Eis como se
desdobrará o governo Trump
19/1/2017, Pepe Escobar, The Vineyard of the Saker
Tradução
pelo Coletivo Vila Vudu
Começa agora a era Trump – com geopolítica e geoeconomia prontas para uma série de pontos iminentes, imprevisíveis, de suspense.
Já escrevi que a estratégia do guru de Trump para política externa Henry Kissinger, para lidar com o formidável trio da integração da Eurásia – Rússia, China e Irã – é um "Dividir para Governar"remix: seduzir a Rússia para longe da parceria estratégica com a China, ao mesmo tempo em que ataca o elo mais fraco, o Irã.
De fato, a coisa já se está desdobrando desse modo – como se viu nas tiradas espalhafatosas de membros seletos do gabinete de Trump durante as sabatinas no Senado dos EUA. Facções daThink-tank-lândia dos EUA, referindo-se à política de Nixon para a China, também construída por Kissinger, estão excitadíssimos com as ricas possibilidades de 'contenção', na direção de pelo menos uma das potências "potencialmente coligadas contra os EUA".
Kissinger e o Dr. Zbig "Grande Tabuleiro de Xadrez" Brzezinski são os principais autodescritosdalangs – mestres de fantoches do teatro de sombras balinês – ocidentais na arena geopolítica. Em oposição a Kissinger, o mentor de Obama para política exterior, Brzezinski, fiel àquela sua imorredoura russofobia, propõe uma "Dividir para Governar" centrada em seduzir a China.
Mas fonte influente, do campo do business nova-iorquino, muito próxima dos reais discretosMasters of the Universe, e que previu corretamente que Trump seria eleito várias semanas antes de acontecer, depois de examinar o que escrevi, acrescentou bem mais que uma avaliação ácida dos tão louvados dalangs: aceitou expor em detalhes o modo como a nova normalidade foi exposta pelos Masters diretamente a Trump. Para nós, aqui, o nome da minha fonte será "X".
China sob vigilância non-stop
"X" começa por algo que todos os regulares conectados ao estado profundo dos EUA, que reverenciam seus ídolos, jamais se atrevem a fazer, não, pelo menos, em público:
"Importante agora é não dar importância demais nem a Kissinger nem a
Brzezinski, que não passam de fachadas para os que tomam as decisões; o
trabalho dos dois é revestir as decisões com uma pátina de intelectualismo. O
que digam significa relativamente nada. Uso os nomes deles vez ou outra, porque
não posso usar os nomes de quem realmente toma as decisões."
É a deixa
para que "X" detalhe a nova normalidade:
"Trump foi eleito com o apoio dos Masters para tender na direção da Rússia.
Os Masterstêm ferramentas
na mídia e no Congresso para manter a campanha de vilificação contra a Rússia,
e têm o fantoche Brzezinski para também falar contra a Rússia, cada vez que
repete que 'a influência global dos EUA depende de cooperação com a China'. O
objetivo é ameaçar a Rússia para fazê-la cooperar e pôr essas fichas na mesa de
negociações para Trump. Numa velha abordagem de tipo policial bonzinho/policial
durão, Donald é retratado como o bonzinho, que quer boas relações com a Rússia;
e o Congresso, a mídia-empresa e Brzezinski são os policiais durões. Assim os Masters of the Universe planejam ajudar Trump nas negociações
com a Rússia, com Putin vendo a posição 'precária' de seu amigo e logo, como
diz o ditado, pondo-se a fazer grandes concessões."
E com isso chegamos ao modo como Taiwan – e o Japão – entram no mix:
"Donald
mostra que favorece os russos, ao falar com Taiwan, demonstrando que a mudança
é coisa séria. Tinham decidido que o Japão seria empurrado para o mix como predador ativo contra a indústria
dos EUA, com um ataque contra a Toyota (muito, muito merecido). Mas essa posição
foi moderada, porque os Masters passaram a temer que o movimento de
jogarmos Japão contra China seria excesso de provocação."
