Trump ou não Trump – eis realmente a questão?

Texto de Paul Schmutz Schaller no blog The Saker – tradução btpsilveira


Introdução

A partir de um ponto de vista global, a questão politica atual mais importante certamente é se você está do lado do hegemonismo Ocidente/EUA ou do lado da China, Rússia, Irã, Síria, Hezbollah, Cuba, Venezuela, ou, resumindo, de um mundo pós-ocidental. Decidida esta questão, o problema a seguir é óbvio – a sua posição em relação à política nos Estados Unidos. Falando claramente: você apoia Trump ou Biden? Tenha em mente que discutimos esta questão de fora dos EUA; não estou interessado em coisas como “quem é meu presidente”.


Antes de qualquer coisa, há uma contradição nessa questão. Os dois lados nos Estados Unidos são muito hostis ao desenvolvimento de um mundo pós-ocidental. Os dois lados sequer conseguem imaginar que os EUA devam ser apenas um país normal como os outros, com suas forças e fraquezas. Portanto, seria completamente errado identificar-se com um dos lados em oposição ao outro.

Dito isto, não se pode subestimar a contradição no interior das forças inimigas. Não é apenas um show. A sociedade (norte)americana está realmente dividida e ninguém pode esperar que, realisticamente, isso vai terminar com as eleições de novembro próximo. Logo, conclui-se que as apostas são cruciais e muito elevadas. É essencial entender as contradições para entender melhor os avanços no campo inimigo. Apenas com essa compreensão, pode-se ser capaz de decidir que lado é menos mau.

Outra observação preliminar: atualmente, a situação está muito confusa e paradoxal. Por um lado, a situação nos Estados Unidos é realmente explosiva e pode-se esperar que novas ideias emergirão. Mas nem essas propostas serão inovadoras, nem dinâmicas e muito menos atualizadas. Trump só quer continuar com seus esquemas e Biden quer apenas colocar vinho velho em garrafas novas. Isso é sinal de que a classe governante dos EUA está se tornando monótona e sem imaginação. Por outro lado, não se pode excluir que nos próximos meses surjam algumas surpresas; eles podem mudar a situação atual de forma radical.

Como modelo, o ocidente está obsoleto

O modelo ocidental está baseado no que segue: Democracia Liberal, compreensão ocidental dos direitos humanos, poder econômico de alcance mundial através de companhias ocidentais, dominação completa do sistema bancário global – usando entre outras ferramentas o dólar, o Banco Mundial e o FMI – e o poder militar do exército dos Estados Unidos e da OTAN. Adicione-se uma influência ideológica monumental, que inclui a mídia ocidental dominada e a produção de filmes. Intencionalmente não menciono aqui os danos que os países ocidentais causaram ao mundo através do colonialismo, massacres, escravidão, guerras imperiais, opressão brutal, assassinatos, sanções.

É óbvio no entanto que o modelo ocidental está em declínio. “Todos” mencionam o século 21 como o século da Ásia. Todas as tendências apontam que a Ásia será – de longe – o continente com a economia mais forte. Também já está claro que o modelo ocidental não tem – e não terá – papel central na Ásia. Portanto, não se trata de apenas uma mudança da força econômica para a Ásia, a mudança é muito mais profunda. Todos os países terão que se adaptar a essa mudança. No meu ponto de vista, esta é a razão subjacente para as contradições na classe governante dos Estados Unidos.

A partir deste ponto de vista, as atitudes de Trump fazem sentido. A saber, tenta fortalecer a influência dos EUA em importantes países asiáticos, por exemplo, a Índia. Despreza a Europa ocidental como base de sua política, usa a OTAN mais como instrumento disciplinar que como ameaça militar direta. Tenta expandir a estrutura minúscula do G7 (em ordem alfabética: Alemanha, Canadá, Estados Unidos França, Itália, Japão, Reino Unido) para reforçar sua frente de batalha contra a China. Incidentalmente, Trump chamou – corretamente – o G7 de “um grupo obsoleto de países” que “não representa apropriadamente o que está acontecendo no mundo”.

