A Turquia pode passar para o campo russo?
REDE VOLTAIRE – Thierry Meyssan, com tradução de ALVA
Mesmo se a Rússia historicamente tem um passado pesado com a Turquia, e
mesmo se ela se recorda do papel pessoal do atual Presidente Erdoğan
contra si, quando da primeira guerra da Chechênia, ela só pode estar interessada numa eventual saída de
Ancara da OTAN. Pelo contrário, o Estado profundo dos EUA, que prossegue a sua
ambição imperial apesar da eleição de Donald Trump, está disposta a tudo para
manter a Turquia na Aliança Atlântica.
Para garantir a sua
sobrevivência pessoal, o Presidente Recep Tayyip Erdoğan lançou uma vasta purga
de todos os elementos pró-EU no seu país; uma purga que se junta ao combate que
já leva a cabo contra a Síria, contra o PKK, e agora contra os seus antigos
mercenários do Daesh (E.I.).
A destruição da influência norte-americana passou,
primeiro, pela erradicação do Hizmet de Fethullah Gülen, o pregador islamista
que trabalha para a CIA a partir da Pensilvânia. Ela prossegue, hoje em dia,
com o saneamento e por vezes a prisão não apenas de todos os militares ligados
aos Estados Unidos, mas, também de militares laicos em geral. Nunca
facilitando.
Foram chamados de volta à Turquia 450 dos 600 oficiais superiores
turcos em missão na OTAN. Mais de 100 dentre eles e suas famílias pediram asilo
político à Bélgica, sede da Aliança Atlântica.
Primeira consequência desta purga antilaica, o exército
turco fica decapitado por muito tempo. Em cinco meses, 44% dos generais foram
demitidos. E isto quando na altura do escândalo Ergenekon 70% dos oficiais
superiores tinham sido demitidos, detidos e encarcerados. Privada de um
apropriado comando, a Operação «Escudo do Eufrates» patina.
Erdoğan é, pois, forçado a rever em baixa as suas
ambições militares para os próximos anos; seja na Síria, no Iraque ou em Chipre
— três Estados que ele ocupa parcialmente —. Assim, ele deixou cair Alepo-Leste
(Síria) — mas não Idlib — e se apressa na retirada de Bachiqa (Iraque).
Vista de Washington, uma possível saída da Turquia da
OTAN, ou pelo menos do Comando integrado da Aliança Atlântica, provoca suores
frios na facção imperialista do Poder. Em número de homens, o exército turco é,
com efeito, o segundo da OTAN depois do dos Estados Unidos. Pelo contrário, uma
possível saída da Aliança suscita bastante mais alívio à facção de Donald
Trump, para a qual a Turquia é um país à deriva.
Daí o forcing dos neo-conservadores para trazer de volta
a Turquia ao “senso histórico” (o do “Novo Século Americano”). Assim, a
assistente do Secretário de Estado, Victoria Nuland, tenta oferecer Chipre a
Recep Tayyip Erdoğan; um projeto que ela tinha concebido a seguir às eleições
de Novembro de 2015, quando o Presidente Barack Obama ordenou a eliminação do
Presidente turco.
Exercendo chantagem sobre o Presidente cipriota, Nicos
Anastasiades, Nuland sugeriu-lhe que aceitasse o seu “plano de paz” para
Chipre: a ilha seria reunificada e desmilitarizada — quer dizer privada do seu
exército — enquanto a OTAN —(concretamente as tropas turcas) lá seriam
colocadas —. Assim, o exército turco poderia completar a sua conquista da ilha
sem qualquer combate. No caso de recusar este negócio de tolos, o Presidente
Anastasiadis poderia ser processado pela justiça em Nova Iorque devido à sua
implicação, enquanto advogado, nos negócios da empresa Imperium do seu amigo
russo Leonid Lebedev; um negócio de US $ 2 bilhões de dólares.
Deste modo, a ruptura com a OTAN custaria à Turquia o
Nordeste de Chipre que ela ocupa, enquanto a sua permanência na Aliança
Atlântica lhe ofereceria a totalidade da ilha.
É certo que dentro de algumas semanas Victoria Nuland
deverá ser despedida pelo novo Secretário de Estado, Rex Tillerson, mas o grupo
que ela representa não deverá perder no entanto todo o poder. Nuland é membro
da família dos fundadores do Projeto
para um Novo Século Americano, que participou no planeamento dos
acontecimentos do 11-de-Setembro. O seu sogro, Donald Kagan do Hudson Institute, formou os
neo-conservadores e os discípulos de Leo Strauss na história militar de
Esparta. O seu cunhado, Frederick Kagan do American
Enterprise Institute, dirigiu as relações públicas dos generais David
Petraeus e John R. Allen. A sua cunhada, Kimberly Kagan, criou o Institute for the Study of War (Instituto para o Estudo da
Guerra-ndT). O seu marido, Robert Kagan, é atualmente pago pelo antigo Emir do
Catar no Brookings Institution.
Quatro personalidades, cinco grupos de reflexão (“think-tanks”), mas uma única
ideologia.
Victoria, quanto a ela, foi sucessivamente embaixadora na
OTAN, porta-voz de Hillary Clinton, e organizadora do golpe de Estado de Kiev,
em Fevereiro de 2014. Ela ajudou os Presidentes Petro Porochenko e Erdoğan a
criar oficialmente a «Brigada Internacional Islâmica», que realizou vastas
sabotagens na Rússia. A sua ação será prosseguida pelo Estado Profundo dos E.U.
contra a administração Trump.
É, aliás, o grupo que se alinha atrás dos Kagan quem
prossegue a guerra na Síria, sem outro objetivo que não seja o de manter-se no
Poder. Não só o Presidente Barack Obama não conseguiu expulsá-los da sua administração,
como uma personagem tal como Victoria Nuland, que era considerada uma figura de
proa da administração Bush, não teve dificuldade em subir de grau na
Administração Democrata e em organizar uma onda de russofobia. Se já trabalhava
em bons termos com Hillary Clinton, ela não parou junto com o seu amigo Jeffrey
Feltman, o verdadeiro patrão nas Nações Unidas, de sabotar a diplomacia do
Secretário de Estado, John Kerry.
Conhecendo a capacidade de Erdoğan para mudar bruscamente
de estratégia, Moscou terá de acalmar as angústias de Anastasiadis, tanto como
de propor alguma coisa mais atraente a Ancara para a manter a meio caminho
entre os Estados Unidos e a Rússia.
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