A 'visita de trabalho' do primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu a Moscou, semana passada, tinha um objetivo chave relacionado ao conflito na Síria – uma conversa da mais alta importância com o presidente Vladimir Putin sobre a presença do Irã, na Síria. Antes de embarcar para Moscou, Netanyahu disse ao seu gabinete, em declarações públicas, que
- "No quadro de [um futuro acordo de paz]
ou sem acordo de paz, o Irã está tentando implantar-se permanentemente na
Síria – seja mediante presença militar em campo, ou presença naval –, e
também mediante tentativa para gradualmente abrir uma frente contra nós
nas Colinas do Golan. Manifestarei ao presidente Putin a vigorosa oposição
de Israel a essa possibilidade."
Como é característico nele, Netanyahu tentou encurralar Putin já logo nas declarações iniciais, nem bem os dois sentaram no Kremlin,
- "Uma das coisas que nos une [Israel e
Rússia] é nossa luta comum contra o terrorismo islamista. Ano passado
alcançamos substancial progresso na luta contra o terrorismo islamista
radical sunita liderado por ISIS e Al-Qaeda, e a Rússia
deu grande contribuição para esse resultado e avanços. Claro, não queremos
ver o terrorismo islamista xiita liderado pelo Irã entrando em cena para
substituir o terrorismo islamista sunita."
As notas que os russos distribuíram à imprensa citavam fielmente cada palavra de Netanyahu, mas omitiam a resposta fulminante de Putin. O Kremlin optou por distribuí-la mais tarde, em matéria de RT:
- Putin observou que aqueles eventos ocorreram
"no século 5º antes de Cristo", acrescentou que "hoje
vivemos em mundo completamente diferente desse", e sugeriu que
discutissem os problemas reais da ordem do dia naquela região.
Em resumo, Putin empurrou Netanyahu na direção dos problemas reais, em vez de deixar que continuasse a requentar a antiga lenda de um patriarca iraniano obcecado por erradicar o povo judeu (RT). Os russos conhecem bem o modo de funcionar de Netanyahu – o vai e vem e a capacidade de dissimular. Obviamente tinha, naquela visita, esperanças de complicar o relacionamento russo-iraniano num momento em que Moscou e Teerã trabalham para construir um acordo sírio. Evidentemente Putin logo viu do que se tratava (Moscou organiza-se para receber uma visita oficial do presidente do Irã Hassan Rouhani.)
Netanyahu continua inflando o coringa iraniano, para distrair as atenções e afastá-las do problema palestino. Contudo, e importante no atual contexto, Israel quer participar de um acordo para a Síria. Nisso, as motivações de Israel são complexas.
A preferência de Israel é que afiliados da al-Qaeda que estão em luta na Síria, que são seus agentes, sejam autorizados a manter a faixa de terra a cavaleiro das Colinas do Golan ocupadas, de modo que a anexação do território sírio pelos israelenses continue sem ser contestada.
A Rússia simplesmente não aceitará a presença de qualquer afiliado da Al-Qaeda, nem em alguma forma residual, no solo sírio. Na verdade, a Jordânia está envolvida em conversações com a Rússia, que parece dedicada aos planos de batalha em preparação para expulsar o Estado islâmico e a Al-Qaeda da fronteira entre a Jordânia, Israel e Líbano. Israel está cada vez mais frenética ante a ideia de que o gigante russo-iraniano venha, em breve, a pôr no moedor de carne os agentes da Al-Qaeda a serviço de Israel.
A aliança com o Irã será vital para a Rússia nas próximas semanas e meses, antes de que seja alcançada uma destruição massiva de grupos terroristas em solo sírio, e o processo de paz alcance o trecho doméstico. Mas isso não significa que a relação russo-iraniana deslize suave como seda. Há forte convergência de interesses nesse ponto, mas, como o vice-ministro de Relações Exteriores do Irã Ebrahim Rahimpour disse no sábado, em Teerã,
- "Vamos interagir com os russos na medida
em que eles cooperem conosco; e não insistiremos em cooperar com eles, se
não houver interesse deles na cooperação."
Os dois países têm seus respectivos objetivos de longo prazo e respectivas agendas num futuro acordo sírio. Claramente, a Síria que emergir de algum acordo pode bem ser país federado. Os EUA parecem trabalhar na direção de uma federação síria, e a Rússia pode aceitar esse resultado como resultado realista daquele conflito brutal. Ambos os países, EUA e Rússia têm negócios com curdos sírios cuja mais alta prioridade é estabelecer uma região autônoma curda no norte da Síria, na fronteira com a Turquia.
E é perfeitamente concebível que uma Síria federal venha a se sobrepor às 'esferas de influência' das potências estrangeiras. Sem dúvida, os EUA têm intenção de manter as bases militares que instalaram nos dois cantões curdos na parte oriental do rio Eufrates em anos recentes. A Rússia também tem grande presença nas regiões ocidentais da Síria de frente para a costa mediterrânea e na região de Damasco. As bases russas em Latakia e Hmeimim na Síria são instalações para perdurar.
Assim sendo, o modo como o cenário emergente de uma Síria federal repercutirá na relação russo-iraniana continua a ser um 'não sabido sabido'. Afinal, o Irã fez sacrifícios imensos para derrotar o Estado Islâmico e a al-Qaeda na Síria. Relatório da semana passada falava em mais de 2.000 militares iranianos mortos em combate.
Leiam análise (aqui) de Frederick Kagan, do think-tank conservador American Enterprise Institute – surpreendentemente realista para um ideólogo norte-americano – sobre a complexa rede que faz da conexão russo-iraniana um imperativo geoestratégico de nosso tempo.
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