por Brian Cloughley, com tradução de btpsilveira
Os conflitos no Afeganistão são a mais longa guerra dos Estados Unidos e
não parece ter um fim à vista. O Presidente Trump disse que deverá
implementar uma nova política externa, que venha até que enfim tirar proveito
do aprendizado oferecido pelos erros cometidos no passado, mas no Afeganistão
herdou um erro que está sendo cada vez mais difícil de consertar. A situação ali
está chegando às raias do desastre, e as intenções de Trump ainda não são
claras. No entanto, apesar desse cenário é difícil imaginar que ele aprove
negociações com o Talibã.
O Inspetor Especial dos EUA para a Reconstrução do Afeganistão, Sr. John
Sopko, declarou oficialmente há
pouco que “O Afeganistão precisa de um ambiente de segurança estável para que
não venha a se tornar novamente um refúgio seguro para a Al-Qaeda e outros
terroristas. Mais da metade do dinheiro que os Estados Unidos empregaram desde
2002 foi usado para reconstruir, equipar, treinar e apoiar as Forças de Defesa
e Segurança Nacional do Afeganistão (Afghan
National Defense and Security Forces, ANDSF, na sigla em inglês – NT). No
entanto, a ANDSF ainda não é capaz de assegurar a integridade do território do
Afeganistão e tem perdido terreno para a insurgência”.
Os “dólares da reconstrução”, enfatiza o Sr. Sopko, alcançam a espantosa
soma de 115 bilhões de dólares, um número que a maioria de nós é incapaz até de
entender. Uma maneira de tentar a compreensão do que significa essa soma, em um
contexto histórico, pode ser a consideração de que todo o Plano Marshall,
inciativa dos EUA entre 1948/1952 para a reconstrução da Europa Ocidental na
sequência da devastação causada pela Segunda Guerra Mundial custou o equivalente atual
de 113 bilhões de dólares. Um país menor como o Afeganistão já absorveu como
uma esponja uma quantia ainda maior e permanece uma área em escombros. Não se
pode deixar de ressaltar que a organização Transparency International
coloca o Afeganistão em 116º lugar entre os 168 países mais corruptos no mundo
e enfatizar que o seu Índice de Corrupção esclarece que “um oitavo de todo o
dinheiro que entra no Afeganistão é perdido para a corrupção”.
Nas palavras de Sopko, “Os Estados Unidos contribuíram significantemente
para os atuais problemas no Afeganistão ao colocar dinheiro demais, rápido
demais, em uma economia muito pequena e com fiscalização mínima. A falta de
compreensão das realidades sociais e políticas do país levaram a programas
irreais e entendimento precário sobre o que era ou não possível”.
O sumário apresentado criticamente pelo Inspetor Especial (SIGAR - Special Inspector General for Afghanistan
Reconstruction- NT) é bem suave. Tem que ser encarado o fato de que
depois que os Estados Unidos invadiram o Afeganistão em 2001, acabaram se
envolvendo em uma guerra total, alienando milhões de afegãos simplesmente
porque “o Pentágono não consegue compreender sequer as realidades sociais e
políticas do país”. (Algumas tropas até que tentaram duramente o envolvimento
com as realidades locais, mas estavam ali há pouco tempo e seus generais
exigiam vitória, não compreensão social).
A Aliança Militar dos Estados Unidos/OTAN dirigiram a Guerra de 2003 até
2014, quando se anunciou que as operações de combate deveriam cessar e que os
EUA deixariam uma força residual até o final de 2016 (agora o prazo foi estendido).
Alguns milhares de soldados, sob a missão “Sentinelas da Liberdade”, continuam
as operações de combate, mas os outros contingentes estrangeiros foram
confinados para treinar e aconselhar o exército afegão.
Em um discurso da eleição de 2008, Obama declarou que “farei da
guerra contra a Al-Qaeda e o Talibã a nossa principal prioridade. Esta é uma
guerra que temos que vencer”. Mas a guerra já tinha sido perdida. Em 2013, ele disse que a retirada das
forças (norte)americanas era possível porque “nós alcançamos nosso principal
objetivo, ou pelo menos chegamos bem perto, que era o de incapacitar a Al-Qaeda,
desmantelar a organização e tornar certo que nunca mais possa nos atacar
novamente”.
