Coreia do
Norte:*
24/3/2017, Pepe
Escobar, Asia Times – Trad: COLETIVO VILA
VUDU
Dos
"Comentários" em Moon of Alabama
"O que está acontecendo na margem oriental da Eurásia e potenciais desenvolvimentos estão resenhados nesse artigo de Pepe Escobar, 24/3, para Asia Times. Alguns outros artigos do mesmo analista unem-se todos numa análise mais ampla:
B) Pepe
Escobar: 16/3/2017, "Grande Muralha de Ferro contra Nova Rota da
Seda?",
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O Congresso Nacional do Povo em Pequim deixou claro que a China no século 21 dirigida por Xi Jinping repousa, como estado, sobre os "quatro [conceitos considerados amplamente, nesse sentido] núcleos compreensivos do líder", na expressão da lei.
Os "quatro compreensivos" são construir sociedade moderadamente próspera; aprofundar a reforma econômica; avançar a governança chinesa baseada na lei; e fortalecer a autogovernança do Partido Comunista.
Nenhuma aventura/desastre de política externa conseguirá interferir nos "quatro compreensivos", os quais, extrapolados, são também conectados aos sucesso imperativo do projeto Novas Rotas da Seda (Um Cinturão, Uma Estrada), ambiciosa 'expansão' da influência da China pela Eurásia.Mas é quando surge a supremamente imprevisível Coreia do Norte. E reaparece à superfície a conhecida pergunta de Lênin: "O que fazer?"
Pyongyang testou com sucesso mísseis balísticos de alcance intermediário baseados em terra, móveis, que operam com combustível sólido. Quando operacional, esse desenvolvimento traduzir-se-á em capacidade da Coreia do Norte para primeiro ataque, difícil de rastrear; e em o país ter meios para absorver um ataque externo inicial e retaliar – com mísseis armados (com ogivas nucleares?).
Quatro mísseis norte-coreanos recentemente – e deliberadamente disparados para o Mar do Sul do Japão são mensagem clara: podemos atingir forças militares norte-coreanas no Japão e podemos derrotar qualquer míssil de defesa já plantado ou a ser plantado por EUA, Japão e Coreia do Sul.
Ou vocês têm paciência, ou explodam
O secretário de Estado dos EUA "T Rex" Tillerson proclamou oficialmente que acabou o tempo da "paciência estratégica" com a Coreia do Norte "todas as opções estão sobre a mesa". Mas não significa necessariamente mais uma nova guerra na Península Coreana liderada pelo presidente Donald Trump, que seria doideira absoluta com consequências terríveis, e tudo, para nada. Pyongyang protege cuidadosamente sua equipe de engenheiros craques especializados, capazes de rapidamente repor em atividade uma programa nuclear completo.
A equipe Trump sabe muito bem que Seul – extremamente vulnerável à máquina militar do Norte – vetaria qualquer tipo de ataque militar contra a Coreia do Norte, assim como Pequim.
É significativo que a mídia chinesa tenha escolhido enfatizar o tom "moderado" de Tillerson sobre a Coreia do Norte – apressando-se a assinalar o fracasso, mais uma vez, da política de sanções marca registrada dos EUA.
Todos os grandes atores mundiais sabem que abandonar a "paciência estratégica" e vir com dilúvio de mais sanções inevitavelmente levará Pyongyang, num minuto, a vender material físsil no mercado negro global, para fazer dinheiro.
Pressão excessiva sobre a Coreia do Norte pode levar ao contragolpe, por aquele país que acumula mais de 50 armas nucleares que já em 2022 estarão prontas a atingir qualquer ponto da Coreia do Sul e do Japão.
Assim sendo, a única opção razoável para Washington, até agora foi anátema: sentar à mesa de negociações com Pyongyang e construir um tratado de paz definitivo que substitua o armistício atualmente vigente que suspendeu, mas não pôs fim oficialmente à Guerra da Coreia. Foi o que ouvi várias vezes quando visitei a Coreia do Norte para Asia Times.
E deve ficar cristalinamente claro: primeiro, o tratado de paz; depois, o fim das sanções; só depois disso a Coreia do Norte porá fim ao seu programa nuclear. E é também o que o governo chinês deseja; Pequim teme mortalmente que alguma guerra, mais cedo ou mais tarde, perturbe o status quo hoje congelado – embora já derretendo.
O problema é que a Equipe Trump – exatamente como o governo anterior, de Barack Obama – assume que Pyongyang, se for pressionada, desistirá de seu programa de armas atômicas antes da abertura de negociações. Pensamento delírio-desejante, como sabe qualquer pessoa que tenha posto os pés na Coreia do Norte. Para todas as finalidades práticas, a Coreia do Norte é potência nuclear. A única via pela qual o país pode pôr-se a caminho de se tornar potência nuclear "normal" como, por exemplo, o Paquistão, é encerrar finalmente a Guerra da Coreia.
O jogo 'invisível' Tóquio-Pequim
Mas surge aí um desenvolvimento paralelo fascinante, do qual falam diplomatas da União Europeia que têm contato direto com a Ásia. Os industriais japoneses, em sua maioria, não engole a xenofobia conservadora e antiquada do primeiro-ministro Shinzo Abe contra a China. As exportações japonesas para a China estão realmente aumentando – se comparadas às exportações do Japão para os EUA.
