A estratégia chinesa em sua “guerra ao terror”: empregos, não drones
Caleb T. Maupin, tradução de btpsilveira
O governo chinês está empregando
uma estratégia inédita para reduzir a ameaça de terrorismo nas suas regiões
autônomas tradicionalmente instáveis do Tibete e Xinjiang. Ao providenciar
novos empregos e melhores moradias, o governo conseguiu conter a ameaça de
separatismo.
WASHINGTON — Em 01 de
março de 2014, oito homens e mulheres empunhando facas atacaram passageiros em uma estação de trens na cidade de
Kunming, no Sul da China. Os atacantes portando facas de lâminas enormes
mataram 31 pessoas e feriram outras 143. Quatro dos atacantes foram mortos por
uma equipe SWAT na cena do crime enquanto outros
três foram executados em março de 2015 por seu envolvimento no ataque.
Conforme relatos da imprensa estatal chinesa, os
atacantes eram da Região Autônoma Uigur de Xinjiang no noroeste da China e
ligados a grupos separatistas. Xinjiang é o lar do grupo minoritário islâmico
dos Uigures da China. Muitos uigures, não apenas na China mas por todo o mundo,
guardam grande ressentimento contra o governo chinês pelo que consideram ser
políticas contra o Islã e a religião. Um exemplo foi a demolição de mesquitas em Xinjiang, no último
ano, atribuída por funcionários do governo chinês à condição das mesquitas,
dilapidadas e inseguras.
Na sequência do ataque de 2014, os grupos
terroristas Al Qaeda e Estado Islâmico anunciaram seu apoio aos separatistas
uigures exortando-os a escalar a violência bem como
aconselhando Xinjiang a separar-se da China e tornar-se um estado independente
com um governo teocrático. Praticamente ao mesmo tempo, milhares de uigures
foram para a Síria e para o Iraque, depois de receber treinamento no
Afeganistão.
Se o padrão de vida
sobe, o terrorismo diminui
Colhedora de algodão em Xinjiang |
Mas isso foi há três anos. O que aconteceu desde
então? Xinjiang teve o mesmo destino de Síria, Iraque e Líbia? Alguma
insurgência está grassando através dos campos?
Nada disso. Depois de três anos que os ataques em
Kunming aconteceram, no que foi chamado de “11/9 da China”, Xinjiang atualmente
está mais pacífica que antes. O que impediu a região de mergulhar no caos?
Embora a China tenha intensificado as medidas de segurança desde o ataque, na
realidade um fator diferente tem sido mais importante para impedir as agitações
e na manutenção da paz.
“Uma taxa
de duas novas fábricas de têxteis foram instaladas em Xinjiang a cada dia no
último ano. Esperamos ainda mais para este ano” afirmou Yin Xiaodong, diretor do Gabinete de Gestão da
indústria têxtil de Xinjiang. Agora, há por ali mais de 1.800 indústrias
têxteis com 112.300 trabalhadores em suas fábricas. O governo chinês afirmou
esperar que mais 100.000 empregos na indústria têxtil sejam criados neste ano.
Uigures da região rural que se juntaram à força
de trabalho industrial chinesa estão vendo crescer significativamente seu
padrão de vida. Os salários dos trabalhadores da indústria chinesa são
reguladores de perto pelo estado. Entre 2008 e 2014 o salário dos trabalhadores da
indústria chinesa cresceu 71%. Os homens de negócios se queixaram do que
consideram ser proteções laborais exageradas e controle de salário. O
informativo MarketWatch cita Yang Keng, o proprietário de uma grande companhia
imobiliária chinesa como afirmando “a China, como um país em desenvolvimento,
resolveu adotar leis trabalhistas de um padrão europeu de bem estar social. Os
motivos são bons, mas os empresários são prejudicados”.
