Trump ou não Trump – eis realmente a questão?
Introdução
A partir de um ponto de vista global, a questão politica atual mais
importante certamente é se você está do lado do hegemonismo Ocidente/EUA ou do
lado da China, Rússia, Irã, Síria, Hezbollah, Cuba, Venezuela, ou, resumindo,
de um mundo pós-ocidental. Decidida esta questão, o problema a seguir é óbvio –
a sua posição em relação à política nos Estados Unidos. Falando claramente:
você apoia Trump ou Biden? Tenha em mente que discutimos esta questão de fora
dos EUA; não estou interessado em coisas como “quem é meu presidente”.
Antes de qualquer coisa, há uma contradição nessa questão. Os dois lados
nos Estados Unidos são muito hostis ao desenvolvimento de um mundo
pós-ocidental. Os dois lados sequer conseguem imaginar que os EUA devam ser
apenas um país normal como os outros, com suas forças e fraquezas. Portanto,
seria completamente errado identificar-se com um dos lados em oposição ao
outro.
Dito isto, não se pode subestimar a contradição no interior das forças
inimigas. Não é apenas um show. A sociedade (norte)americana está realmente
dividida e ninguém pode esperar que, realisticamente, isso vai terminar com as
eleições de novembro próximo. Logo, conclui-se que as apostas são cruciais e
muito elevadas. É essencial entender as contradições para entender melhor os
avanços no campo inimigo. Apenas com essa compreensão, pode-se ser capaz de
decidir que lado é menos mau.
Outra observação preliminar: atualmente, a situação está muito confusa e
paradoxal. Por um lado, a situação nos Estados Unidos é realmente explosiva e
pode-se esperar que novas ideias emergirão. Mas nem essas propostas serão
inovadoras, nem dinâmicas e muito menos atualizadas. Trump só quer continuar
com seus esquemas e Biden quer apenas colocar vinho velho em garrafas novas.
Isso é sinal de que a classe governante dos EUA está se tornando monótona e sem
imaginação. Por outro lado, não se pode excluir que nos próximos meses surjam
algumas surpresas; eles podem mudar a situação atual de forma radical.
Como modelo, o ocidente está obsoleto
O modelo ocidental está baseado no que segue: Democracia Liberal,
compreensão ocidental dos direitos humanos, poder econômico de alcance mundial
através de companhias ocidentais, dominação completa do sistema bancário global
– usando entre outras ferramentas o dólar, o Banco Mundial e o FMI – e o poder
militar do exército dos Estados Unidos e da OTAN. Adicione-se uma influência
ideológica monumental, que inclui a mídia ocidental dominada e a produção de
filmes. Intencionalmente não menciono aqui os danos que os países ocidentais
causaram ao mundo através do colonialismo, massacres, escravidão, guerras
imperiais, opressão brutal, assassinatos, sanções.
É óbvio no entanto que o modelo ocidental está em declínio. “Todos”
mencionam o século 21 como o século da Ásia. Todas as tendências apontam que a
Ásia será – de longe – o continente com a economia mais forte. Também já está
claro que o modelo ocidental não tem – e não terá – papel central na Ásia.
Portanto, não se trata de apenas uma mudança da força econômica para a Ásia, a
mudança é muito mais profunda. Todos os países terão que se adaptar a essa
mudança. No meu ponto de vista, esta é a razão subjacente para as contradições
na classe governante dos Estados Unidos.
A partir deste ponto de vista, as atitudes de Trump fazem sentido. A
saber, tenta fortalecer a influência dos EUA em importantes países asiáticos,
por exemplo, a Índia. Despreza a Europa ocidental como base de sua política,
usa a OTAN mais como instrumento disciplinar que como ameaça militar direta.
Tenta expandir a estrutura minúscula do G7 (em ordem alfabética: Alemanha,
Canadá, Estados Unidos França, Itália, Japão, Reino Unido) para reforçar sua
frente de batalha contra a China. Incidentalmente, Trump chamou – corretamente
– o G7 de “um grupo obsoleto de países” que “não representa apropriadamente o
que está acontecendo no mundo”.