O ex-primeiro-ministro Ichiro Ozawa, codinome "Xogum Sombra" [ing. Shadow Shogun], presidente do Partido Liberal e ex-líder de vários partidos de oposição trama para derrubar Abe nas próximas eleições gerais. Está trabalhando para fundir seu Partido Liberal (PL), o Partido Democrata Japonês (PDJ) e o Partido Social-democrata (PSD), argumentando, com muita razão, que "não podemos ganhar se combatermos separadamente"; e acrescenta que os três partidos" podem unir-se em torno de políticas básicas", como fechar todas as usinas nucleares, redigir novas leis de segurança nacional e rejeitar o próximo aumento no imposto sobre consumo.
Também muito importante, o PL, o PDJ e o PSD são fortemente a favor da reaproximação Tóquio-Pequim, e é bem claramente estabelecido o pedigree de Ozawa como "amigo da China".
Em dezembro de 2009, quando era secretário-geral do PDJ que governava o país, Ozawa liderou grupo de 600 deputados Democratas e empresários que foi à China. No início de sua carreira política como membro do PL no Parlamento, Ozawa foi o mais próximo aliado político do primeiro-ministro Kakuei Tanaka – sempre lembrado por ter normalizado as relações entre Japão e República Popular da China em 1972. Herdou seu título de "Xogum Sombra" de "Kaku-san", e até hoje Ozawa acredita que seu mentor foi usado como bode expiatório no escândalo de Lockheed, e derrubado do cargo porque via o aprofundamento de relações China-Japão como fator chave para a paz e a prosperidade do Leste da Ásia.
Entrementes, na Coreia do Sul, depois do debacle que foi o impeachment da presidenta conservadora Park Geun-hye, há forças consideráveis a cada dia mais amistosas em relação a Pequim. Na Coreia do Sul, uma maioria política é favorável a cooperação econômica com a China – por exemplo, na indústria aeronáutica –, combinada com umaentente asiática para resolver o problema da Coreia do Norte.
O vencedor mais provável das próximas eleições a se realizarem dia 9 de maio é Moon Jae-in, firme apoiador da "Política Sol Brilhante" [ing. Sunshine Policy] de contatos mais próximos e cooperação econômica com Pyongyang, sem a volta das pressões militares inaugurada pelo ex-presidente Kim Dae-jung e que Seul manteve de 1998 a 2008.
Fatos no campo geopolítico mostram a alta impopularidade do sistema de mísseis THAAD (Área de Defesa Terminal de Altitude, ing. Terminal High Altitude Area Defense) que provavelmente será instalado na Coreia do Sul no próximo mês.
Quando Tillerson insiste que Pequim desista de criar políticas econômicas que possam dificultar a instalação dosTHAAD, é possível que esteja falando em código, e reconhecendo que Pequim já deslocou aparelhos de misturar sinais para guerra eletrônica para posições tais que o sistema THAAD pode ser completamente neutralizado e perder toda a serventia contra uma possível resposta norte-coreana.
E isso combina perfeitamente com o que disse recentemente o ministro de Relações Exteriores da China Wang Yi – que Pequim e Pyongyang estão tão próximas como "lábios e dentes" – embora, claro, dentes possam morder lábios; e a China também solicitou que a Coreia do Norte suspenda as atividades nucleares e dos mísseis, em troca do fim dos exercícios militares de EUA e Coreia do Sul. "Os dois lados são como dois trens que aceleram na direção um do outro" – disse Wang num intervalo do recentemente concluído Congresso Nacional do Povo em Pequim; para ele, a tarefa da China é "pisar nos freios dos dois trens".
As coisas feitas à moda asiática
Pequim poderia talvez aplicar pressão econômica calibrada sobre a Coreia do Norte (suspender importações de carvão) e ao mesmo tempo carimbar em Washington a ideia de que o diálogo é necessário, talvez, até, levando os dois lados à mesa de discussões.
Na reunião de cúpula Obama-Xi em Sunnylands, em 2003, Xi insistiu em um "novo tipo de relações entre grandes potências", baseado em não conflito, não confronto, respeito mútuo e cooperação ganha-ganha". Ainda não aconteceu – até agora.
Mas, sem torrente de mensagens do gabinete tarde da noite, a reunião Trump-Xi em Mar-a-Lago, Florida, mês que vem, pode mesmo trazer alguma espécie de acerto-concessão.
Enquanto isso, a trilha Tóquio-Pequim, que não se vê da trilha Trump-Xi, pode ser definida com Abe fora do poder.
A primeira grande consequência de uma reaproximação Tóquio-Pequim pode ser uma solução negociada para a Coreia do Norte, que incluiria um ponto final "soft" para a dinastia Kim.
Ainda que aconteça, a Coreia do Sul provavelmente recusaria qualquer tipo de reunificação em alta velocidade, ao estilo alemão. A Coreia do Norte permaneceria como o Estado que é por pelo menos mais uma década, com quadros chineses, inclusive membros influentes/parceiros do Politburo, auxiliando os tecnocratas remanescentes no norte a avançar para etapa posterior à dinastia Kim.
Nesse cenário otimista, depois de um século de conflito linha duríssima, Japão e China pode tentar algum tipo de reconciliação – chamemos de "compromisso histórico" – bem na linha das ideias de Xi Jinping, agora que ele está completando o processo para assumir plenos poderes sobre o Exército Popular de Libertação e controle total sobre a máquina do Partido Comunista.
Um mix da alta tecnologia do Japão e da solidez industrial da China significaria superação rápida sobre os EUA, convergência de política econômica que extrapolará a lucratividade de curto prazo da especulação financeira, com vistas ao equilíbrio na economia, com prioridade para a preservação dos empregos e políticas sociais baseadas na solidariedade social.
Podem começar a pensar sobre o que seja um grande passo intelectual que o Oriente dará à frente do Ocidente. OK, mas... Antes, temos de conversar com Pyongyang.
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