O governo central da China também anunciou planos para implementação de novas rodovias e linhas férreas em
Xinjiang. Em 2017, aproximadamente 170 bilhões de Yuans (cerca de 24
bilhões de dólares) serão usados para construir novas rodovias na região,
historicamente pobre. Outros 8,1 bilhões de Yuans (1,18 bilhões de dólares)
serão usados para construir novas linhas férreas. O governo chinês está ainda
pesquisando a possibilidade de construir uma ferrovia de alta velocidade que
conectará Urumqi, a capital de Xinjiang, a um porto na fronteira entre a China
e o Cazaquistão.
Acredita-se que o desenvolvimento da indústria e
da infraestrutura na região diminuirá a ameaça do terrorismo separatista ao
fornecer aos uigures empobrecidos mais oportunidades de emprego e uma qualidade
de vida melhor.
Estabilizando o
Tibete
Ferrovia no Tibete |
A região autônoma do Tibete, no sudoeste da
China, também tem uma história de instabilidade, com seu clímax durante os anos
50. O livro de Kenneth Conboy e James Morrison, lançado em 2002, “A guerra
secreta da CIA no Tibete” descreve como os Estados Unidos facilitaram a guerra
de guerrilha na região naquela época.
Gyalo Thondup, irmão do Dalai Lama, recebeu
treinamento militar no Colorado, juntamente com um grupo de seus seguidores.
Foram introduzidos no país por via aérea com armas de fabricação (norte)americana
e tentaram levar o país a um estado de guerra total em 1956, esperando deslocar
o Partido Comunista da China e restaurar o reino feudal budista. Não é
conhecido o número de pessoas que morreram no banho de
sangue provocado.
O incidente de violência e agitação mais recente
no Tibete aconteceu em Março de
2008. A revolta que aconteceu naquele mês deixou 18 pessoas mortas,
assim como 382 civis e 241 policiais feridos. A imprensa dos Estados Unidos não
descreve o incidente como terrorismo. Mas outros relatos indicam que multidões
de tibetanos separatistas atacaram pessoas nas ruas de Lhasa, supostamente
porque tinham a aparência da etnia Chinesa majoritária Han. Mais de 120 casas
foramd estruídas na revolta, a qual aparentemente foi instigada por tibetanos
separatistas.
Mas o Tibete tem estado relativamente calmo desde
2008. A guerra de guerrilha, a violência étnica e os incêndios criminosos
aparentam estar em declínio. Em anos recentes, o Tibete é objeto de atenção dos
esforços governo chinês para acabar com a pobreza no país.
Aproximadamente 20% da população do Tibete vive
na pobreza, de acordo com estimativas governamentais. O jornal China Daily descreve a vida de Dashon, uma mulher tibetana de 52 anos que vivia em uma cabana
primitiva. “Nossa casa poderia desabar a qualquer momento, e nós sempre
temíamos por nossa segurança”, conta ela.
Agora, Dashon vive em uma moderna casa de dois
andares, com energia elétrica e água corrente. Ela é um dos 236.000 tibetanos
que foram reassentados em casas melhores com o trabalho do Partido Comunista
Chinês de alcançar o objetivo declarado de eliminar totalmente a pobreza na
China até 2020.
Nos próximos cinco anos, o governo chinês pretende investir mais 18 bilhões de Yuans (2,5 bilhões
de dólares) em mais de 1.216 programas contra a pobreza na região. Ao levar os
tibetanos mais pobres para áreas mais prósperas, o governo lhes providencia
acesso a novos empregos. A Ferrovia Qinghai-Tibete está em construção e deverá
conectar a região com outros partes do país.
O gabinete para a erradicação da pobreza no
Tibete está fazendo grandes esforços para ajudar os tibetanos empobrecidos a
começar nova vida e encontrar bons empregos nas cidades modernas, longe de suas
vilas remotas. “Identificamos 11 fatores diferentes que podem ajudar a explicar
porque essas pessoas vivem na pobreza, e medidas diferentes deverão ser
adotadas para pessoas diferentes, de diferentes conjuntos familiares, para
ajudá-los a sair dessa situação de pobreza”, disse Lu Huadong, vice presidente do gabinete.
