A guerra da Síria
é só um começo
Tony
Cartalucci – 02 de dezembro de 2016, tradução de NirucewKS_063
Com a liberação da cidade de
Alepo ao norte da Síria, tudo indicaria que o governo sírio em Damasco estaria
caminhando na direção de colocar um fim no conflito altamente destrutivo que se
encontra em andamento no país há aproximadamente seis anos.
Porém para assumir que o
conflito sírio está na iminência de uma resolução teríamos que assumir que ele
foi enfrentado em um vácuo geopolítico, desconectado das agendas regionais e
globais.
Na realidade, a Guerra por
procuração lançada pelo ocidente na Síria foi pensada por anos antes de seu
início, durante seu estágio de preparação e planejamento, apenas como uma etapa
inicial da guerra contra o Irã, em um grande conflito global destinado a
prevenção contra o ressurgimento da Rússia e o crescimento da China.
O objetivo dos Estados Unidos
hegemônicos é eliminar superpotências em crescimento
No final da Guerra Fria, a
nação (norte)americana buscou estabelecer e manter a si mesmo como a única
superpotência mundial.
Em uma entrevista no ano de 2007 no programa de televisão Flora TV Talk denominado “Tempo de Liderança,” o General
do Exército dos EUA, Wesley Clark, revelaria sua agenda pós Guerra Fria, ao
relatar uma conversa que teve no início de 1991 com o então sub Secretário de
Defesa Paul Wofowitz, declarando que (destaque acrescido):
Eu perguntei ao Sr. Secretário
se ele estava contente com o desempenho de nossas tropas na operação “Tempestade
no Deserto”. Ele respondeu que, bem, sim, mais ou menos, porque a verdade é que
deveríamos nos ter livrado de Saddam e isso ainda não aconteceu. Isso se deu
logo em seguida ao levante xiita que tínhamos provocado em março de 1991 e no
qual nossas tropas ficaram de lado apenas observando, sem interferir. Ele disse
que, pelo menos, tínhamos aprendido algumas coisas: nós aprendemos que
podemos usar nossas forças militares na região do Oriente Médio e os soviéticos
não poderiam fazer nada para nos impedir. Disse ainda que nós tínhamos cinco ou
dez anos para limpar a região de todos os regimes clientes dos soviéticos:
Síria, Irã, Iraque – antes do surgimento de alguma outra superpotência que
pudesse nos desafiar.
As revelações do General Clark
demonstram que existe uma agenda única que começa depois da Guerra Fria,
evidenciada não só pela Operação Tempestade no Deserto, mas também pelo conflito
nos Balcãs, a invasão e ocupação do Afeganistão pelos Estados Unidos, e a
invasão e ocupação do Iraque, bem como pela expansão generalizada do poder
militar dos Estados Unidos, já planejados e executados através do uso da
“Guerra ao Terror” na sequência dos ataques em Nova Iorque e Washington em 11
de setembro de 2001.
As carnificinas desatadas
através das “mudanças de regime” dos Estados Unidos incluem não só as guerras
acima mencionadas, como também uma série da denominadas “revoluções coloridas”
através da Europa. Estas incluem as atividades OTPOR! (movimentos de protesto que se utilizam
normalmente de jovens e que tiveram início na Sérvia e sofrem acusações bem
fundadas de serem financiadas pelos Estados Unidos. Um similar no Brasil seria
o MBL – Movimento Brasil Livre, que supostamente possui financiamentos ocultos.
A palavra Otpor significa “resistência” e tem origem no alfabeto cirílico Отпор –
exatamente como o MBL no Brasil, na Sérvia o movimento posteriormente tentou
incursões no campo político, sem muito sucesso – NT) entre
1998/2004 na Sérvia, a “Revolução Rosa” na Georgia e a “Revolução Laranja”
entre 2004/2005 na Ucrânia.
Os envolvidos nessas operações
de mudança de regime apoiadas e financiadas pelos Estados Unidos, tanto dentro
do Departamento de Estado (norte)Americano como na Indústria privada
(corporações de imprensa e gigantes da Tecnologia da Informação como Facebook e
Google), assim como “ativistas” de cada país, começariam em 2008 a treinar
líderes da oposição através do Mundo Árabe para a “Primavera Árabe”, planejada
e liderada pelos Estados Unidos.
O próprio Departamento de
Estado dos EUA, em um press
release de 2008, assumiria estar organizando uma “reunião de cúpula da
Aliança de Movimentos de Jovens”, admitindo:
Já há
uma sensação de organização no início desta Aliança de Movimentos de Jovens que
reúne a juventude através do mundo e que se utiliza da internet, telefones
celulares e mídia social para interagir e discutir como melhorar sua atuação. O
Departamento de Estado está agindo para fornecer ajuda e providenciar alguma
estrutura para esta tendência através da parceria com entidades como o
Facebook, Howcast, Google, MTV e da Faculdade de Direito Columbia.