A consequência é que Trump se tornou muito impopular nos países da
Europa Ocidental. O sentimento é que eles foram expulsos do paraíso pelas
atitudes de Trump. Até o momento não foram capazes de admitir a mudança para a
Ásia e discutir abertamente as ilações. Seus sentimentos de nostalgia
permanecem muito fortes. Seus partidos políticos de centro-direita defendem
veementemente o modelo – obsoleto – ocidental e mantém viva a ideia patológica
da superioridade moral do ocidente. Um exemplo a partir da Suíça: o Ministro da
Economia planejou fazer sua primeira visita à China depois da pandemia, uma
ideia claramente inteligente; o Partido Social Democrata – claro – criticou o
plano. Infelizmente, tudo teve que ser cancelado devido às medidas contra a
pandemia na China.
Como foi dito, a atitude de Trump tem razões objetivas. No entanto, não
teve realmente sucesso durante sua presidência. Seu desejo de unir outros
países asiáticos contra a China e o Irã não é lógico e só podia fracassar. Aparentemente
não há muitos radicais e belicistas entre os países asiáticos. Mesmo que
existam desacordos profundos entre países da região, sua intenção de lutar
guerras parece não ser tão entusiástica. Além disso, todos observam que as
guerras atuais contra a Síria e o Iêmen resultaram em derrotas vergonhosas para
os países atacantes.
A Coreia do Norte foi a primeira tentativa de Trump de unir países
asiáticos contra um “inimigo comum”. Mas ficou claro que a guerra contra a
Coreia do norte tinha pouco apoio entre os países da Ásia Oriental e Trump foi
capaz de mudar suas políticas (embora não o suficiente). Já quanto à China e ao
Irã, não demonstrou a mesma flexibilidade. Foi uma fraqueza crucial na
abordagem de Trump. Sua atitude agressiva não foi bem recebida pela maioria dos
países asiáticos.
Não são claras as ideias de Biden nestes assuntos. Como tendência, ele
se aproxima dos sentimentos nostálgicos da Europa Ocidental. Ele parece
considerar uma virtude ser ainda mais contra a China e a Rússia que Trump. Mas
suas ideias em relação à Ásia permanecem confusas. Provavelmente pensa que é
suficiente ser percebido como anti-Trump.
Concluindo, devo dizer que o enfoque geral de Trump com relação às
políticas mundiais é mais racional que o de Biden. Mas a estratégia de Trump
não será bem sucedida enquanto ele tentar colocar países asiáticos um contra o
outro.
O modelo ocidental nos Estados Unidos
Se neste momento, o declínio do modelo ocidental de mundo já é
perceptível há algum tempo, é relativamente nova a percepção de que esse modelo
torna-se cada vez mais obsoleto dentro dos Estados Unidos. Falando
objetivamente, a sociedade (norte)americana é mais uma oligarquia que uma
democracia liberal. A influência direta do dinheiro sobre a política é bem
maior nos EUA que na Europa ocidental. Isso é de conhecimento geral. O que é
novo é o fato de que o lado perdedor em 2016 nunca aceitou a derrota. Isso nada
tem a ver com o modelo da democracia liberal. Há uma probabilidade de que esta
tendência continue depois das eleições em novembro e o lado perdedor mais uma
vez não aceite a derrota.
Com sua retórica contra o establishment político de Washington, Trump
está mais perto da realidade que o outro lado do espectro político dos EUA.
Ocorre que o que ele realmente quer permanece nebuloso. Podemos ver o mesmo
quadro nas políticas mundiais, onde mais uma vez Trump parece mais racional,
mas não consegue ser convincente na execução. A abordagem de Biden é mais
baseada em ilusões e sem utilidade para a compreensão da sociedade (norte)americana
em transformação.
A evolução dos acontecimentos nos últimos meses acentuou os problemas da
sociedade dos EUA. O individualismo exagerado e a falta generalizada de
segurança social provou-se obstáculo intransponível na luta contra a pandemia.