Da mesma maneira que o povo de Xinjiang se tornou
menos propenso a se juntar a grupos extremistas com a chegada de novos
empregos, parece que os tibetanos, aos quais estão sendo fornecidas novas casas
e novos empregos também se tornarão presas menos fáceis para esses grupos que
desencadeiam ataques terroristas.
Respeitar a religião
e as tradições
Dança de muçulmanos em Xinjiang |
Muito do ressentimento que separatistas de
Xinjiang e Tibete sentem tem base na orientação historicamente antirreligiosa
do Partido Comunista da China. Mesmo com a constituição chinesa declarando a
liberdade de religião, o partido comunista no governo tem sua própria base no Marxismo/Leninismo
e na dialética materialista.
O trabalho de Ian Johnson, “O grande despertar da China”, assegura que o
fervor antirreligioso do governo Chinês não se originou do Partido Comunista da
China. O líder nacionalista Dr. Sun Yat-Sem, cuja revolução criou a República
da China em 1912, era virulentamente antirreligioso, e um de seus primeiros
atos revolucionários foi a destruição de um templo. O Partido Nacional da China
lançou uma campanha para “destruir a superstição”, como parte do “movimento
Nova Vida”, em 1926.
As políticas do Partido Comunista da China em
relação à religião mudaram significativamente desde o nascimento da China
Moderna. Inicialmente, o partido fez um esforço para acomodar a religião e
tentou criar associações pró comunistas entre budistas, católicos, muçulmanos e
taoístas. Estas políticas foram gradualmente revertidas durante os anos 50.
De 1966 a 1976, a China passou pela Revolução
Cultural, uma campanha governamental massiva que envolveu tentativas de levar a
sociedade chinesa drasticamente para perto dos ideais comunistas. Durante este
período, muitos templos budistas e mesquitas foram destruídos. Os praticantes
de uma religião eram sujeitos à humilhação pública e revistas violentas em suas
casas por jovens comunistas organizados em torno de uma associação denominada
Guarda Vermelha.
No transcorrer desse período, os clérigos
budistas ou católicos que tinham feito voto de castidade foram obrigados a se
casar. Enquanto a pornografia, a promiscuidade, a homossexualidade e sexo
extramarital eram considerados “decadência burguesa” pelos comunistas, a
promoção do celibato era considerada como uma demonstração clara de hostilidade
ao objetivo do partido de crescimento da população.
Depois do aparecimento do antigo líder chinês
Deng Xiaoping e do repúdio da “Gang dos Quatro”, o partido começou a diminuir
sua hostilidade em relação à fé religiosa. Em 1982, o partido publicou uma
declaração de 20 páginas denominada “O ponto de vista básico e a política sobre
as religiões durante o período socialista de nosso país”. O trabalho ficou
conhecido como o “Documento 19” e repudia muitas das políticas antirreligiosas
dos anos 60 e 70. O documento alega que os líderes chineses devem mostrar
“respeito pela liberdade de fé religiosa e protegê-la”, mesmo mantendo uma
visão de mundo dialética materialista, descrente.
As políticas do partido com relação à religião se
tornaram cada vez mais amenas desde então. E, abril de 2016, o presidente
chinês Xi Jinping abordou o comportamento chinês em relação à religião, convocando
o Partido Comunista da China a “mergulhar nas doutrinas e cânones que estão
alinhados com o progresso e a harmonia social, e que são favoráveis à
construção de uma sociedade saudável e civilizada, e a interpretar as doutrinas
religiosas de maneira que seja útil para ajudar o progresso do país, ao lado de
nossa excelente cultura tradicional”.
Ele acrescentou que “Nós devemos nos manter
resolutamente em guarda contra infliltrações estrangeiras por meios religiosos
e impedir a violação ideológica por extremistas”, talvez se referindo às
agitações em Xinjiang e o apoio que a Al Qaeda e o Estado Islâmico demonstraram
aos separatistas uigures.
O uso e a manipulação das desavenças religiosas
pelos inimigos da China com certeza não é novidade. Já em 1957, o Secretário
de Estado dos Estados Unidos, John Foster Dulles disse: “as
religiões orientais estão profundamente enraizadas e têm valores inestimáveis.
