Pyotr Iskendorov, 14 de março de
2017 – trad: btpsilveira
A visita do presidente turco Recep Tayyip Erdogan à Rússia acontece
entre algumas mudanças internacionais sísmicas. Pensamentos que apenas ontem
eram considerados corretos e definitivos estão ruindo e novas alianças estão
surgindo.
Com isto em mente, quando olhamos o mapa da Europa torna-se claro que a
Turquia está em uma posição muito difícil. Por um lado, ao pressionar a Europa
com o fantasma sempre presente da imigração em massa, distanciar-se até certo
ponto dos Estados Unidos e atuar de forma mais profunda na Síria, Ancara até
agora vem obtendo certo sucesso em trilhar um caminho mais ou menos
independente dentro da esfera de seus interesses de longa data. Por outro lado,
os líderes turcos estão perfeitamente conscientes de que têm um campo de
manobra limitado, devido ao fato de que a Turquia é membro da OTAN, e sua
dependência do equilíbrio do poder dentro do polígono formado por Moscou,
Washington, Ancara, Teerã e Damasco.
Ao mesmo tempo, o presidente Erdogan não pode deixar de estar sempre
atento aos humores dentro de seu país, muito mais preocupado com o problema do
terrorismo doméstico – assim como com o quadro da economia turca – que com a
pressão para que a Turquia seja admitida dentro da União Europeia ou o destino
da cidade síria de Al-Bab. A mistura disso tudo está forçando os operadores
turcos a uma abordagem multifacetada, na velha tendência Otomana de jogar com
as rivalidades entre as grandes potências (hoje representadas primariamente por
Rússia e EUA).
O encontro em Antália marcado para 07 de março entre o chefe do Estado
Maior da Rússia, Valery Gerasimov, o chefe do Estado Maior Conjunto dos Estados
Unidos, Joseph Dunford, e o chefe do Estado Maior da Turquia, Hulusi Akar deve
ser visto a partir dessa perspectiva. Foi a primeira vez que a situação na
Síria foi discutida nesse formato.
É de interesse turco o exercício do maior controle possível sobre o
andamento dos fatos nas regiões curdas da Síria. Ancara parece ter feito alguns
bons “negócios”, ou dizendo de modo mais simples – acordos – uma abordagem que
também foi favorecida pela nova administração nos EUA. Por exemplo: em troca de
sua promessa de não fazer qualquer ataque ativo na região sob controle
sírio/curdo nas imediações da cidade de Manbij, a Turquia teve apoio para sua
vontade de estabelecer um governo misto em alguns cantões curdos que gora
incluirão um papel para os representantes do governo de Damasco. O objetivo é
impedir que essas regiões ganhem autonomia.
Dada a relação difícil entre Rússia e Estados Unidos, o jornal turco Türkiye fez uma observação acurada sobre
a complexidade do jogo que está sendo jogado por Ancara: “... o papel de Ancara
parece ser decisivo em meio a toda a incerteza que paira sobre a região. Em se
tratando da Síria, a Turquia pretende continuar a desempenhar o papel de
mediador entre seu aliado e parceiro em um casamento conturbado – os Estados
Unidos – e seu “aminigo” Rússia (no original “frenemy”, palavra difícil de traduzir, pois é uma fusão de “friend”,
com “enemy” – amigo, com inimigo. Poderia ser traduzido como aminigo ou inamigo, tudo com o sentido de amigo/inimigo – ntrad). O jornal The New York Times assevera que “a
principal preocupação da Turquia não é o Estado Islâmico e sim assegurar que os
curdos sírios não estabeleçam um miniestado no Norte da Síria”.
Assegurar um status superior para o papel da Turquia na resolução da
crise síria em comparação com o Irã, ao qual os turcos acusam de querer
estabelecer uma “aliança xiita”, também está entre os objetivos da liderança em
Ancara
Ao mesmo tempo, a própria Turquia está buscando sistematicamente a
doutrina formulada há muito tempo por Mustafá Kemal Atatürk em relação à União
Soviética. O fundador da República Turca afirmava que Ancara deve “desempenhar
um papel proativo”, fortalecendo os laços com nações de língua turca dentro da
União Soviética sem esperar o que considerava inevitável: o desmantelamento da
União Soviética. Desde 1991, a Turquia é guiada por esta política não apenas no
Mar Negro, Cáucaso e Ásia Central mas também nos Balcãs. O afastamento (provavelmente
temporário) da cena política turca neste estágio do autor do conceito de “aprofundamento
estratégico” – Ahmet Davutoglu – de maneira nenhuma significa uma revisão dessa
pauta “proativa”: pelo contrário, talvez ela receba uma ênfase renovada no
futuro próximo.
O quadro se torna ainda mais complicado pela crise no relacionamento entre
a Turquia e a União Europeia, em particular entre Turquia e Alemanha
(já traduzido para o português, aqui) por causa do referendo que acontecerá na
Turquia em abril. O quadro pintado pela União Europeia sobre a Turquia – que inclui
acusações como violação de liberdades democráticas, perseguição da oposição,
expulsão dos instrumentos de imprensa não alinhados à ideologia governamental e
a diminuição dramática da influência dos órgãos institucionais e do judiciário –
continua a aumentar, cada vez pior. Isso levou Ancara a perseguir uma política
agressiva “direcionada” a alguns países europeus (principalmente nos Balcãs),
que seriam, do ponto de vista dos leitmotifs (leitmotif – tema que é associado a determinado personagem, motivo
condutor na música – ntrad) da ideologia Neo-otomana como pertencendo à
esfera de influência turca.
http://www.strategic-culture.org/news/2017/03/14/why-multipronged-approach-turkey-only-option.html
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