A consequência é que Trump se tornou muito impopular nos países da Europa Ocidental. O sentimento é que eles foram expulsos do paraíso pelas atitudes de Trump. Até o momento não foram capazes de admitir a mudança para a Ásia e discutir abertamente as ilações. Seus sentimentos de nostalgia permanecem muito fortes. Seus partidos políticos de centro-direita defendem veementemente o modelo – obsoleto – ocidental e mantém viva a ideia patológica da superioridade moral do ocidente. Um exemplo a partir da Suíça: o Ministro da Economia planejou fazer sua primeira visita à China depois da pandemia, uma ideia claramente inteligente; o Partido Social Democrata – claro – criticou o plano. Infelizmente, tudo teve que ser cancelado devido às medidas contra a pandemia na China.

Como foi dito, a atitude de Trump tem razões objetivas. No entanto, não teve realmente sucesso durante sua presidência. Seu desejo de unir outros países asiáticos contra a China e o Irã não é lógico e só podia fracassar. Aparentemente não há muitos radicais e belicistas entre os países asiáticos. Mesmo que existam desacordos profundos entre países da região, sua intenção de lutar guerras parece não ser tão entusiástica. Além disso, todos observam que as guerras atuais contra a Síria e o Iêmen resultaram em derrotas vergonhosas para os países atacantes.

A Coreia do Norte foi a primeira tentativa de Trump de unir países asiáticos contra um “inimigo comum”. Mas ficou claro que a guerra contra a Coreia do norte tinha pouco apoio entre os países da Ásia Oriental e Trump foi capaz de mudar suas políticas (embora não o suficiente). Já quanto à China e ao Irã, não demonstrou a mesma flexibilidade. Foi uma fraqueza crucial na abordagem de Trump. Sua atitude agressiva não foi bem recebida pela maioria dos países asiáticos.

Não são claras as ideias de Biden nestes assuntos. Como tendência, ele se aproxima dos sentimentos nostálgicos da Europa Ocidental. Ele parece considerar uma virtude ser ainda mais contra a China e a Rússia que Trump. Mas suas ideias em relação à Ásia permanecem confusas. Provavelmente pensa que é suficiente ser percebido como anti-Trump.


Concluindo, devo dizer que o enfoque geral de Trump com relação às políticas mundiais é mais racional que o de Biden. Mas a estratégia de Trump não será bem sucedida enquanto ele tentar colocar países asiáticos um contra o outro.

O modelo ocidental nos Estados Unidos

Se neste momento, o declínio do modelo ocidental de mundo já é perceptível há algum tempo, é relativamente nova a percepção de que esse modelo torna-se cada vez mais obsoleto dentro dos Estados Unidos. Falando objetivamente, a sociedade (norte)americana é mais uma oligarquia que uma democracia liberal. A influência direta do dinheiro sobre a política é bem maior nos EUA que na Europa ocidental. Isso é de conhecimento geral. O que é novo é o fato de que o lado perdedor em 2016 nunca aceitou a derrota. Isso nada tem a ver com o modelo da democracia liberal. Há uma probabilidade de que esta tendência continue depois das eleições em novembro e o lado perdedor mais uma vez não aceite a derrota.

Com sua retórica contra o establishment político de Washington, Trump está mais perto da realidade que o outro lado do espectro político dos EUA. Ocorre que o que ele realmente quer permanece nebuloso. Podemos ver o mesmo quadro nas políticas mundiais, onde mais uma vez Trump parece mais racional, mas não consegue ser convincente na execução. A abordagem de Biden é mais baseada em ilusões e sem utilidade para a compreensão da sociedade (norte)americana em transformação.