A imagem dos Estados Unidos sofreu golpe irreparável aos olhos da Europa
Ocidental durante esta crise.
A consequência da pandemia é uma recessão econômica de grande porte.
Além disso, temos a agitação social normalmente – mas imprecisamente – descrita
como movimento “Vidas Negras Importam”.
Como a sociedade (norte)americana – dividida – poderá lidar com todos
esses desafios? Essa será com certeza a discussão política dominante nos
próximos meses. Como o país não dispõe mais de gente do naipe de F. D.
Roosevelt, não existe solução fácil, longe disso. Só podemos especular sobre
qual será o resultado. Eu poderia dizer que é provável que o conflito social na
sociedade (norte)americana aumentará. É até possível que o modelo ocidental
possa ser formalmente modificado, pelo menos em alguns pontos.
Neste contexto, gostaria de acrescentar comentários sobre a questão do
colapso dos Estados Unidos que se aproximaria. A propósito, não creio que um
império possa colapsar. Os exemplos que lembro não apontam para isso. Roma foi invadida
por tropas estrangeiras. Napoleão foi derrotado por outras potências europeias.
Os nazistas foram derrotados por tropas da União Soviética e dos países
aliados. O Império Britânico foi subjugado por conflitos anti coloniais e pelo
fato de que, depois da Primeira Guerra Mundial, União Soviética e Estados
Unidos se tornaram mais poderosos, A União Soviética foi substituída por um
número de Estados Independentes como resultado de decisões políticas. Tudo isso
parece indicar que Impérios podem perder poder, e então substituídos por outras
forças que já existem.
Até onde eu sei, quando ouço comentários sobre o iminente colapso dos
Estados Unidos, as forças que os substituirão nunca são mencionadas. Isso me dá
a impressão de que os EUA se quebrariam em pedaços como porcelana. Podem
existir alguns exemplos assim na história da humanidade, mas com certeza não é
a regra. A meu ver, é perigoso concentrarmo-nos em um colapso por acontecer.
Pode-se até perguntar: quem virá a seguir? Neste momento não vejo nos Estados
Unidos forças positivas que possam ter sucesso em relação ao império
(norte)americano. Entretanto, falando geralmente, as coisas sempre podem
piorar. Se o caos aumentar nos EUA, o perigo de que os piores grupos possam
assumir o poder é muito maior que o contrário. Portanto, discute-se um provável
colapso dos Estados Unidos de forma muito negligente. De certa forma, isso me recorda de uma
atitude cerca de 50 anos atrás, quando havia pessoas na Europa Ocidental dizendo
que mais bombas no Vietnã era uma coisa boa porque o resultado era o
fortalecimento da resistência.
De volta à questão: quem é menos mau?
Temos que estar conscientes de que as eleições nos EUA tem dois
aspectos. Por um lado, a questão é quem é o melhor candidato. Por outro lado, a
questão é se Trump tem desempenhado seu papel de forma correta. Claramente, a
estratégia de Biden está focada no segundo aspecto. É seu direito. Ele parece gostar da situação em que “Trump ou
não Trump” é o assunto central. No entanto, isso também mostra sua fraqueza.
Não consigo enxergar um ponto qualquer em que Biden seja melhor que Trump,
muito pelo contrário. Assim, seria absurdo apoiar Biden contra Trump. Por outro
lado, Trump teve sua chance e nunca conseguiu ser realmente convincente. Suas
políticas contra Irã, China e Venezuela são completamente equivocadas. O
assassinato de Suleimani, a hostilidade direcionada à Síria e Hezbollah, e sua
veneração absoluta a Israel são coisas abomináveis. Apoiar Trump contra Biden é
coisa totalmente impossível para mim, moralmente falando, mesmo que eu o veja
como o melhor candidato. É por tudo isso que não posso dar uma resposta para a
questão sobre quem é menos mau, pelo menos por enquanto.
Comentários
Postar um comentário