Isso foi uma completa negação intencional da realidade, porque o país já
caminhava na direção da guerra civil, com bandos heterogêneos de insurgentes
promovendo a violência e a confusão enquanto as pessoas no/ou conectadas com o
governo central em Kabul fazia a política, conseguia grandes somas de dinheiro
e comprava mansões caríssimas em Dubai. Esperava-se, contra todas as
evidências, que a polícia afegã e o exército do país fosse capaz de derrotar o
Talibã e os demais insurgentes, mas isso, claro, não aconteceu e as forças de
combate dos Estados Unidos tiveram que aumentar suas operações, poucas delas
reveladas ao público (norte)americano, a não ser quando acontecia algo tão desastroso
que não pudesse ser negado ou escondido.
O fato mais deplorável é que a ingerência estrangeira do Afeganistão tem
sido catastrófica e está levando o país para a beira da anarquia, enquanto
somas enormes de dinheiro continuam a ser despejadas ali, especialmente pelos
Estados Unidos. Não faz o menor sentido, e o Presidente Trump tornou claro que
ele quer acabar com esse desperdício monumental de dinheiro. Esse foi o homem,
afinal de contas, que fez um discurso de campanha declarando que “as
pessoas que se opõem a nós são as mesmas pessoas – pense nisso – que desperdiçaram
$ 6 trilhões de dólares no Oriente Médio – poderiam ter reconstruído nosso país
duas vezes – e que só conseguiram produzir mais terrorismo, mais mortes e mais
sofrimento. Imagine se esse dinheiro fosse gasto em casa.”
Trump está certo quanto ao desperdício (embora a soma de $6 trilhões
talvez não seja correta), e se for capaz de manter e sustentar seu ponto de
vista, deverá estancar a sangria de dinheiro de Washington para Kabul, que só
em 2017 prevê o gasto de mais $4.6 bilhões de dólares.
Mas o novo presidente poderá simplesmente ignorar o Afeganistão?
A organização de pesquisa Stratfor observou que antes da
apresentação de sua candidatura para a presidência, “Trump publicou um vídeo
afirmando que a decisão dos Estados Unidos ao invadir o Afeganistão foi um erro
e que as tropas (norte)americanas deveriam se retirar do país. No decorrer da
campanha ele adotou uma versão modificada deste ponto de vista, apresentando-se
como um tecnocrata que seria rigoroso e adotaria a política de tolerância zero
contra qualquer desperdício de dinheiro.”
Se o Talibã assumir o país, quase certamente isso não significará
qualquer ameaça para os Estados Unidos. Claro que a vida do cidadão comum
daquele país se tornará um inferno, mas desde quando Washington se preocupa com
essas coisas? Os EUA apoiaram rebeliões e golpes na Líbia, na Síria e na
Ucrânia. Nenhum deles melhorou a vida dos cidadãos desses países. O presidente
Trump declarou várias vezes que “deste dia em diante, pensaremos primeiro nos
EUA... nós estamos defendendo as fronteiras de outras nações enquanto
esquecemos das nossas; temos gastado trilhões de dólares no estrangeiro
enquanto a infraestrutura dos Estados Unidos está caindo aos pedaços.” Mas será
que ele realmente será capaz de aprender com “os erros do passado”?
Sua promessa parece indicar a intenção de evitar futuras aventuras
catastróficas e dispendiosas tais como temos visto no Afeganistão, Iraque ou
Líbia – embora tenha tido tempo, durante a festa de posse em Washington, para
falar por vídeo com as tropas dos Estados Unidos no Afeganistão e dizer a elas
que “estou o tempo todo com vocês... vamos fazer o que for necessário juntos”.
Com certeza se tratou de um gesto calculado de relações públicas – mas ficou
longe de assegurar que os Estados Unidos sob o regime Trump permanecerão
comprometidos, militar ou financeiramente com o futuro do Afeganistão.
É provável que a decisão final fique para futuras conversas com o trio de
generais que ele indicou como auxiliares mais próximos. General Mattis, o
Secretário de Defesa; Kelly, Secretário de Segurança Interna e Flynn, Consultor
para a Segurança Nacional, que são pessoas que declaram francamente a própria
opinião e não relutam em lançar guerras.
Resumo: Embora seja um desastre econômico, social e militar, podemos
esperar que a guerra dos Estados Unidos no Afeganistão continuará. Poucas
coisas me deixariam mais satisfeito que estar completamente errado ao fazer
essa previsão sinistra.
http://www.strategic-culture.org/news/2017/01/24/trump-and-war-afghanistan.html
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