Suas crenças espirituais são irreconciliáveis com o materialismo e o ateísmo
comunista. Isso cria um laço comum entre nós, e nosso dever é aprofundar e
desenvolver esses laços”.
O governo chinês patrocinou uma conferência de líderes islâmicos em julho de
2016, onde eles discutiram como exercer oposição à violência e ao extremismo.
100 imans se reuniram, a maioria deles da Ásia Central, para discutir como
impedir que o terrorismo se espalhe entre muçulmanos da região.
O president Xi anunciou ainda que o país deverá
“apoiar a educação de profissionais religiosos para assegurar que eles estarão
totalmente preparados para cumprir seus deveres e conquistar a confiança de
seus crentes”. Esta política inclui a expansão do Instituto Islâmico de
Pequim, onde jovens muçulmanos treinam para se tornarem líderes religiosos.
No Tibete, a política de respeito com os grupos
religiosos locais e com a cultura da região não só está estabilizando a região
como contribui para sua prosperidade econômica. A região tem visto o
crescimento do turismo nos últimos anos, com a indústria trazendo 33 bilhões de
Yuans (4,8 bilhões de dólares) em 2016 para a região historicamente empobrecida. Mais de 100.000
tibetanos se aproveitaram e lucraram com negócios relacionados ao turismo. O
dinheiro veio de mais de 23 milhões de turistas que inundaram a região no
último ano, número que se estima será ultrapassado e chegará a 25 milhões este
ano.
Empregos, não drones
Limpeza do local de um atentado em Bagdá |
Na sequência dos ataques de 11/09 os Estados
Unidos invadiram o Iraque, um país que nada tinha a ver com os ataques. A
estratégica de “choque e pavor” desencadeada contra o país destruiu muito de
sua infraestrutura, como rodovias e o setor energético. Mesmo após anos depois
da invasão muitos Iraquianos ainda não têm energia elétrica ou dependem da eletricidade importada do Irã.
Apesar de ter sido lançada a pretexto de combater
o terrorismo, a invasão tornou o Iraque um paraíso do extremismo. Regiões
inteiras do Iraque estão atualmente nas mãos dos terroristas do Estado
Islâmico. A Al Qaeda também marca presença no país. A derrocada do Partido
Socialista Árabe Baath em vez de ter enfraquecido o terrorismo, parece ter lhe
dado ainda mais força no Iraque e em outras partes do mundo.
O Iraque não é o único país a sofrer este
destino. Os Estados Unidos estão atualmente engajados em operações militares no
Iraque, Iêmen, Paquistão, Somália, Sudão, Síria e Afeganistão. Estas operações
consistem tipicamente em ataques de drones e campanhas de bombardeio direto
contra os alegados terroristas.
Mas depois
de anos de ataques de drones, mudanças de regime e outros esforços de combate
ao terror feitos pelo Pentágono, nenhum desses países parece estar
estabilizado. Na realidade, muitos têm visto o crescimento de revoltas e
desobediência civil na sequência dos esforços dos EUA para eliminar o terrorismo.
A presença e o fortalecimento de grupos terroristas parece ter aumentado desde
o início da guerra ao terror dos Estados Unidos.
Por outro lado, a China resolveu experimentar o
contrário. As suas duas regiões mais instáveis e suscetíveis ao terrorismo
agora estão mais estáveis que antes, e tudo sem o gasto e a destruição que
ataques de drones e bombardeios causam.
Os observadores destas situações talvez possam
deduzir que o crescimento do padrão de vida é uma arma melhor que o poder
militar na guerra contra o terror. Lutar contra o terrorismo parece ter mais a
ver com o apoio decidido a comunidades historicamente empobrecidas do que com o
ataque impiedoso contra elas.
http://www.greanvillepost.com/2017/03/02/chinas-strategy-in-its-war-on-terror-jobs-not-drones/
Um povo milenar, tem mais a oferecer à humanidade do que os ditos ocidentais "civilizados".
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