Através dos tópicos discutidos
no diálogo revelado pelo press release nota-se as táticas que serviriam para
acobertar as operações de mudança de regime, inevitavelmente violentas, no
Egito, Líbia, Síria e Iêmen. Basta uma olhadinha nos personagens que
compareceram nas “Cúpulas da Aliança de Movimentos de Jovens”, para percebermos
que a maioria dos grupos foram os mesmos que espalharam protestos após seu
retorno ao Oriente Médio, incluindo o Movimento Jovem de 06 de Abril no Egito
Eventualmente o jornal The New York Times admitiria, em um
artigo intitulado “Grupos dos Estados Unidos ajudaram a
fomentar as revoltas árabes”:
Certo
número de grupos e indivíduos que estão diretamente envolvidos nas revoltas
reformistas que grassam na região, como o Movimento Jovem 06 de Abril no Egito,
o Centro de Barein para os Direitos Humanos e ativistas de base como Entsar
Qadhi, um jovem líder iemenita, receberam financiamento e treinamento de instituições
como o Instituto Internacional Republicano, o Instituto Nacional Democrata e a
Casa da Liberdade, uma organização não lucrativa de direitos humanos baseada em
Washington, de acordo com entrevistas nas últimas semanas e telegramas
diplomáticos obtidos pelo WikiLeaks.
O objetivo primordial tanto das
intervenções militares diretas quanto das “revoluções coloridas” arquitetadas
pelos Estados Unidos sempre foi cumprir na totalidade as políticas
(norte)americanas reveladas General Clark e perseguidas pelos políticos dos EUA
desde o final da Guerra Fria – a eliminação de quaisquer Estados que agissem
com independência e pudessem eventualmente rivalizar com a hegemonia mundial
dos EUA.
A Síria é só uma parada ao longo
do percurso
Tudo faz parte de uma só
agenda: a destruição do Iraque, a guerra de 2006 do Israel contra o Hezbollah no
Sul do Líbano e os contínuos esforços para derrubar o governo em Teerã. Através
de documentos da política dos Estados Unidos ao longo de anos a fio, está
explícito que a chave para derrotar o Irã é a destruição do Hezbollah no Líbano
e a eliminação da Síria como uma aliada do Irã.
Em 2007, o jornalista Seymour
Hewrsh, ganhador do Prêmio Pulitzer, em seu artigo “Redirecionando:
a nova política cda admijnistração dos EUA estaria beneficiando nossos inimigos
na Guerra contra o Terror?” revela (ênfase adicionada):
Para prejudicar ao máximo o Irã, que é
predominantemente xiita, a administração Bush decidiu reconfigurar de fato suas
prioridades no Oriente Médio. No Líbano, a administração cooperou com o governo
da Arábia Saudita, que é sunita, em operações clandestinas com a intenção de enfraquecer
o Hezbollah, organização xiita apoiada pelo Irã. Os Estados Unidos também
tomaram parte em operações clandestinas contra o Irã e a Síria, sua aliada. Os
resultados destas atividades tem sido o fortalecimento de grupos extremistas
sunitas que esposam uma visão radical e militante do islamismo, são hostis aos
próprios Estados Unidos e simpatizantes da Al-Qaeda.
Em 2009, um “think tank” de política
e geopolítica financiado por corporações dos Estados Unidos, o Brookings
Institution, publicou um relatório de 170 páginas denominado “Qual o caminho
para a Pérsia? Novas opções estratégicas (norte)americanas para o Irã” (PDF) no qual
são consideradas várias opções, entre elas um ataque de Israel contra o Irã,
apoiado secretamente pelos Estados Unidos. O relatório declara (ênfase
adicionada):
... os israelenses poderiam auxiliar os
Estados Unidos de várias formas. Israel pode estar mais disposto a encarar os
riscos de uma retaliação iraniana e o opróbio internacional que os EUA, mas não
é invulnerável e precisará de certos compromissos dos Estados Unidos antes de
estar pronto para o ataque. Por exemplo,
os israelenses vão querer esperar até que tenham um acordo favorável com a
Síria (assumindo que esse tipo de acordo possa ser alcançado), o que amenizaria
uma possível retaliação por parte do Hezbollah e até do Hamas.
Consequentemente, eles querem que Washington faça o possível e o impossível
para ter poderes de mediação entre Jerusalém e Damasco.
Hoje está claro que nenhum
acordo seria ou será possível e em vez disso, orquestrou-se a completa
destruição da Síria. Muitas propostas que o pessoal do Brookings colocaram como
dirigidas para a mudança de regime no Irã foram na realidade usadas no conflito
lançado contra a Síria, pelo mesmo objetivo.
Com a destruição da Líbia,
liderada pelos Estados Unidos em 2011, através do uso de militantes ligados a
Al-Qaeda e a transformação da cidade de Bengazi em um trampolim logístico para
a fronteira da Turquia com a Síria, a invasão da Síria através de mercenários
pagos por potências estrangeiras começou entre os protestos já anteriormente desencadeados
nos centros urbanos do país.