A evolução dos acontecimentos nos últimos meses acentuou os problemas da sociedade dos EUA. O individualismo exagerado e a falta generalizada de segurança social provou-se obstáculo intransponível na luta contra a pandemia. A imagem dos Estados Unidos sofreu golpe irreparável aos olhos da Europa Ocidental durante esta crise.

A consequência da pandemia é uma recessão econômica de grande porte. Além disso, temos a agitação social normalmente – mas imprecisamente – descrita como movimento “Vidas Negras Importam”.  Como a sociedade (norte)americana – dividida – poderá lidar com todos esses desafios? Essa será com certeza a discussão política dominante nos próximos meses. Como o país não dispõe mais de gente do naipe de F. D. Roosevelt, não existe solução fácil, longe disso. Só podemos especular sobre qual será o resultado. Eu poderia dizer que é provável que o conflito social na sociedade (norte)americana aumentará. É até possível que o modelo ocidental possa ser formalmente modificado, pelo menos em alguns pontos.

Neste contexto, gostaria de acrescentar comentários sobre a questão do colapso dos Estados Unidos que se aproximaria. A propósito, não creio que um império possa colapsar. Os exemplos que lembro não apontam para isso. Roma foi invadida por tropas estrangeiras. Napoleão foi derrotado por outras potências europeias. Os nazistas foram derrotados por tropas da União Soviética e dos países aliados. O Império Britânico foi subjugado por conflitos anti coloniais e pelo fato de que, depois da Primeira Guerra Mundial, União Soviética e Estados Unidos se tornaram mais poderosos, A União Soviética foi substituída por um número de Estados Independentes como resultado de decisões políticas. Tudo isso parece indicar que Impérios podem perder poder, e então substituídos por outras forças que já existem.

Até onde eu sei, quando ouço comentários sobre o iminente colapso dos Estados Unidos, as forças que os substituirão nunca são mencionadas. Isso me dá a impressão de que os EUA se quebrariam em pedaços como porcelana. Podem existir alguns exemplos assim na história da humanidade, mas com certeza não é a regra. A meu ver, é perigoso concentrarmo-nos em um colapso por acontecer. Pode-se até perguntar: quem virá a seguir? Neste momento não vejo nos Estados Unidos forças positivas que possam ter sucesso em relação ao império (norte)americano. Entretanto, falando geralmente, as coisas sempre podem piorar. Se o caos aumentar nos EUA, o perigo de que os piores grupos possam assumir o poder é muito maior que o contrário. Portanto, discute-se um provável colapso dos Estados Unidos de forma muito negligente.  De certa forma, isso me recorda de uma atitude cerca de 50 anos atrás, quando havia pessoas na Europa Ocidental dizendo que mais bombas no Vietnã era uma coisa boa porque o resultado era o fortalecimento da resistência.

De volta à questão: quem é menos mau?

Temos que estar conscientes de que as eleições nos EUA tem dois aspectos. Por um lado, a questão é quem é o melhor candidato. Por outro lado, a questão é se Trump tem desempenhado seu papel de forma correta. Claramente, a estratégia de Biden está focada no segundo aspecto. É seu direito.  Ele parece gostar da situação em que “Trump ou não Trump” é o assunto central. No entanto, isso também mostra sua fraqueza. Não consigo enxergar um ponto qualquer em que Biden seja melhor que Trump, muito pelo contrário. Assim, seria absurdo apoiar Biden contra Trump. Por outro lado, Trump teve sua chance e nunca conseguiu ser realmente convincente. Suas políticas contra Irã, China e Venezuela são completamente equivocadas. O assassinato de Suleimani, a hostilidade direcionada à Síria e Hezbollah, e sua veneração absoluta a Israel são coisas abomináveis. Apoiar Trump contra Biden é coisa totalmente impossível para mim, moralmente falando, mesmo que eu o veja como o melhor candidato. É por tudo isso que não posso dar uma resposta para a questão sobre quem é menos mau, pelo menos por enquanto.



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