Assim
sendo, contem com que a China – "sem deixar ver que lhe damos muita
importância" como prescreveu Kissinger – estará sob escrutínio em tempo
integral:
"Os Masters decidiram reindustrializar os EUA e
querem tomar de volta os empregos que a China levou. É aconselhável do ponto de
vista chinês: por que os chineses venderiam o próprio trabalho aos EUA por um
dólar que não tem valor intrínseco, para nada ganhar, de fato, em troca do
trabalho? A China tem de ter um carro na garagem de cada chinês e se tornará a
maior produtora de carros que União Europeia, EUA e Japão somados, e a nação
chinesa manterá no próprio país a própria riqueza."
E por que a China, acima da Rússia?
"Porque nesse sentido, sendo a Rússia país de recursos naturais com
complexo industrial-militar gigantesco (que é a única razão pela qual
secretamente todos respeitam a Rússia), ela fica isenta de qualquer conversa
comercial mais dura, porque os russos praticamente só exportam recursos
naturais e equipamento militar. Os Masters querem de volta os empregos que foram
para o México e a Ásia, incluindo Japão, Taiwan, etc. – e já se vê esse
movimento no ataque de Trump contra o Japão. A principal razão subjacente é que
os EUA perderam o controle sobre os mares e não podem garantir proteção aos
seus componentes militares no caso de grande guerra. Aí está tudo que interessa
agora. Essa é a história monstro por trás do palco."
Numa poucas
palavras, "X" detalha a reversão de um ciclo econômico:
"Os Masters fizeram dinheiro na transferência da
indústria para a Ásia (Bain Capital especializou-se nisso); Wall Street fez
dinheiro das taxas de juros mais baixos sobre os dólares reciclados dos
déficits comerciais. Mas agora a questão é estratégica; e eles farão dinheiro
sobre o retorno das indústrias reduzindo seus investimentos na Ásia e
devolvendo-os para os EUA, enquanto reconstruímos a produção aqui."
"X" mantém-se ardente admirador da estratégia de negócios de Henry Ford;
e é a deixa para que ele fale do tema crucial: defesa nacional. Segundo
"X":
"Ford dobrou os salários que pagava e fez mais dinheiro que qualquer dono
de indústria. A razão disso foi que salário vivo, com o qual a mulher pode ter
vários filhos mantidos com o salário do marido foi psicologicamente bom para a
produtividade nas suas fábricas de carros; e a evidência de que seus empregados
podiam pagar pelos carros que o patrão vendia. Assim Ford compreendeu que tem
de haver distribuição mais justa de riqueza na sociedade, o que seu declarado
admirador Steve Jobs nunca entendeu. A produtividade massiva de Henry foi a
maravilha do mundo e foi a força que venceu, para os EUA, a 2ª Guerra Mundial.
A empresa Amazon nada faz que contribua, em qualquer nível, para a defesa
nacional; é só um serviço para vender publicidade por internet baseado em
programas de computador; Google tampouco, que é mera empresa de organizar dados
mais eficientemente. Nenhuma dessas empresas constrói um míssil melhor ou um
submarino melhor, senão de modo muito marginal."
É o
Pentágono, estúpido
Assim sendo, sim, sim, tudo isso tem a ver com reorganizar as forças armadas dos EUA. "X" insiste numa referência a um relatório CNAS que citei na minha primeira coluna:
"É muito importante, pelo que lá se pode ver nas entrelinhas: que temos um
problema gravíssimo porque estamos tecnologicamente atrasados em relação à
Rússia, várias gerações de atraso na produção de armas. É um desdobramento do
que disse Brzezinski, que os EUA já não somos potência global."
"Forças Armadas mais poderosas do planeta"? do Saker, é análise detalhada e ao mesmo
tempo abrangente, de longo alcance, de como a Rússia conseguiu montar as forças
armadas mais bem organizadas do planeta. E isso ainda sem nem considerar o
sistema de mísseis de defesa S-500 que está surgindo agora e acredita-se que
fechará definitivamente todo o espaço aéreo da Rússia. E a geração seguinte –
S-600? – será ainda mais poderosa.
