,
da Itália aos EUA, entrou simultaneamente em lockdown, a demanda mundial por
petróleo desapareceu da noite para o dia. Não havia aviões nos céus,
consequentemente não havia necessidade de combustível para as naves. Não havia
carros nas estradas, as pessoas ficaram em casa. A economia mundial estava paralisada.
Certo dia no início de maio as opções
acabaram, o preço rapidamente caiu enquanto os negociadores foram forçados a
pagar para guardar seu petróleo nos raros locais de armazenamento, particularmente
no entroncamento chave em Cushing, Oklahoma.
Retirada vergonhosa
Finalmente, no início de maio, na
desesperada tentativa de controlar os danos, a Arábia Saudita e os produtores
da OPEP concordaram, junto com a Rússia, em cortar, de saída, inéditos 9.7
milhões de barris diariamente, para aumentar os preços. O resultado tem sido
uma recuperação fraca do preço do petróleo West Texas Intermediate (WTI), a
referência para o óleo de xisto dos EUA, para cerca de U$ 40 o barril, preço
perto ou abaixo do necessário para a maioria dos produtores de óleo de xisto
(norte)americanos. Por volta de junho, a produção mensal da OPEP tornou-se a
mais baixa por três décadas a menos de 23 milhões bpd. Rússia e OPEP
concordaram em estender o corte de produção até o final de julho, quando
esperam que já tenha acontecido a recuperação da economia e a demanda cresça.
Parece mais um desejo fantasioso que a realidade.
A China, de longe o maior importador
mundial de petróleo, acabou de anunciar que está perto de seu limite de
armazenagem, apesar dos preços baixos. É indicação de que se a OPEP e sauditas
creem que podem retornar rapidamente para os níveis de produção de antes de
março, podem levar um choque. Ao mesmo tempo, a economia mundial está em queda,
com a Covid liderando uma depressão que neste momento, apesar dos estímulos,
demonstra que ficará cada vez pior, o que também quer dizer colapso na demanda
mundial no futuro próximo. Para equilibrar o próprio orçamento, os sauditas
precisam que o preço do barril esteja entre $70 a $90 dólares. Ocorre que
preços abaixo de $30 parece um cenário mais realista. A depressão mundial
prolongada do petróleo terá consequências graves para a capacidade saudita de
financiar a paz em casa, e muito menos seus conflitos em andamento com Irã e
Catar.
Nos EUA, a indústria de óleo de xisto
responde à crise na medida em que os lockdowns surgem. Recentemente, uma
repentina subida no número de casos de Covid, que alguns afirmam tem motivação
política, levou Estados como o Texas e Califórnia a impor novamente o lockdown,
acarretando nova queda na demanda de combustível. A taxa da perfuração ativa de
petróleo nos EUA, (contagem de plataformas), caiu até um total de apenas 258
plataformas no final de junho, uma queda de 72% em relação ao ano passado e de
65% a partir do lançamento da guerra de preços dos sauditas. A expectativa da
indústria é que a baixa continuará pelo menos até 2021.
Entretanto, mesmo que a produção
(norte)americana continue em queda, não será alívio para a OPEP e AS. O mercado
mundial de petróleo está desabando e imaginar um retorno ao normal depois de
situações alarmantes estourando novamente nos Estados Unidos e na China é pura
ilusão. Enquanto os sauditas tentam elevar o preço do petróleo, vão de encontro
a uma situação na qual a demanda mundial de petróleo se contrai como nunca
antes desde 1945. Como os acontecimentos em 2014 tornaram claro, a morte da
indústria de óleo de xisto dos EUA está longe de assegurada. Poços podem ser
reabertos rapidamente. Além disso, desta vez a Rússia não tem mais razões para unir-se
à OPEP.
O impacto não só para o Oriente Médio,
mas para o mundo como um todo é grande. A guerra “por procuração” em andamento da
AS contra a influência iraniana da Síria, no Iraque e no Líbano teve recursos
muito cortados. Da mesma forma, o apoio ao Egito contra a Turquia na Líbia
também enfrenta problemas graves de financiamento. As consequências da desastrosa guerra de
preços de março estão apenas começando.
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