No ano de 2012, os militantes
transbordaram pela fronteira entre a Turquia e a Síria e invadiram a cidade de
Alepo. A guerra destrutiva que se seguiu devastou o país e acabou por atrair os
aliados da Síria – Hezbollah e Irã, assim como a Rússia, e pode ter
enfraquecido o suficiente a coalizão para tornar possível uma expansão das
lutas para a Irã e até mesmo para o sul da Rússia.
Olha só quem assume o poder
justo a tempo para a Guerra contra o Irã...
O presidente eleito Donald
Trump está se cercando não apenas de radicais pró Israel como David Freidman,
como também de outros que têm – por anos – advogado a guerra contra o Irã,
incluindo Stephen Bannon do Breibart News
e o General (norte)Americano da Marinha James Mattis.
Um círculo parecido de políticos
certamente estaria na coorte que acompanharia a antiga Secretária de Estado e
candidata à presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, caso ela tivesse
vencido as eleições – seu tempo como Secretária de Estado foi gasto com a
destruição da Líbia e da Síria, essenciais para este mesmo conflito do qual
estamos tratando.
Em resumo, Washington está se
posicionando para uma guerra de grandes proporções contra o Irã, tão logo a
guerra por procuração na Síria tenha percorrido todo o seu caminho – os
preparativos para a guerra estão em curso, não importa quem tenha vencido as
eleições de 2016.
Muito provavelmente, os políticos
dos Estados Unidos anteviram que a queda da Síria seria muito mais rápida e
teria um custo muito menor do que os acontecimentos no terreno provaram. Com a
Rússia estabelecendo um presença militar significativa no país, e com o
exército da Síria se tornando uma força de luta altamente efetiva e
experimentada, com seus aliados iranianos e da militância do Hezbollah ganhando
experiência de combate em conflitos regionais, mover o conflito para o Irã já
não parece uma tarefa assim tão fácil.
Talvez seja por essa causa que
o presidente eleito dos Estados Unidos esteja posando como um potencial “aliado”
da Rússia, e as acusações de que a Rússia tenha “hackeado” as eleições
(norte)americanas serviriam apenas para enfraquecer a mídia social alternativa,
à guisa de combater “notícias falsas”. Com a mídia alternativa silenciada ou
amenizada, seria difícil para os políticos dos Estados Unidos mais uma vez
arquitetar uma grande provocação – como o relatório “Qual o caminho para a
Pérsia?” do Instituto Brookings recomenda – que justificaria a expansão do
conflito sírio e o envolvimento dos EUA no território iraniano?
É digno de nota o fato de que
Israel – através do conflito sírio – tem atacado sistematicamente a
infraestrutura do Hezbollah, tanto na Síria quanto no Líbano. Os políticos
israelenses provavelmente pretendem manter uma zona de segurança entre eles
mesmos em aqueles que poderiam retaliar na sequência de um ataque israelense contra
o Irã com o apoio dos Estados Unidos – justamente com propôs o Brookings em
2009.
Apenas o equilíbrio multipolar
do poder prejudica a hegemonia dos EUA, não as eleições presidenciais.
Os interesses dos Estados
Unidos desde o final da Guerra Fria têm sido sempre a confrontação e eliminação
de qualquer ameaça que sugira a perda de sua hegemonia global. Como alerta há
anos o general reformado Wesley Clark, os Estados Unidos estão seguindo a mesma
agenda única desde os anos 1990s, não importa quem esteja na Casa Branca e que
tipo de retórica esteja sendo usada para vender a miríade de guerras e “revoluções
coloridas” que a conquista, incremento e manutenção da hegemonia global requer.
Na medida que a Rússia e a
China reintroduziram uma espécie de equilíbrio do poder, desafiando e colocando
a agressividade dos Estados Unidos na realidade de um mundo mais multipolar no
atual estágio geopolítico, os Estados Unidos estão reagindo violentamente, com
confrontações diretas contra Moscou e Pequim, bem como com o crescimento
exponencial de violentas campanhas de guerra por procuração e operações de
mudança de regime por todo o mundo.
É muito perigosa a ilusão de
que os Estados Unidos podem deixar de lado essa agenda única perseguida há
décadas. Na realidade, o único obstáculo entre os Estados Unidos e a manutenção
da conquista de hegemonia global são os centros de poder competitivos que
surgem cada vez com mais força. Esses centros incluem nações como a Rússia e a
China, os movimentos de influenciação da base como a mídia social, modelos
alternativos de sistemas econômicos prejudiciais (do ponto de vista do império)
e movimentos políticos construídos sobre a poderosa base que tal movimentação
de influência promove. Essas alternativas podem minar por dentro o poder
injustificado de que goza agora os Estados Unidos e seus monopólios corporativos/financeiros
que hoje dominam a paisagem política mundial.
Tony
Cartalucci, escritor e pesquisador geopolítico baseado em Bangcok, especialmente
para a revista online “New
Eastern Outlook.”
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