"X" aventura-se por território tabu no estado profundo: como aconteceu de a Rússia, ao longo da década passada, ter saltado tão à frente dos EUA, "eclipsando os EUA como mais forte potência militar do mundo". Mas o jogo ainda não acabou – seja para os que investem no pensamento 'desejante' ou em qualquer outro:
"Esperamos que o secretário da Defesa James Mattis compreenda isso, e o
vice-secretário de defesa é homem de altas competências tecnológicas,
habilidade organizacional e visão suficientemente ampla para compreender que as
armas da 3ª Guerra Mundial são mísseis de ataque e defesa, não força aérea,
tanques e porta-aviões."
Realista,
"X" admite que o status
quo neoconservador/neoliberal
conservador – representado pela maioria das facções do estado profundo nos EUA
– jamais abandonará a posição de partida, de imorredoura imatável hostilidade
contra a Rússia. Mas ele prefere focar a mudança:
"Deixemos Tillerson reorganizar o Departamento de Estado por padrões Exxon
de eficiência. Talvez valha alguma coisa nessa função. Ele e Mattis podem não
valer grande coisa, mas se você diz a verdade ao Senado, pode não ser aprovado.
Quero dizer: o que disseram lá nada significa. Mas veja o seguinte, sobre a
Líbia. A CIA tinha um plano para tirar a China de
dentro da África. Vale também para o AFRICOM.
É um dos segredos de nossa intervenção na Líbia."
Só que não
funcionou: OTAN/AFRICOM converteram
a Líbia em terra devastada entregue a milícias, e a China não foi tirada do
restante da África. "X" também admite:
"Síria e Irã são linhas vermelhas para a Rússia. Bem como a parte leste da
Ucrânia, a partir do [rio] Dnieper."
Ele sabe perfeitamente que Moscou jamais permitirá qualquer "gambito de
mudança de regime contra Teerã." [E também vê claramente que] "Os
investimentos chineses no gás e petróleo iranianos implicam que tampouco China
permitirá que Washington derrube o governo do Irã."
O negócio
fica realmente sério no que tenha a ver com a OTAN.
["X" está convencido de que] a Rússia "invadirá Romênia e
Polônia, se aqueles mísseis não forem retirados da Romênia e se não foi
rescindido o contrato dos mísseis para a Polônia. A questão não são os
imprestáveis mísseis defensivos dos EUA, mas a possibilidade de mísseis
nucleares ofensivos substituírem os mísseis originais, nos mesmos silos. A
Rússia jamais tolerará risco dessas dimensões. Não é questão que possa ser
negociada."
Em claro
contraste com a propaganda perpétua da "ameaça perpétua" em que o
Partido da Guerra nos EUA investe tudo, Moscou mantém-se focada só em fatos
constatados em campo, desde os anos 1990s; o ataque ao tradicional histórico
aliado eslavo, a Sérvia; nações do Pacto de Varsóvia e até repúblicas
ex-soviéticas anexadas pela OTAN, para nem falar dos atentados para capturar
também a Geórgia e a Ucrânia; o uso repetido, pelos EUA, de revoluções
coloridas; o fiasco do "Assad tem de sair", no claro atentado para
mudança de regime contra a Síria, incluindo até armar jihadistas-salafistas;
sanções econômicas; uma guerra de preços de petróleo e ataques repetidos contra
o rublo; e abusos ininterruptos e provocações, pela OTAN.
"X", perfeitamente consciente de todos os fatos, acrescenta:
"A Rússia sempre quis paz. Mas os russos não jogarão joguinhos com os Masters of the Universe que puseram Trump como 'mocinho' e o
Congresso, a CIA, etc.
como bandidões, numa encenação de negociação. Porque é assim que os russos veem
a coisa: para eles, esse circo não é real."
O circo
pode não passar de ilusão. Ou wayang – teatro balinês de bonecos –, como
sugeri. "X" apresenta interpretação simples e dura do jogo de sombras
que vai começar, a partir do ponto de vista de Moscou: "os russos vão
esperar meses, podem ser vários meses, enquanto Putin trabalha para construir
uma détente com Trump que, na essência, crie uma
Ucrânia Oriental autônoma; firme um tratado de paz na Síria, com Assad na
presidência; retire de lá as forças da OTAN; e as devolva à velha linha de defesa
do governo de Ronald Reagan."
Quem vencerá? Os Masters of the Universe, ou o estado profundo? Dobre o tronco sobre as coxas, abrace os joelhos e prepare-se para o impacto.
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